Silvonei José: uma ponte entre Pedro e a Igreja

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“Trabalhamos como ponte entre o magistério de Pedro e a realidade das igrejas locais”

Em mais um dia de Redação A12 ao vivo especial para a 57ª Assembleia Geral da CNBB, o jornalista Eduardo Gois recebe Silvonei José Protz, locutor da Rádio Vaticano, para partilhar seu testemunho, suas experiências de carreira no rádio, sua vida em Roma e a relação com os Papas.

A Rádio Aparecida e o “Corredor da Fé”

Silvonei, que é “a voz em português do Vaticano”, conta como iniciou sua carreira no rádio:

“Eu vim, em 1983, fazer um estágio na Rádio Aparecida, porque já trabalhava em rádio na minha diocese (Guarapuava/PR) que, naquele período, estava iniciando o FM, mas nós não sabíamos muito bem o que era aquilo. Depois de duas semanas, voltei para o Paraná e, na semana seguinte, o Padre Ronoaldo Pelaquin me ligou, perguntando se eu gostaria de trabalhar aqui em Aparecida. Então voltei, para falar com o Padre Antonio César Moreira Miguel, Padre Valdir e Padre Pelaquin, e acabei ficando mais de três anos aqui em Aparecida”.

“A Rádio Aparecida foi minha universidade, uma grande escola. Tínhamos grandes comunicadores, grandes profissionais. E eu tinha 19 anos; fui como uma esponja, bebendo daqui, tentando assimilar da melhor maneira possível, tudo aquilo que eles, ao longo da experiência de vida, tinham e me passaram. E isso foi bom, porque éramos uma grande família. E aquele corredor, que hoje tive a alegria de passar, todo branco, não era branco. A gente chamava de “corredor da fé”, porque a gente passava ali tantas vezes por dia e se encontrava no corredor. Que coisa bonita era contar sobre o final de semana, o que fez, o que ia fazer, a semana que estava começando… Era um entusiasmo tão grande! Eu me sentia dentro de uma grande família”, recordou ele.

Vida no Vaticano

Em seguida, Silvonei contou como chegou ao Vaticano. “Depois, fui embora, morar no Rio de Janeiro e, depois, em Pato Branco (PR). Fui para a TV Sudoeste, que era uma afiliada da TV Manchete. De lá, fui a Roma para fazer um curso de marketing. E lá, dois dias antes do meu aniversário, quem encontro? Padre Pelaquin, que estava fazendo um curso de cinema. Foi uma alegria muito grande passar meu aniversário fora de Roma, ainda mais com um grandíssimo amigo como é o Padre Pelaquin. Quando voltei de Roma, alguns meses depois, Padre Ronoaldo me ligou e disse: ‘Estou assumindo a Rádio Vaticano e gostaria de saber se você quer trabalhar comigo’. Mas eram muitos os planos que eu tinha. Aceitei por seis meses. Pensei: ‘Seis meses de experiência seriam interessantes’. E esses seis meses se tornaram trinta anos, graças ao Padre Ronoaldo Pelaquin”, comemorou.

Sobre seu dia a dia vivendo em outro país, precisamente no Vaticano, Silvonei diz que, no primeiro impacto ao se chegar em uma nova realidade, por mais que seja muito próxima à nossa identidade cultural, ali você se transforma. A gente sabe que o italiano tem uma cultura muito forte, no falar, no agir, no comer… Para entrar numa nova cultura, você tem que entrar pela porta da língua. A primeira coisa é aprender a língua, saber o que dizer. A única coisa que sabia era “mangiare” (comer, em italiano). Eu sabia um pouco de francês, inglês e espanhol, mas o italiano não, porque nunca havia tido a menor pretensão ou ideia de morar na Itália. E isso veio depois, ‘a cavalo’, né? Então, os meus primeiros três meses em Roma foram de dor de cabeça, porque eu queria aprender a língua, me comunicar, interagir com as pessoas que estavam ao meu lado. Eu estudava dia e noite e, depois desses três meses, eu posso dizer que estava me comunicando com os italianos. Inclusive essa gestualidade vem deles. Eles falam com a boca, mas a gestualidade do corpo é muito forte”, observou.

