Rivalizai-vos em atenções

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Este é um conselho antigo e sempre oportuno: “Rivalizai-vos em atenções”. Conselho vindo da escrita do sábio apóstolo Paulo, escrevendo aos Romanos, a partir da preocupação pastoral e espiritual com o relacionamento humano. A dimensão relacional tem importância determinante e incidente no conjunto da vida social e política, bem como no ambiente familiar e profissional. Já aos Gálatas, Paulo escrevia lembrando o mandamento maior – amar ao próximo como a si mesmo. O mandamento maior, sublinha o apóstolo, é a única inspiração correta para não incorrer, conforme diz Paulo, na abominação de morder e devorar uns aos outros. Os seres humanos precisam agir com fidelidade ao mandamento do amor para não se consumirem mutuamente, acentuando o caos que leva a fracassos e prejudica a vida, dom precioso e sagrado que habita cada pessoa. Importa deixar-se guiar pelo Espírito de Deus, o mestre espiritual que ensina o ser humano a “rivalizar-se em atenções recíprocas”.

O apóstolo Paulo focaliza a importância de se investir, com humildade, na mudança da própria mentalidade. Assim, sempre e incondicionalmente, abrir-se ao bem. O apóstolo constrói um itinerário precioso para convencer que esse investimento é dimensão fundamental do verdadeiro culto dedicado a Deus, com consequentes desdobramentos que qualificam a vida, superando circunstâncias que promovem a morte, o terror, a violência e as disputas fratricidas, em razão de rancores e ódios.  Circunstâncias criadas também por convencimentos mesquinhos, quando se busca vencer “a todo custo”, mesmo que a consequência possa significar prejuízos ao bem comum e à sacralidade da vida.  Ao invés dessa perspectiva egoísta, Paulo orienta cada pessoa a não ter sobre si uma ideia muito elevada, mas uma justa estima, para evitar que o orgulho contamine escolhas, posturas e modos de se expressar. Cultivar excessiva estima sobre si mesmo compromete a indispensável humildade, pode levar à mesquinhez, gerar a insolência, motivar vinganças, na contramão do amor fraterno.

Quem guarda excessiva estima sobre si mesmo acha-se no direito de formular argumentos para defender o próprio lado ou partido, mesmo que isto signifique distanciar-se da verdade. Corre, ainda, o risco de gerar comprometimentos que atingem a dignidade do próximo, prejudicando o bem maior, mais importante que o brio individual ou os interesses particulares. Importa decisivamente ter bom senso, não comprometendo, instrui o apóstolo Paulo, a medida da fé que Deus deu a cada um. A compreensão a respeito dessa medida pode ser aprofundada a partir da metáfora do corpo, detalhada pelo apóstolo em alguns de seus escritos. Ele sublinha que todas as pessoas são membros de um só corpo. Cada um exercendo função diferente. Assim, embora muitos, todos, em Cristo, são “um só corpo”, membros uns dos outros, com dons diferentes, prestando serviços. Nenhuma pessoa deve se julgar proprietária desse “corpo”. Reconhecendo-se parte dele, precisa alegrar-se por promover a vida, sem apegos ou disputas, sem se morder e devorar-se uns aos outros.

Ganha sentido e grande alcance, considerados os muitos conflitos que geram prejuízos na contemporaneidade, o conselho precioso “rivalizai-vos em atenções”. Isto não significa, obviamente, dedicar-se a cortesias que são demagogias interesseiras, ou motivadas pelo simples cultivo da boa imagem sobre si. Acolher o conselho do apóstolo Paulo é exercício capaz de qualificar o tecido da cultura contemporânea. Uma urgência ante os muitos cenários – das relações globais às regionais, dos contextos políticos e cidadãos à vida em família – onde a fraternidade está sendo substituída por belicosidades. Gestos violentos e irresponsáveis, falas agressivas, entrincheiramentos e disputas fecham corações e poluem mentes. Consideradas as necessidades de mudança, não basta simplesmente exigir adequadas estratégias governamentais ou eficazes funcionamentos da organização social e política. Há uma responsabilidade determinante e insubstituível de cada cidadão, que precisa rivalizar-se em atenções recíprocas.

Nesse sentido, a Doutrina Social da Igreja Católica, fundamentada no Evangelho de Jesus Cristo, é referência para fecundar práticas transformadoras, com incidência na organização de instituições sociais e, também, na qualificação da subjetividade humana. Dentre os princípios reunidos na Doutrina Social da Igreja está o da igualdade de natureza entre todas as pessoas. Reconhecer essa igualdade debela preconceitos e discriminações, criando condições para a superação das vergonhosas desigualdades sociais. Trata-se de importante passo na direção do humanismo integral, investimento da Igreja Católica, em parceria e interface com outras instituições da sociedade civil.

O investimento no humanismo integral não se efetiva a partir de subjetivismos ou da desconsideração da complexa realidade social, política, cultural e econômica. Ao invés disso, exige esta atitude humanística de cada pessoa:  rivalizar-se em atenções recíprocas, dedicando-se ao próximo, contribuindo para o bem de todos, com a política melhor e com o qualificado exercício da cidadania. Vale a humildade de ser aprendiz da prática de “rivalizar-se em atenções”, para que floresçam solidariedades, diálogos e intuições dos passos novos, impulsionando a recomposição de tecidos sociopolíticos, por uma nova configuração civilizatória.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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