A chegada da primavera nestas terras tropicais pode não transmitir impacto semelhante àquele vivido nas regiões de inverno rigoroso, mas guarda a cadência de uma beleza que se constrói suavemente e se mantém. Essa beleza não sai de cena. Revela-se, em alguns momentos, de modo mais suave. Em outros, mais fortemente, produzindo flores e frutos. Tomada como metáfora, a primavera, estação em que as belezas se revelam com maior força, precisa inspirar o momento atual da sociedade brasileira: é tempo de primaverar a cidadania. Trata-se de uma interpelação a ser acolhida por todos que, assumindo a condição de aprendizes, fecundados pela silenciosa generosidade da Criação de Deus, possam trabalhar pelo desenvolvimento integral, alicerçado em um novo humanismo.
O compromisso com a primavera da cidadania ultrapassa a importante dedicação ao processo eleitoral, à escolha de candidatos. Mas, evidentemente, inclui a responsabilidade de submeter ao crivo de juízo clarividente as escolhas que serão efetivadas nas urnas. Afinal, para além de paixões partidárias, é preciso identificar nomes que possam contribuir para a efetivação da primavera da cidadania. Agora, o convite especial é para reconhecer que a primavera da natureza é uma universidade que possibilita muitos aprendizados. Suas lições convocam à simplicidade que derruba o orgulho e a soberba – alicerces da violência – ao resgate da doçura revelada no sentido intrínseco de generosidade – o bem que se faz ao semelhante. Indispensável é ser aprendiz dessa universidade, para revestir a mente, a razão e o coração com gestos e posturas que possam produzir os frutos da solidariedade universal e da amizade social. Primaverar a cidadania inclui, assim, promover o bem com atitudes, desempenhos, projetos e dinâmicas organizacionais – das realizações mais simples àquelas mais engenhosas e trabalhosas.
A promoção do bem pede que cada pessoa respeite princípios humanísticos e cristãos, para que não sejam perdidos os rumos que levam a reconhecer valores inquestionáveis e inegociáveis. Preciosas referências estão reunidas na Carta Magna que fundamenta o adequado exercício da cidadania brasileira, a Constituição Federal. Chamada de Constituição Cidadã, a Carta Magna inspira a participação ampla da população na busca pelo bem comum, forjando novos entendimentos. A aplicação do que determina a Constituição Federal ainda constitui um horizonte desafiador e buscá-lo é essencial para primaverar a cidadania brasileira. A Carta Magna brasileira pede adequada interpretação, efetiva e destemida aplicação, com força transformadora, por respeito ao bem comum, para impulsionar a justiça, o direito e a verdade, considerando sempre como prioridade os pobres, indefesos e vulneráveis. A adequada interpretação e aplicação da Constituição pede qualificação humanística, desmontando posturas cartoriais e oligárquicas, a partir do compromisso com a igualdade social, em um caminho que merece, urgentemente, a dedicação dos cristãos.
A herança cristã bimilenar disponibiliza indicações, princípios e experiências com força para inspirar o urgente primaverar da cidadania. O apóstolo Paulo, para exemplificar, lembra que os filhos de Deus foram agraciados pela palavra da reconciliação. Em um mundo que precisa de paz, os cristãos testemunham a fé exercendo o serviço da reconciliação, que inclui a promoção do entendimento, do diálogo e da ação sapiencial para corrigir rumos – implementar processos que marcam a sociedade com o sabor do Evangelho. Revisitar a herança cristã é trilhar o caminho da qualificação humanística, articulando saberes – do espiritual ao emocional, para garantir lucidez nas muitas frentes de trabalho e alavancar o bem comum. Uma preciosa indicação de investimento humanístico-espiritual é deixar-se interpelar, sempre, pela Carta Magna do cristianismo: o Sermão da Montanha, narrado por Mateus nos capítulos cinco a sete de seu Evangelho. Uma dinâmica formativa essencial para os cristãos, para todos aqueles que se convencem da necessidade e da urgência de primaverar a cidadania.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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