Certa vez, após falar às multidões e aos seus discípulos, Jesus proferiu severa crítica a escribas e fariseus que se sentaram na cátedra de Moisés: o Mestre configura a crítica recomendando observar e fazer tudo o que eles falarem, sem imitar as suas ações, pois eles falam e não fazem. Nesta crítica profética subjazem muitas lições preciosas para este tempo de primazia da comunicação, com avalanches de informações e opiniões. Não se faz uma comunicação com força de humanização apenas pelo domínio de conceituações, que são importantes. É preciso ir além: incluir as preciosas lições contidas na crítica de Jesus.
Pode ser confortável e fácil para quem tem domínio de argumentações proferir juízos sobre o outro, a respeito de variadas circunstâncias. Mas quem se dedica a julgar corre o risco de se assemelhar ao farisaísmo criticado pelo Mestre. Trata-se de comportamento comum, sublinha Jesus, amarrar “fardos pesados”, insuportáveis, e colocá-los nos ombros dos outros. O remédio para não incorrer nesse risco é o exercício permanente da escuta. Trata-se de ingrediente que tempera, lúcida e equilibradamente, toda comunicação. Possibilita a humanização de relacionamentos e a lucidez na construção dos rumos da sociedade. Antes, pois, de assentar-se na cátedra para ensinar, há de se exercitar na capacidade de escutar.
Escutar é um ato determinante e fundamental em todo processo educativo. Capacidade essencial para construir relacionamentos qualificados, superando contaminações advindas de preconceitos inadmissíveis, de ressentimentos que envenenam o coração humano. Sabe-se que o investimento na escuta permite alcançar nova orientação para o cotidiano, com incidências nas instituições e na sociedade. Aqueles que se fecham nas próprias convicções, sem dedicar atenção ao outro, tornam-se incapazes de construir qualificados diagnósticos, sobre as mais variadas situações, prejudicando discernimentos, escolhas e deliberações. Oportuno lembrar que autoritarismos se fundamentam na cristalização de entendimentos e de juízos de quem perdeu o senso da realidade. O autoritário, convencido de estar certo, abomina tudo o que é diferente de seu pensar.
Por isso, Jesus, na sua pedagogia, inspira os discípulos ao exercício da escuta, capacitando-os a conquistar uma competência que é essencial para romper estreitamentos afetivos e emocionais. Esses estreitamentos prejudicam até mesmo formulações de ordem intelectual e racional. É preciso reconhecer que não há escuta qualificada quando se dedica atenção somente ao que é do próprio interesse. E conta muito, o tempo todo, a maturidade afetiva e espiritual necessária para não investir na retaliação e nos boicotes de quem pensa diferente, um risco mesquinho e maldoso. Sublinhe-se que a exigência de uma escuta integral inclui também uma sólida e iluminada experiência espiritual. Não se esgota, pois, na indispensável racionalidade.
A razão permite alcançar a realidade, mas precisa contracenar com uma rica experiência espiritual – lacuna na postura de escribas e fariseus. Uma qualificada experiência espiritual fortalece a capacidade de escutar o semelhante. Sem essa escuta, o orgulho preside, a soberba se torna a mandatária dos processos e as próprias convicções são interpretadas como razões absolutas. No reverso da atitude de fariseus e escribas sentados na cátedra de Moisés, está o assentar-se na cátedra da escuta. A cátedra da escuta possibilita a superação de interpretações e atitudes contaminadas em desfavor da fraternidade e do respeito, evitando o risco humano comum, mesmo entre os esclarecidos racionalmente, de ações despóticas e preconceituosas. Exercício indispensável para avançar na capacidade de escutar é dedicar-se à oração interior. A oração interior vai muito além de práticas devocionais. Ajuda o ser humano a melhor compreender o paradoxo divino, em que os primeiros são os últimos, o maior é o menor, tendo especial valor justamente aquele que busca humildemente servir.
Compreende-se que a ocupação da cátedra, na condição de escuta, é o exercício de fazer-se, diariamente, peregrino que busca o puro amor, sem amarguras pelo desmonte de castelos de poder ilusórios, que envolvem mentes e corações com facilidade. Ora, é a partir da cruz que Jesus ensina a maestria do amor maior. A indicação é ir ao Mestre, que ensina a humanidade a buscar a cátedra da escuta, para, assim, conquistar a alegria de servir, verdadeiramente, por amor. Conforme ensinam pelo testemunho os místicos – homens e mulheres que escutam – a capacidade de ouvir o semelhante proporciona a sabedoria de ver todas as coisas na sua verdade, com inteira liberdade interior. Assim, pela escuta, conquista-se autoridade para um falar que tem força educativa e de testemunho. A cátedra da escuta alavanca o dizer que edifica e educa, que se alicerça no amor verdadeiro, promovendo o bem e a justiça. E ocupa a cátedra da escuta quem assume a condição de discípulo, tornando-se mestre, justamente por se reconhecer discípulo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
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