O próximo Sínodo dos Bispos, este sobre a Amazônia, terá lugar em Roma de 6 a 27 de outubro de 2019, tendo como tema “Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. Examinará questões importantes para “cada pessoa que habita neste planeta”, como escreveu o Papa Francisco na introdução à sua Carta Encíclica Laudato si’ (LS).
Por que é a Amazônia tão importante a ponto de lhe ser dedicado um Sínodo? O que é a “ecologia integral” e quais poderiam ser esses “novos caminhos” para a Igreja? Por fim, em que consiste de facto um Sínodo?[1]
A Amazônia
Algumas informações essenciais acerca da região amazônica:
Tem uma extensão de 7,8 milhões de km2, aproximadamente a mesma dimensão da Austrália.
Inclui áreas do Brasil, Bolívia, Perú, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
Conta com cerca de 33 milhões de habitantes, 3 milhões dos quais são indígenas pertencentes a 390 grupos ou povos diversos.
O seu impacto no ecossistema planetário: a bacia do Rio Amazonas e as florestas tropicais circundantes nutrem o solo e regulam, através da reciclagem da humidade, os ciclos da água, da energia e do carbono a nível planetário.
As comunidades que habitam a região amazônica identificaram os seguintes problemas como questões de importância crucial para o Sínodo, por meio de um amplo processo de consultas[2]:
A criminalização e o assassinato de líderes e ativistas que defendem o território.
A apropriação e a privatização de bens naturais, incluindo a água.
As concessões de abate legal de árvores e o abate ilegal.
As práticas predatórias de caça e pesca, sobretudo nos rios.
Os megaprojetos infraestruturais: concessões hidroelétricas e florestais, abate de árvores para a produção de monoculturas, estradas e ferrovias, projetos mineiros e petrolíferos.
A poluição provocada por toda a indústria extrativa, que causa problemas e doenças, em particular às crianças e jovens.
O narcotráfico.
Os problemas sociais que acompanham com frequência tais situações, como o alcoolismo, a violência contra as mulheres, a exploração sexual, o tráfico de seres humanos, a perda da cultura e identidade originárias (língua, práticas espirituais e costumes) e a condição de pobreza no seu todo, à qual estão condenados os povos da Amazônia.
O Instrumentum Laboris (IL) do Sínodo sublinhou outros elementos cruciais:
A falta de demarcação dos territórios indígenas e a falta de reconhecimento do seu direito à terra. Para a população amazônica, “território” indica a terra como espaço natural e lugar para a realidade humana em toda a sua diversidade, relações e intercâmbios, tanto materiais, como simbólicos ou espirituais. As pessoas e o ecossistema são interdependentes de um modo dinâmico. Para muitas pessoas da Amazônia, o território é também o lugar onde se encontram as suas raízes históricas, onde habitam os espíritos dos seus antepassados, e onde podem experimentar todas as dimensões do buen vivir. Estas conotações do “território” estão em sintonia com a escolha do Papa Francisco do termo “casa” (em “a nossa casa comum”) para descrever a totalidade da relação e da responsabilidade dos seres humanos para com o planeta.
A rápida perda da biodiversidade (extinção de espécies da flora e da fauna).
Em alguns casos, são as próprias populações amazônicas a abusar dos bens naturais (IL 31).
As consequências para o planeta, uma vez que a floresta amazônica representa o “pulmão” vital para a atmosfera global.
A cosmovisão amazônica e a visão cristã do mundo estão ambas em crise, em virtude da imposição do mercantilismo, da secularização, da cultura do descarte e da idolatria do dinheiro (cf. Evangelii gaudium [EG], nn. 54-55). Esta crise afeta em especial os jovens e os contextos urbanos, que perdem a ligação com as raízes da tradição. Por outro lado, as migrações dos últimos anos intensificaram as transformações religiosas e culturais da região. A nova vida das cidades nem sempre favorece sonhos e aspirações, mas muitas vezes desorienta e abre espaços a messianismos de curta duração, desconexos, alienantes e desprovidos de significado (IL 27; 32).
A crise da região amazônica está a chegar ao ponto de não retorno e a Amazônia é agora um dramático novo assunto na ordem do dia. Os problemas gerais respeitantes à vida humana e ao ambiente natural desta região são indiscutíveis. Ambos – vida humana e ambiente – estão a sofrer uma séria e talvez irreversível destruição.
