Traçar sendas de paz

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O Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano, aponta importante e urgente meta, luz luminosa para dissipar as sombras deste tempo: a tarefa cidadã de traçar sendas de paz. Essa missão, quando assumida, deve considerar que não é possível traçar sendas de paz isoladamente: “Ninguém pode salvar-se sozinho”, eis uma simples e significativa indicação do Papa Francisco, um forte conselho sapiencial. São muitos os desafios que, para serem superados, exigem a união de todos. Um exemplo é a pandemia da Covid-19 que desestabilizou a vida cotidiana, transtornando planos e hábitos. Nas palavras do Papa, a pandemia “precipitou a vida de todos no coração da noite”. Nessa correnteza de desafios inesperados e exigentes, com consequências evidentes, está o recrudescimento das polarizações, especialmente no cenário político.

Verifica-se uma cristalização dos pontos de vista sobre a realidade que comprovadamente levam à falta de consenso sobre a eleição de prioridades. Assim, são acirrados ódios, alimentados por notícias falsas, dolosas. Esses transtornos fazem com que muitos busquem nas escolhas político-partidárias um “porto seguro”, o que agrava, ainda mais, as polarizações. São estabelecidas divisões até mesmo dentro das famílias, consolidando entendimentos equivocados, responsáveis pelos fanatismos, medos, preconceitos e atentados contra a jovem democracia brasileira. Essas divisões fazem proliferar um mal-estar generalizado, comprometendo laços, ferindo o tecido cultural da sociedade. Cresce, consequentemente, a incapacidade para construir riquezas a partir das diferenças. Com isso, permanecem expostas outras graves feridas da ordem social. Dentre essas feridas, não há adequado tratamento para o mapa sombrio da fome na sociedade brasileira.

Por isso, torna-se indispensável a adoção de procedimentos complexos para enfrentar os muitos problemas que ameaçam o planeta e, especialmente, a sociedade brasileira. Situações graves que apontam a necessidade de um novo despertar social, capaz de inspirar o agir colaborativo, condição para que sejam encontradas respostas novas que levem ao desenvolvimento integral. Considerando especificamente a sociedade brasileira, neste momento, é preciso enfrentar a disseminação crescente do ódio que está desconsiderando valores importantes, inclusive a civilidade, que é essencial para a convivência harmônica entre os seres humanos. Tornam-se cada vez mais frequentes as barbáries, as atitudes preconceituosas, os juízos equivocados sobre situações e pessoas.

Há uma sombra que envolve o coração de muitos e leva à confusão mental, desencadeando conclusões equivocadas, prejuízos de todo tipo. Aqueles que são dominados por essa sombra se tornam facilmente manipuláveis, contaminados por um medo paralisante.

No caminho das polarizações, onde tudo vira motivo para embates, os sentimentos de derrota e de amargura ganham mais espaço e são fortemente temperados pelo ódio, particularmente quando se considera o contexto político. Dentre as consequências dessa situação está a mistura indevida e perigosa da fé com o que é específico do campo partidário, desvirtuando-a. E a fé, quando desvirtuada, pode até mesmo perder a sua força, que é indispensável para a iluminação do ser humano. Ora, os graves problemas sociais não serão vencidos por grupos ou indivíduos que agem isoladamente, estabelecendo confrontos violentos com aqueles de pensamento e convicções divergentes. Quando o Papa Francisco diz que ninguém se salva sozinho, ensina que o ser humano não pode se isolar, inclusive nos aprisionamentos ideológicos que destroem a possibilidade de diálogo entre diferentes.

A compreensão de que ninguém se salva sozinho, indicador inquestionável para se conseguir traçar sendas de paz na sociedade, diz respeito à interdependência entre os seres humanos, uns precisando dos outros. Por isso, há de se trabalhar na promoção coletiva de valores universais que delineiam o caminho para conquistas civilizatórias.  Buscar a fraternidade, além de empreender a desintoxicação idólatra e individualista é cuidar da regência de entendimentos e dos relacionamentos.  Justiça, concórdia e paz são bandeiras a serem erguidas e defendidas por todos os cidadãos, com coragem e profundo sentido de altruísmo. Desconsiderar essas prioridades é contribuir para efetivar nefastas consequências, como os atentados à democracia, o acirramento das disputas entre segmentos da sociedade, entre pessoas, com a produção do caos que cresce na ausência do respeito ao próximo. Também são impactadas as instituições que precisam ser fortalecidas, para dar conta de adequadamente oferecer seus serviços essenciais à sociedade.

O Papa Francisco sublinha que é urgente colocar sempre em primeiro lugar a palavra “juntos”. Juntos, somente juntos, poderemos avançar na construção da paz, na garantia da justiça, pelo respeito à ética e às normas, conquistando uma nova ordem social e político-econômica. Os protagonistas dessa mudança esperada serão aqueles que não se deixam contaminar pelo ódio, não são seus disseminadores, nem cultivam ressentimentos. Invista-se sempre, e cada vez mais, na missão de traçar sendas de paz, acolhendo a lição do Papa Francisco: “Ninguém pode se salvar sozinho, todos no mesmo barco”.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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