Lados e opções

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A definição de lados e opções determina a composição de tecidos socioculturais, religiosos e político-econômicos. As sociedades e as suas instituições são impactadas por essas escolhas. Inevitavelmente, assumir determinada perspectiva constitui-se fenômeno ideológico-social: sobre as diferentes opções que existem, pesa o desafio de romper com uma barreira interpretativa para reconhecer que cada lado é apenas parte de um todo. Não se pode, pois, dispensar o recurso hermenêutico da circularidade que é imprescindível para melhor compreender a realidade. Frequentemente ocorre – é fácil de se constatar – uma espécie de preguiça no exercício dessa circularidade interpretativa. Consequentemente, há carência de ajustada compreensão sobre o impacto de possíveis escolhas ou rumos. Quando se exercita o olhar hermenêutico, são transformadas as feições da dimensão existencial do ser humano – os motivos que levam pessoas a se apaixonarem por determinado tipo de ideologia são reconhecidos.

No âmbito mais profundo do processo que leva à adoção de uma perspectiva específica, instala-se, curiosamente, a argumentação acusatória de uma ideologia sobre a outra. Aquele que acusa abraça-se à convicção de que ideológica é somente a posição do outro, com quem se estabelece relação de discordância. Assim, não se avança na construção de entendimentos. Sem tratamento adequado, as ideologias geram cristalizações que inviabilizam diálogos e, consequentemente, a conciliação. O exercício da cidadania, o bem comum e a própria verdade são prejudicados. Opções assumidas, a partir da liberdade de cada pessoa, podem levar a absurdos, quando as escolhas são feitas sem a capacidade para fazer adequadas interpretações. Alimentam paixões que cegam a racionalidade, disseminam proposições que permitem negociar até o que é indispensável ao exercício da cidadania.

Pessoas que estão em um determinado lado no que se refere à compreensão da realidade ambiental podem, por exemplo, acirrar as suas posições e impulsionar entendimentos legislativos para promover a anulação de conquistas cidadãs de uma Carta Magna. Há muitos outros riscos, com incidências nas relações pessoais e na sociedade. Esse conjunto de relações e o contexto social precisam, pois, estar ancorados na justiça e em uma dinâmica que desinstale as pessoas de suas “zonas de conforto” – ninguém pode simplesmente se acomodar cegamente em um determinado lado, sem cultivar uma perspectiva crítica. A carência de uma interpretação hermenêutica da realidade é fenômeno limitador que alcança opções políticas, religiosas, culturais e relacionais. Os danos para a sociedade são enormes, inviabilizando a construção de respostas novas para os problemas contemporâneos. A superação de equívocos interpretativos criados pela adoção cega de um determinado lado pode qualificar a capacidade de escuta e favorecer o diálogo. Torna-se, desse modo, um caminho para construir entendimentos renovados, enxergar adequadas opções, ampliando horizontes na solução de desafios urgentes.

Compreende-se que os mecanismos envolvidos na formulação de perspectivas são determinantes para o rumo de instituições e sociedades. Por isso mesmo, a arquitetura envolvida na adoção de determinada opção deve ser continuamente aperfeiçoada e, se necessário, substituída. A inflexibilidade dessa arquitetura, ou a sua desconsideração por critérios interesseiros e mesquinhos, pode validar desmandos, negacionismos, incompreensões e insensibilidades que alimentam vergonhosos cenários de desigualdade social. As irracionalidades produzidas pela adoção de uma perspectiva de modo cego, validando opções estreitadas, devem ser vencidas com mais investimento no diálogo, no respeito aos direitos humanos e em uma cidadania alicerçada na fraternidade universal. Os cidadãos estão, pois, cotidianamente desafiados a analisar as suas opções, procurando colocar-se no lugar do outro, principalmente no lugar dos pobres, para ouvir os seus clamores. Essa exigência deve ser compromisso moral, especialmente de quem representa o povo em cargos públicos, nas instâncias judiciárias. Uma determinada opção não pode enrijecer funcionamentos e gerar privilégios, promovendo injustiças e desrespeitos.

Prevaleçam as opções de respeito à vida, nos parâmetros da justiça, da verdade e do bem maior. Sejam descartadas as opções estreitadas por escolhas mesquinhas, para que se efetive a fidelidade a um evangelho inegociável, produzindo desdobramentos que impulsionem o respeito às dignidades e aos direitos. É imprescindível a humildade de submeter-se a uma autoavaliação, considerando as próprias opções, para superar a atual luta de interesses que coloca todos contra todos, onde vencer – como diz o Papa Francisco na Carta Encíclica Fratelli Tutti – se torna sinônimo de destruição. É sempre hora de avaliar lados e rever opções, investir em novos rumos, para enfrentar a árdua e lenta marcha capaz de levar a humanidade a um mundo unido e mais justo.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG) e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

 

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