Ecoe a voz do amor

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Dia de Natal, deixe ecoar a voz do amor.  O Natal remete a humanidade ao mistério maior, o nascimento de Jesus, estrela luzente no horizonte sombrio deste tempo, quando a humanidade sofre pelo luto, por suas perdas e angústias. Deixar ecoar a voz do amor é convite para experimentar a alegria extraordinária que tomou conta do coração dos pastores de Belém, gente simples e rude, nos limites próprios da vida da roça, capacitando-os para ver e escutar um mistério de amor que estava para além de suas compreensões. Ecos do amor maior rompem com o que é estreito e iluminam uma compreensão que jamais a acuidade da ciência pode permitir alcançar. Essa compreensão nasce da experiência de se buscar Deus, a fonte inesgotável do amor, do amor verdadeiro e duradouro, comprovadamente indestrutível.

É o amor verdadeiro e duradouro que alicerça a verdade, convence sobre a importância de se dedicar ao bem, inspira convictamente o exercício da solidariedade, a busca por justiça, causando inquietação diante de preconceitos e discriminações. Do amor vem a força para multiplicar multidões de obreiros da paz, promotores da justiça e empreendedores de uma lógica nova nos funcionamentos da sociedade. O convite para deixar ecoar a voz do amor não é empreendimento humano. Sozinha, a humanidade não consegue alcançar uma realização dessa magnitude. A obra é de Deus, a fonte do amor, Deus é amor.

O divino convite para que ecoe a voz do amor se revela no mistério da celebração do Natal do Senhor, o Verbo que se faz carne e põe sua morada no chão da humanidade. A humanidade é convidada a escutar a voz do amor. E só a Palavra, Cristo, Verbo encarnado, é a voz do amor. Aceitar este convite significa acolher Cristo. Requer um despir-se de pretensões orgulhosas para cultivar simplicidade, em tudo, e deixar-se guiar pela força de uma beleza reveladora, com força de transformação. Essa beleza capaz de transformar cada pessoa só pode ser alcançada a partir da intervenção de Deus. E a escuta da voz do amor requer silêncios para apurar percepções e aprofundar a interioridade – tudo renovando a partir do amor.

A celebração do Natal se repete a cada ano, na singularidade da liturgia, na celebração confessional da fé, a partir de práticas que fecundam a vivência deste momento. No atual contexto, de uma humanidade mais sofrida, afligida por uma pandemia, fechada sobre si mesma, nos seus cálculos egoístas e mesquinhos que geram milhões de excluídos, fome e miséria – uma sociedade temperada pelo insosso da indiferença – o Natal traz forte interpelação: deixe ecoar a voz do amor. Um apelo dramático, na hora última de um ano com perdas irreparáveis. Acolher a convocação do Natal é sonhar com uma humanidade nova, uma sociedade solidária. Por isso mesmo, a celebração do Nascimento de Jesus não pode ser vivida sem que se deixe ecoar a voz do amor. E a sociedade deve vencer o seu despreparo para escutar essa voz.

Do silenciar-se para ouvir, sabe-se pouco. A superficialidade de gestos e reflexões empurra o ser humano na direção de algazarras que ferem a contemplação, criando o perigo de aglomerações que ameaçam a saúde, a escuta, o encantamento. Natal é tempo por excelência para fomentar o encantamento que possibilita o reencontro do belo que transforma, devolvendo sentido à vida, fazendo brotar, como nascente, a força de uma verdade libertadora que somente se revela no encontro com o amor maior.

O Natal oferece uma possibilidade para que a civilização aprisionada, mesmo com tantos progressos científicos, possa avançar.  Mas há, lamentavelmente, os que insistem em entender que o Natal é simples expressão poética, sem se aprofundar no seu genuíno sentido. Outros muitos, orgulhosos, permanecem encastelados no que julgam ser sabedoria, mas, na verdade, se resume a considerações inócuas e sem força transformadora. Ainda mais perigoso é o horizonte construído por confissões religiosas que incentivam práticas desalmadas, lugar de perversidades, apropriando-se de certos valores e princípios para deturpá-los, em busca de vantagem política e econômica. Por tudo isso, a humanidade continua a padecer com tristes situações, que incluem as desigualdades sociais vergonhosas e as depredações mesquinhas da natureza.

Sem a genuína celebração do Natal, a interioridade humana poderá ser povoada por insatisfações e pela ausência de sentidos que levam a situações graves – à falta de lucidez e, em casos extremos, à desistência da vida. A edificação de um novo tempo, contemplando solidariamente as dores da humanidade, sensibilizando-se ante os clamores dos pobres, sonhando com um mundo melhor, mais justo e fraterno, só será possível se a celebração do Natal for vivida de modo pleno: experiência simples de deixar ecoar no coração a voz de Deus, a voz do amor.

 Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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