Educar humanistas

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Educar, no sentido de formar, humanistas é desafio urgente das escolas, mas também do ambiente familiar, dos contextos cultural e religioso, envolvendo ainda todas as instituições. E muitos são os indicativos que alertam para a necessidade emergencial de investimentos em processos educativos para a formação de humanistas. A consideração da escassez de líderes, em todos os âmbitos, é um desses indicativos. Sem líderes com competência humana e profissional, paga-se um preço muito alto, com comprometimentos que abrangem a dificuldade para o diálogo e a construção de entendimentos pela paz, levando ao aumento significativo de pequenos e grandes focos de guerras. Ainda que existam muitos lugares para favorecer o diálogo, não se alcança o essencial objetivo de se consolidar a cultura do encontro, um novo humanismo, capaz de superar a indiferença em relação aos pobres e sofridos, os preconceitos e as discriminações.

Com a ausência da cultura do encontro convive-se com um passivo terrível, que leva a retrocessos civilizacionais. A humanidade segue na contramão das possibilidades para se configurar novo tecido social e político, caminho para dar à sociedade um rosto de igualdade e fraternidade. Deve-se, pois, reconhecer as responsabilidades de todos – considerando que cada pessoa tem um papel educativo a desempenhar – investindo em processos formativos para o estabelecimento de adequadas relações interpessoais e sociais. Por isso mesmo, o alto investimento em uma educação “tecnicista”, que desconsidera a riqueza e a complexidade do que verdadeiramente representa a educação técnica, não é suficiente. A formação técnica é indispensável, mas não se trata simplesmente do aprendizado de uma arte, do cultivo de determinada habilidade ou de destreza que uma pessoa desenvolve a partir de suas aptidões.

Para ser completa, a formação técnica deve remeter a um sentido mais profundo do viver humano, garantindo às pessoas competências organizacional e processual para administrar a própria vida. Essas competências são essenciais também para contribuir com o desenvolvimento integral e igualitário da sociedade, meta prioritária a ser alcançada. Assim, o conceito de “técnica” deve se relacionar ao aprendizado de habilidades que vão além de engrenagens e algoritmos de diferentes operações. Essas habilidades vinculam-se à dimensão humana, pois são as pessoas que devem protagonizar os processos de transformação social. Somente o ser humano tem capacidade para reconhecer o sentido de viver, tecer relações sociais, dar rumos novos à sociedade, corrigir descompassos e promover a fraternidade, pelo inigualável princípio da solidariedade. Assim, importante é investir para que todos se tornem especialistas em relacionamento.  

Ser especialista em relacionamento é uma arte, com a sua própria técnica, indispensável para educar humanistas. O ato educativo, para além do domínio de conteúdos vinculados a diferentes áreas do saber, exige adequado desempenho na condição de especialista no relacionamento. Tem razão Santa Tereza de Ávila, doutora da Igreja, quando afirma que ensinar não é teorizar, mas transmitir experiências e compartilhar convicções. No horizonte do caminho árduo de educar humanistas, tarefa da escola formal, da família, das igrejas e instituições todas, não se pode avançar sem compreender e investir em dois princípios: “conhece-te a ti mesmo” e o desenvolvimento da capacidade humana e humanizante para se exercer a reciprocidade.

A recomendação “conhece-te a ti mesmo” deve ser assumida como regra por todos que desejam reconhecer as suas próprias singularidades no conjunto da criação, passo essencial para se desempenhar um papel educativo. Deve-se, pois, buscar reconhecer o que nasce de interrogações fundamentais: quem sou eu? De onde venho e para onde vou? Por que existe o mal? O que existirá depois desta vida? A partir dessa busca pelo autoconhecimento, investir na reciprocidade. O educador é qualificado quando também cultiva a capacidade para estabelecer relações, inspirando em outras pessoas o compromisso com o exercício da reciprocidade, gerando comunhão, fraternidade e solidariedade. Assim, são sustentadas as inovações e as transformações, ao mesmo tempo em que se investe na educação de humanistas por um tempo novo – broto de esperança.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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