O LEGADOS DO PAPA BENTO XVI, FALECIDO NESTE SÁBADO 31 DE DEZEMBRO de 2022

, Destaques

DOM ANTONIO LUIZ CATELAN FERREIRA RECORDA LEGADOS DO PAPA BENTO XVI, FALECIDO NESTE SÁBADO 31 DE DEZEMBRO

O bispo auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro, dom Antonio Luiz Catelan Ferreira, destacou, em entrevista, os vários legados do Papa emérito Bento XVI, falecido aos 95 anos, neste sábado 31 de dezembro de 2022. Ele fala também da possibilidade que teve de encontra-lo várias vezes após a renúncia e da influência em seu ministério.

O teólogo Joseph Ratzinger

Antes do papado, o principal legado é o teológico, somado um legado de colaboração com o pontificado de São João Paulo II. A produção teológica de Joseph Ratzinger, a coleção de artigos, livros e conferências, soma 16 volumes em alemão de suas obras completas. No total, são 21 volumes, com média entre 700 e 800 páginas. “Só considerando o volume da publicação ele fica, de alguma maneira, associado aos grandes teólogos da história”, afirma o bispo.

E o conteúdo dessas publicações abrange vários aspectos da Teologia. Segundo dom Catelan, os grandes temas dele giram em torno de Santo Agostinho, São Boaventura e o Concílio Vaticano II, principalmente a eclesiologia. “Embora ele tenha sido professor mais de teologia fundamental, a eclesiologia é um grande destaque e, por fim, a grande obra dele, em três volumes, que é “Jesus de Nazaré“, no âmbito da Cristologia”.

“Marcas muito importantes e deixam um legado teológico de grande envergadura. Ele é, dos teólogos do Século XX e do Século XXI, considerado entre os maiores. Ele se põe num nível de Santo Agostinho, Santo Tomás. Ele tem aspectos verdadeiramente inovadores na teologia dele”, afirma o bispo.

Colaboração na Santa Sé

A partir de 1981, foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a convite do Papa João Paulo II. Ali, segundo dom Antonio Catelan, o cardeal Ratzinger sempre tomou dois cuidados na condução da congregação. Um em utilizar o método que hoje é chamado de ‘método sinodal’, “que são coisas decidas em plenário, em reunião, textos que têm natureza coletiva”. E o outro era de que as publicações da Congregação para a Doutrina da Fé não exprimissem a teologia pessoal dele, mas exprimissem oficialmente a convicção do organismo, da Congregação.

“Exemplo são as duas instruções que assinou sobre a Teologia da Libertação, ali não são artigos dele, são parte do magistério de São João Paulo II”, reforça o bispo.  

Continuidade como Papa

Eleito Papa em 19 de abril de 2005, para suceder a João Paulo II, teve como um dos legados a continuidade. Foi “uma Papa de reforma, na continuidade”, afirmou dom Catelan. “A continuidade com questões do pontificado de São João Paulo II é bem clara”, segundo o bispo, como, por exemplo, o tema da santidade e o combate à violência sexual contra menores, temática sobre a qual “Ratzinger se mostrava insatisfeito com a legislação vigente, colaborou para promover um início de modificação da legislação, ainda no pontificado de São João Paulo II e depois ele mesmo promoveu mudanças extremamente significativas”.

Mas o grande tema do pontificado de Bento XVI é o tema do encontro com Cristo, ressalta dom Catelan.

“O número 1 da sua primeira encíclica, Deus Caritas est, que no início do tornar-se cristão, do ser cristão, não existe um conjunto de normas, de regras ou de princípios abstratos, teóricos. O que existe é um acontecimento, uma pessoa, Jesus Cristo. Inclusive Papa Francisco cita esse número muitas vezes. E no grande documento do magistério de Francisco que é Evangelii Gaudium ele não apenas cita, mas comenta”, destaca.

Inclusive, há uma continuidade desse tema no pontificado de Francisco. “O Querigma (anúncio de Jesus Cristo e convite ao encontro) está presente em todos os documentos de Francisco. Todas as questões sociais do pontificado de Francisco são enfocadas a partir desse tema. Nesse ponto, verdadeira continuidade entre magistério de Bento e de Francisco. Com sensibilidades diferentes, com estilos diferentes, histórias, trajetórias pessoais diferentes, mas a essência aqui, tanto do pontificado de Francisco quanto de Bento é o tema do encontro com Cristo e da partilha da alegria que esse encontro produz”, afirma dom Antonio.

Ainda como Papa, Bento XVI visitou o Brasil, em 2007, para participar da V Conferência do Episcopado Latino Americano e Caribenho, em Aparecida (SP). Naquela ocasião, abordou também o tema do encontro com Cristo, que foi marcante no Documento ainda atual para a Igreja e cujo coordenador da equipe de redação foi o cardeal Bergoglio, hoje Papa Francisco.

“O documento de Aparecida se baseia fundamentalmente no magistério de Bento XVI para essa temática”, observa dom Antônio Catelan.

 

 

Relação com o Papa Francisco

Perguntado sobre a relação com o Papa Francisco, de quem sempre recebeu um tratamento de carinho e respeito fraterno e até filial, dom Antonio Catelan lamenta a abordagem da figura de Bento XVI pela mídia.

“Primeiramente, a respeito da imagem de Ratzinger, Bento XVI, na mídia Internacional, sempre foi mais uma caricatura do que uma imagem real da pessoa dele: uma imagem de uma pessoa intransigente, a imagem de uma pessoa fechada, de uma pessoa dura, de uma pessoa, às vezes até agressiva, chamavam-no de “cardeal tanque de guerra”. Sobretudo porque tem posições contrárias a uma agenda mais liberal. As posições dele a respeito do aborto, as posições dele a respeito do papel da religião explícita dentro de processos democráticos”, lembrou.