Nos inícios de 2018, o Papa Francisco dirigiu-se aos povos da Amazônia em Puerto Maldonado, no Peru, com estas palavras: “Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora. A Amazônia é uma terra disputada em várias frentes: por um lado, a nova ideologia extrativa e a forte pressão de grandes interesses económicos cuja avidez se centra no petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais; por outro, a ameaça contra os vossos territórios vem da perversão de certas políticas que promovem a «conservação» da natureza sem ter em conta o ser humano, nomeadamente vós irmãos amazônicos que a habitais. Temos conhecimento de movimentos que, em nome da conservação da floresta, se apropriam de grandes extensões da mesma e negoceiam com elas gerando situações de opressão sobre os povos nativos, para quem, assim, o território e os recursos naturais que há nele se tornam inacessíveis. Este problema sufoca os vossos povos, e causa a migração das novas gerações devido à falta de alternativas locais. Devemos romper com o paradigma histórico que considera a Amazônia como uma despensa inesgotável dos Estados, sem ter em conta os seus habitantes”[3].
Este é, por conseguinte, o momento certo para escutar a voz da Amazônia “à luz da fé” (IL 147) e “de responder como Igreja profética e samaritana” (IL 43).
Novos caminhos para uma ecologia integral
O conceito de “ecologia integral” é consentâneo com os problemas e as oportunidades da Amazônia. Ele serve tanto de guia como de objetivo do Sínodo.
A referência ao “cuidado da casa comum” no título da Laudato si’ é significativa: trata-se de uma expressão extraordinária e belíssima. Por outro lado, a noção-chave da encíclica de uma “ecologia integral” não é tão óbvia e poderia não ser de imediato esclarecedora e, menos ainda, estimular à ação.
Todos conhecem mais ou menos o significado da palavra “ecologia”. O adjetivo “integral” dá-lhe um toque provocador, até mesmo desconcertante. “Integral” refere-se habitualmente a uma “totalidade” e à unidade daquele “todo”. Indica que todos os elementos essenciais estão incluídos e presentes – não lhe falta nenhum – e que estes elementos essenciais estão ligados ou juntos. Ao mesmo tempo, “integral” nega a exclusão, a redução ou o isolamento. Este adjetivo é habitualmente entendido em sentido positivo ou meritório. Dá à ideia de ecologia um alcance e um peso maiores.
Na Laudato si’, o Papa Francesco sustenta a tese de que o mundo está confrontado com uma crise de sobrevivência: “Mas, hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS 49). O clamor da terra e o clamor dos pobres constituem um único clamor e a Igreja deve escutá-lo e clamar com eles[4].
Alguns atributos específicos da ecologia integral são:
Uma “ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais” (LS 137), bem como as dimensões naturais e económicas (cf. LS 138).
“A ecologia integral é inseparável da noção de bem comum, princípio este que desempenha um papel central e unificador na ética social” (LS 156); esta “perspectiva ampla” inclui as gerações futuras (cf. LS 159).
“Uma ecologia integral exige que se dedique algum tempo para recuperar a harmonia serena com a criação, refletir sobre o nosso estilo de vida e os nossos ideais, contemplar o Criador, que vive entre nós e naquilo que nos rodeia e cuja presença «não precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada»” (LS 225; EG 71). Isso implica “simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo” (LS 230, invocando Santa Teresa de Lisieux).
A ecologia integral representa uma nova síntese na doutrina social da Igreja. Para compreender esta afirmação, é útil pensar na Rerum Novarum (1891), a encíclica de Leão XIII que é considerada como o ponto de partida do pensamento social católico moderno. Tendo em conta os excessos da primeira revolução industrial, aquele Papa sentia a preocupação que os trabalhadores fossem considerados como coisas, como meras unidades produtivas. Para combater esta distorção, insistia que os trabalhadores fossem tratados como pessoas com direitos e essencialmente conectados na sua dignidade com a família, a comunidade e a espiritualidade.
Sugerimos este paralelo: o Papa Francisco observa os excessos da exploração industrial, a mesquinhez do pensamento tecnocrático, a avareza financeira e consumista e a indiferença social; estes elementos conduzem a uma tremenda desigualdade e a uma marginalização cruel, que sucedem em paralelo com um rápido aquecimento global e a pilhagem da natureza. Em resposta, ele apela a uma nova atitude para com a natureza e o ambiente social. O objetivo do pensamento e da ação da ecologia integral – a nova síntese – seria um cuidado pela nossa casa comum nos seus aspetos materiais (naturais) e sociais necessários. O Instrumentum Laboris do Sínodo caracteriza a ecologia integral como um “paradigma relacional” que proporciona a “articulação fundamental dos vínculos que tornam possível um verdadeiro desenvolvimento humano” (IL 48).