“Então, ali começa a minha aventura italiana, através da língua, a porta de entrada da cultura. E eles têm uma cultura milenar, é muita coisa pra gente aprender. Quem estudou História sabe de toda aquela coisa do Império Romano, do período Medieval, do Renascimento… Tudo isso ligado também um pouco à nossa fé; sabemos da presença (dos católicos em Roma) desde Pedro a Francisco. É uma continuidade de quase dois mil anos – e isso nos dá também uma alegria muito grande. Morar em Roma tem essa especificidade. Para quem gosta um pouquinho de História, do que é memória, Roma é um museu a céu aberto. Então esta foi a primeira coisa: entrar no mundo da cultura italiana”, concluiu.

Aquela, segundo Silvonei, era hora de recomeçar e fazer um jornalismo diferente. “Vamos tratar dos argumentos que dizem respeito à minha comunidade, pensei. Quando estava aqui (no Brasil), era diferente. Ali, a gente ia tratar da palavra do Papa, aí o universo muda. A especificidade da Rádio Vaticano, da Vatican News, da TV do Vaticano, do L’Osservatore Romano, é o magistério petrino. Nós trabalhamos como ponte entre o magistério de Pedro e a realidade das igrejas locais. É isso que a gente faz todo santo dia. Isso é importante”, pontuou.

Silvonei prosseguiu: “Depois, era aprender a traduzir isso. Agora não tanto, porque com o Papa Francisco, é muito fácil de trabalhar. Ele é muito ‘terra a terra’. Mas recordamos o Papa Bento XVI, que é de uma alta Teologia e você precisa, muitas vezes, simplificar e traduzir numa linguagem que as pessoas possam absorver. Nosso trabalho era também esse, de levar para as pessoas, da melhor maneira possível, o pensamento do Santo Padre.

Nossa especificidade é o magistério petrino. Mas junto com ele, temos também a atuação da Santa Sé no mundo inteiro e a própria igreja local, que acontece no mundo inteiro, dentro das igrejas. E nós temos uma ligação muito grande com a nossa Igreja no Brasil através da CNBB, através dos nossos bispos, que estão sempre em contato com a gente. Pelo fato de estarmos longe, não temos essa capacidade, mas os nossos líderes religiosos, nossos pastores, podem nos traduzir aquilo que acontece dentro da nossa realidade brasileira”, explicou.

Eduardo Gois – JS
Eduardo Gois - JS

Tês papas, três carismas, uma só mensagem

Sobre o relacionamento com os papas, Silvonei comenta sobre a alegria de ter trabalhado com três: João Paulo II, Bento XVI e Francisco. “Três personalidades, três figuras diferentes da nossa história, três carismas diferentes, mas com uma ferramenta impressionante”, frisou.

“Com João Paulo II, muitas pessoas cresceram com ele. Quem tem menos de 30 anos só conheceu a ele. Foram mais de 27 anos de pontificado. Ele foi um pai, um avô, um irmão, um amigo, um papa que sai do Vaticano e vai confirmar os irmãos na fé. João Paulo II nos ensinou a rezar, ensinou o valor da oração, o valor do parar diante do Santíssimo, o valor que se tem diante dessa imensidão, desse mistério.

Bento XVI, com toda a sua intelectualidade, nos questionou o que significa ‘ser católico’. Católico de nome, católico de qualidade, de pertença à Igreja. É a grande indagação que nos traz Bento. Não como números, mas na qualidade de vida que temos como seguidores de Jesus.

