Primavera na Serra

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Primavera na Serra da Piedade é uma canção que brota nos corações dos sensatos – daqueles que cultivam uma sabedoria indispensável: tudo está interligado no cuidado com a casa comum. Erros na relação com o planeta, defraudando o meio ambiente, conduzem sempre, e cada vez mais, a humanidade rumo a prejuízos. Merece, pois, a atenção de todos o canto da primavera na Serra da Piedade, coração de Minas Gerais, onde se encontra a síntese das riquezas do “Estado Diamante”. Desarmonias preocupantes ferem a melodia de exuberantes biomas: Mata Atlântica, Cerrado e Campos Rupestres. Tristemente, as belezas religiosas, paisagísticas e histórico-culturais da Serra da Piedade estão cada vez mais emolduradas em uma lacônica lamentação.

Os mineiros, cada brasileiro e toda a humanidade precisam saber o que está acontecendo: a agressão fere um patrimônio de todos, que precisa ser preservado, pois é preciosa herança que garante equilíbrio à vida humana. As autoridades governamentais, as instâncias judiciárias – toda sociedade – estão convocadas a rever processos, apurar e ajustar interpretações que motivam as decisões e as licenças. É preciso ir além dos interesses minerários estreitos, que enriquecem poucos, iludindo com a oferta de alguns postos de trabalho, enquanto inviabiliza a possibilidade de um bem maior. Os procedimentos minerários em curso na Serra da Piedade merecem ser estudados, com embasamento científico, para que suas consequências desastrosas, em futuro muito próximo, possam ser enxergadas. Nascentes serão afetadas, o indispensável aquífero da região – a água é bem inegociável da humanidade – sofrerá grave degradação.

A agressão à primavera na Serra da Piedade é gravíssima e requer envolvimento, posicionamento e adequada reação da sociedade. A primavera da Serra da Piedade deve inspirar um clamor capaz de incomodar ouvidos e corações para que não sejam repetidos desmandos e manipulações interesseiras a serviço do lucro de poucos, inviabilizando o bem comum. A Arquidiocese de Belo Horizonte, indicando graves e consistentes evidências, apresentou recurso ao Conselho de Política Ambiental (COPAM), órgão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, solicitando a suspensão das licenças concedidas à atividade minerária na Serra da Piedade. É importante destacar no recurso apresentado pela Arquidiocese, o parecer da Agência Nacional de Mineração (ANM), contrário à atividade minerária na Serra da Piedade. O parecer é claro: condena o projeto apresentado pela mineradora.

Ainda assim, os conselheiros do COPAM deram anuência para a exploração predatória do Monumento Natural Estadual Serra da Piedade. Além da condenação da ANM, argumentações fortemente fundamentadas na legislação, que indicam erros no projeto, foram totalmente ignoradas. Essa decisão representa um enorme prejuízo, duro golpe ao meio ambiente e à vida. Trata-se de uma irresponsável e cruel agressão às riquezas da Serra da Piedade – fauna, flora, recursos hídricos e habitantes. A mineração que desconsidera a legislação, o meio ambiente, a vida e o bem comum fere a dignidade humana. É uma exploração predatória que visa apenas o lucro.

A sociedade, com seus segmentos sérios, precisa acolher a convocação para pedir – a partir de gestos, posicionamentos e argumentos – que as decisões e as licenças, favoráveis a interesses oligárquicos, sejam sabiamente revistas por órgãos governamentais e judiciários. Sem essa revisão, as instâncias que favorecem a exploração predatória estarão historicamente marcadas como responsáveis pelo que está ocorrendo na Serra da Piedade. Oportuno sublinhar: se não houver revisão profunda em todo o processo envolvendo a atividade extrativista e as empresas minerárias, se continuará a conviver com tragédias ainda mais cruéis – urgentemente é preciso dar um basta a esta triste realidade de lutos, perdas e muito sofrimento provocados pela ganância.

Há uma verdadeira batalha em curso. De um lado, interesses econômicos poderosos, que buscam a qualquer preço acumular, egoisticamente, mais riquezas. Do outro, os que defendem mais harmonia entre o ser humano e a casa comum, sabedores de que não existe humanidade saudável em um território adoecido, em um planeta doente, conforme bem adverte o Papa Francisco. Corações sensatos defendam o canto da natureza, a primavera na Serra da Piedade.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG) e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

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