Esta nova síntese é um grito de alerta dirigido ao mundo inteiro, a toda a humanidade. Mas sugere também uma nova orientação sociopastoral e uma nova dinâmica para a Igreja, que deve compreender os desafios enfrentados pelos indivíduos, famílias e grupos no âmbito destas várias dimensões: não podemos proporcionar aconselhamento espiritual e cuidado pastoral se as pessoas forem consideradas em separado (ou seja, de forma não integrada) do modo como vivem e agem, tendo em conta as condições naturais, económicas e sociais com que se deparam.
Apliquemos agora estas ideias à Amazônia.
A Laudato si’ foi publicada em junho de 2015. Nos anos que se seguiram, foram desencadeadas numerosas iniciativas em favor da ecologia integral, muitas inspiradas pela Igreja. Entretanto, de acordo com todos os indicadores, a crise piorou significativamente. O Sínodo sobre a Amazônia é uma tentativa consciente da Igreja de implementar a Laudato si’ neste ambiente humano e natural fundamental.
As circunstâncias específicas da Amazônia requerem “uma opção sincera em prol da defesa da vida, defesa da terra e defesa das culturas”[5], de modo a que a ecologia integral inclua a integração da vida, do território e da cultura (cf. IL 49). “A Igreja não pode deixar de se preocupar pela salvação integral da pessoa humana, o que comporta favorecer a cultura dos povos indígenas, falar de suas exigências vitais, acompanhar os movimentos e reunir as forças para lutar pelos seus direitos” (IL 143).
O Sínodo diz respeito a todas as partes envolvidas: quem se encontra agora na Amazônia; quem está próximo; quem pretende dirigir-se para lá; e o resto do mundo. E, no âmbito dessa perspectiva global, a Igreja está a procurar proporcionar uma liderança que escuta, respeita e quer aprender: “A cultura da Amazônia, que integra os seres humanos com a natureza, se constitui como referente para construir um novo paradigma da ecologia integral” (IL 56).
Novos caminhos para a Igreja
Desde o Concílio Vaticano II, a missão da Igreja no mundo contemporâneo deu muitos frutos, mas nalgumas circunstâncias também fracassou. Foi ainda objeto de um constante debate: um debate em contínua evolução. Reagindo a esta situação, o Papa Francisco reconhece que “a Igreja pode ser tentada a permanecer fechada em si mesma, renunciando à sua missão de anunciar o Evangelho e de tornar presente o Reino de Deus. Pelo contrário, uma Igreja em saída é uma Igreja que se confronta com o pecado [não apenas pessoal, mas também social e estrutural] deste mundo, ao qual ela mesma não é alheia (cf. EG, 20-24)” (IL 100).
Esta Igreja em saída deve oferecer respostas significativas e apropriadas a situações concretas. Em 2013, o Pontífice convidou os bispos do Brasil a reconhecerem a Amazônia como um autêntico “teste decisivo, banco de prova” para a Igreja e a sociedade. A Igreja – disse – é “determinante no futuro daquela área”[6].
Quais são os “novos caminhos, ao longo dos quais a Igreja na Amazônia anunciará o Evangelho de Jesus Cristo durante os próximos anos” (IL 5)?
Os novos caminhos guiam a Igreja para ser não para si mesma, mas para as pessoas, envolvendo-as ativamente enquanto Povo de Deus. Nos últimos anos, a diminuição dos religiosos missionários – homens e mulheres – está a colocar em perigo a presença da Igreja católica entre as populações indígenas da Amazônia. A Conferência de Aparecida teve a coragem de admitir “por um lado, que numerosas pessoas perdem o sentido transcendental de suas vidas e abandonam as práticas religiosas; e, por outro lado, que significativo número de católicos estão abandonando a Igreja para entrar em outros grupos religiosos”[7].
O pontificado de Francisco colocou em evidência o desafio da Amazônia para a Igreja, o que está tendo como resultado uma rápida resposta por parte de diversas congregações religiosas, que estão regressando, se reorganizando e reorientando a sua missão no território. O Sínodo deseja responder ao desafio de Aparecida do relançamento da missão da Igreja na Amazônia com “fidelidade a audácia”[8]. Devemos aceitar a importância da nossa presença neste território muito especial e, ao mesmo tempo, compreender o modo particular pelo qual deve ser evangelizado.