E continua:

“E o filme “Os 2 papas” não fez, se não, cristalizar esse clichê. ‘Os 2 papas’, quem os conhece de perto, não correspondem às duas imagens que o filme apresenta. O filme é sobre os clichês, não é sobre as pessoas. Mas terminou, de um certo modo, muitas pessoas ficaram entusiasmadas com o filme e tomam aquelas duas imagens como, mas quem conhece Bento sabe, por exemplo, que ele não levanta a voz, que quando reuniões que ele dirigia se tornavam tensas, ele resenhava as várias posições que se chegou até aquele momento e encerrava a reunião dizendo ‘Agora, com base nisso, e as posições que aqui se manifestaram, nós vamos refletir, vamos nos reunir novamente em outra ocasião’, e então ele evitava que as situações degenerassem em conflito. […]Então, até não sei nem como qualificar, como é que pode uma pessoa tão doce no trato, tão afável no trato, terminar tendo a imagem pública caracterizada como alguém duro”.

Renúncia e o sustento à Igreja no silêncio

Para Catelan, a renúncia foi um gesto de muita grandeza. “Não é fácil uma pessoa renunciar uma função vitalícia. Não é algo simples, sobretudo depois de São João Paulo II que deu aos últimos anos do pontificado, onde ele estava muito reduzido na sua atuação pessoal, aquele significado espiritual, místico, de comunhão na Cruz com Cristo. Então, Bento, ao tomar essa decisão, ele sabia que seria comparado a São João Paulo II e que não seria simples de ser compreendido”.

“Mas é exatamente um gesto de uma grande pessoa que sabe que havia necessidade de alguém com mais vigor do que ele dispunha naquele momento para enfrentar as tarefas que aquele Ministério implicava”, analisou.

E Bento XVI escolheu o silêncio. Dom Antonio Luiz Catelan lembra que poucas vezes ele veio a público depois da renúncia para abordar algum tema, mesmo tendo o Papa Francisco o deixado livre para que ele pudesse dar conferências e realizar suas atividades. “Mesmo em pontos em que, por exemplo, a opinião de ambos poderia ser um pouco diferente, eu nem saberia citar exemplos aqui […] em que a opinião de ambos seja tão diferente assim, mas nunca houve conflito pessoal entre eles de modo nenhum”, comenta.

“Bento sempre foi respeitoso com o Ministério de Francisco, prestou sempre a devida obediência de um fiel ao Papa, e Papa Francisco sempre valorizou a posição orante de Bento XVI. E ainda nessa última fala, comentou que Bento ajuda a sustentar a igreja com sua oração. A oração de intercessão que é tão querida pelo Papa Francisco e que ele em várias ocasiões ele recomenda que pratiquemos a oração de intercessão. É um verdadeiro marco da dimensão contemplativa da Igreja, da dimensão orante da Igreja que Bento XVI, por quase 10 anos, de dimensão contemplativa, do exercício da sua função de Papa emérito, evidentemente”.

Proximidade e inspiração

Assessor da CNBB por vários anos e também com colaborações na cúria romana, dom Catelan tem proximidade com Bento XVI e nutre grande admiração pelo Papa emérito.

“Nesse período do emeritato dele, eu tive a oportunidade de me encontrar por 12 vezes com ele. Algumas vezes, assim, para oração, para o Terço, ou logo após o Terço para um diálogo; tive possibilidade de concelebrar com ele a Santa missa. Então, eu conto isso como uma graça de Deus na minha vida, essa possibilidade que eu tive. Mas de conhecê-lo de perto e de ser conhecido por ele, porque quando eu chegava ali, se lembrava de mim e perguntava de coisas bem específicas daqui, então é uma grande graça”, conta.

O último encontro com Bento XVI foi em 2021: “foi em dezembro do ano passado, no dia de Nossa Senhora de Guadalupe, e ele lembrou disso, que era o dia de Nossa Senhora de Guadalupe. Eu já estava eleito bispo, não estava ainda ordenado e ele me presenteou com a Cruz peitoral dele, que eu uso em ocasiões mais solenes, com grande alegria”.

Sobre a contribuição para o ministério, ele destaca a teológica, da espiritualidade e para o ministério. Do ponto de vista teológico, a contribuição de Ratzinger para Catelan “é de primeira grandeza”.

“É o autor mais inspirador para mim. Inclusive, na PUC do Rio, onde eu sou bispo auxiliar e continuo como professor na PUC-Rio, tem uma Cátedra que foi fundada em 2012, a Cátedra Joseph Ratzinger, que eu presido e desenvolvo atividades, pois eu secretario a sociedade Ratzinger do Brasil, que é presidida por dom Odilo [Scherer], e o vice-presidente é dom Jaime Spengler, o primeiro vice-presidente da CNBB”.

No campo da espiritualidade:

“O estilo de Papa de Bento, o seu modo – também o modo de Papa Francisco – presidir a Eucaristia, com sumo respeito, presidindo a Santa Missa seguindo com fidelidade todas as rubricas, o modo de celebrar consciente de que se trata de um encontro com Cristo e de que quem preside está servindo a uma comunidade para que viva também esse encontro vivo com Cristo ali presente, está no meio de nós como nós dizemos aqui no Brasil, pelo menos três vezes durante cada missa. Então, tudo isso, no estilo de Bento XVI, é para mim, pessoalmente, uma referência”.

No ministério:

“E para o meu Ministério presbiteral e agora episcopal também, eu peço sempre a Deus a graça de que, no centro do Ministério e explicitamente, esteja esse apelo ao encontro com Cristo e a transmissão da fé”.(CNBB)

Deixe uma resposta