E agora nós temos Francisco, que nos tirou de nossa zona de conforto. Quando ele diz que basta de museu, de sofá, de armário, todas essas categorias de ‘católicos’, de pessoas que se fecham em sua zona de conforto e não saem ao confronto da vida. É, primeiro de tudo, a Igreja em saída. Não significa só sair da igreja e depois voltar. Significa viver como povo de Deus, que é a essência da nossa igreja, a partir do Concílio Vaticano II. Todos nós somos povo de Deus e temos essa grande responsabilidade. Papa Francisco nos dá isso: ele não fala tanto, como faz tanto. A gestualidade dele é que arrasta. Pode ser que você não entenda muito o que ele diz, mas o que ele faz, sim. É uma linguagem muito coloquial e simples”, analisou.

Vatican News: um desejo do Papa

Sobre a criação da Vatican News, há quatro anos, Silvonei contou que a proposta surgiu a partir de um desejo do Papa Francisco, de unir todos os elementos de comunicação do Vaticano – Rádio Vaticano, Centro Televisivo, Sala de Imprensa, L’Osservatore Romano, Livraria e Editora Vaticano, Tipografia Vaticano, Serviço Fotográfico e o Vatican.va (site oficial do Vaticano) – “Todos esses elementos fazendo parte de um único meio, porque todos nós falamos do Papa. Então, porque não fazermos tudo isso juntos? Daí surgiu o Secretariado, que agora se tornou Dicastério para a Comunicação“, contou ele.

“A diferença é que nós agora somos um Ministério da Comunicação. Nós temos um prefeito, que agora, com também esta ‘revolução’, é um jornalista leigo, e não um cardeal. (…) É uma nova maneira de ver as coisas, e isso se torna uma realidade muito mais palpável”, completou. Ele ainda contou detalhes sobre sua rotina, as reuniões de pauta, onde, segundo ele, discute-se qual a linha a adotar, “pois sabemos que, infelizmente, escândalos, polêmicas no mundo inteiro surgem e as pessoas nos cobram uma resposta, uma posição quanto a isso”.

O jornalista ainda explicou sobre como é a conduta perante as inúmeras “fake news” sobre o Papa e sobre a Igreja. “Recebemos centenas de e-mails por semana, pedindo confirmação: ‘O papa realmente disse isso?’. É um convite que a gente faz sempre: consulte nossa página. Se o papa falou, está lá. O papa nunca cita nomes, nunca agride ninguém. Então, se você vir alguma coisa nesse sentido, não precisa nem ler. Ele nunca faria isso”.

Dom Orani: homem, missão e pensamento

Por fim, Silvonei falou sobre o seu mais recente livro “O monge que virou cardeal”, uma biografia do Cardeal Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro. “Eu conheço D. Orani há muito tempo, mais ou menos desde 2000. A amizade foi crescendo, ele frequenta minha casa e a gente conversa de tudo. Um dia, num almoço, perguntei a ele por que não fazíamos algo juntos, para contar a história dele. Ele disse que talvez não interessasse às pessoas. Eu disse-lhe que não era o caso de interessar, mas de contar tantas coisas bonitas, que poderiam ajudar as pessoas. Fomos conversando e, a certa altura, ele disse: ‘Por que não?’. E isso foi um sim. Quando vim ao Rio, tivemos três encontros e eu resolvi dividir esse livro em 3 partes: o homem – quem é ele -; a missão – o chamado; e, por último, o pensamento– sobre vários assuntos: família, Deus, relacionamento com Nossa Senhora, etc. Tudo isso, então, nos leva a conhecer uma pessoa por outro prisma”, relatou.

“Usamos de uma linguagem bem fácil, para que as pessoas pudessem entrar nessa conversa e apreciar a vida de uma pessoa que dedicou toda sua vida ao outro. A síntese, para mim, de Dom Orani, é de alguém que serve de modo muito humilde, porque o fato de estar vestido de cardeal não significa absolutamente nada. É um pastor que serve e que não cria barreiras; os muros para ele não existem. Ele serve, e pra mim, quem serve tem amor. E agora, com alegria, faço parte também da família da Editora Santuário”, finalizou.

Fonte:Portal A12

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