A Igreja adquire um rosto amazônico por meio da participação da grande diversidade de povos que habitam neste território. Não apenas os rostos daqueles que têm aí habitado desde as origens e cuidado dele durante milhares de anos, mas também quantos chegaram depois e lá permaneceram. Estes últimos, muitos dos quais católicos, são especialmente chamados a sentir-se parte da Amazônia, a respeitá-la e a identificar-se com ela.
O Papa Francisco disse-nos em Puerto Maldonado: “Amai esta terra, senti-a vossa. Odorai-a, ouvi-a, maravilhai-vos com ela. Enamorai-vos desta terra […], comprometei-vos a salvaguardá-la, a defendê-la. Não a useis como mero objeto que se pode descartar”[9]. O Sínodo ajudará a que todos – indígenas, moradores dos rios, descendentes de africanos, mestiços, migrantes andinos e habitantes das cidades – assumam a sua identidade amazônica e a encontrar uma estrutura eclesial e estatutos apropriados para os seus específicos requisitos pastorais.
“Novos caminhos para a Igreja” significa também aprofundar o “processo de inculturação” (EG 126) e a interculturalidade (cf. LS 63; 143; 146). Por isso, é importante que os povos originários tornem a Igreja “sua”. Devem ser sujeitos ativos – não apenas o seu objeto – da evangelização, pelo que devem ser eles a levar por diante esse processo de inculturação. Estando ali apenas temporariamente, os missionários devem aceitar um papel secundário e dar prioridade ao protagonismo da comunidade indígena evangelizada.
É um grande e contínuo desafio para a Igreja Católica levar a que as populações indígenas da Amazônia se sintam parte dela e contribuam para ela com a luz de Cristo e a riqueza espiritual que brilha nas suas culturas. Esta atitude decidida da Igreja não impede o diálogo inter-religioso com quem não aceita Jesus Cristo.
O Instrumentum Laboris articula a complexidade do trabalho da Igreja na Amazônia. As grandes distâncias, a diversidade cultural e a escassez de sacerdotes obrigam a Igreja a dar respostas audazes e eficazes. Os Padres Sinodais e os outros participantes terão de responder ao desafio de passar de uma “pastoral de visita” para uma “pastoral de presença” (IL 128).
Para dar este passo importante, é necessária uma concentração nos ministérios e serviços nas comunidades. Por um lado, será uma oportunidade para continuar a implementar o Concílio Vaticano II e explorar as possibilidades que se abrem para os pastores responderem efetivamente às necessidades das suas Igrejas locais. Por outro lado, permanece em aberto ver que inovações pastorais surgirão para assegurar a presença dos sacramentos em cada comunidade. Neste sentido, o ministério da Eucaristia assume particular importância, uma vez que “a Igreja vive da Eucaristia” e “a Eucaristia edifica a Igreja”[10].
Tudo isto requer propostas “audazes” da Igreja na Amazônia, as quais por sua vez pressupõem coragem e paixão, como o Papa Francisco nos pede (cf. IL 106). O Pontífice ofereceu uma série de sugestões para um compromisso corajoso com as condições contemporâneas – de uma maneira específica na Laudato si’, de modo mais amplo na Evangelii Gaudium e na Gaudete et exsultate, e com especial sensibilidade para os desejos humanos na Amoris laetitia. Estes documentos ajudam a esclarecer o que seja pastoral para os líderes eclesiais, os fiéis e outras pessoas na Amazônia.
A grandeza e estabilidade reconfortante do magistério não devem distrair a Igreja de responder a necessidades únicas de uma maneira apropriada. A mesma medida não serve a todos e, nesta região, neste momento, o desafio é o de ser uma Igreja com um rosto amazônico e indígena (cf. IL 107-111; 115-116).
Este é, pois, o objetivo do próximo Sínodo: buscar “novos caminhos para uma Igreja profética na Amazônia” (IL 147) e para a ecologia integral.
Um Sínodo de novos caminhos
Católicos e outros podem ficar surpreendidos com o uso atual do termo “sínodo” por parte da Igreja. Até há pouco, a noção de sínodo era mais familiar para os cristãos de rito oriental; e é o nome de uma estrutura em algumas igrejas cristãs não católicas.
A raiz grega da palavra significa “caminhar juntos”. Desde o início, os discípulos de Jesus percorreram o seu caminho na história, guiados pelo Espírito Santo e conduzidos pelos seus pastores com o primado de Pedro. Em 1965, reconhecendo os benefícios da estreita colaboração entre o Santo Padre e os bispos durante o Concílio Vaticano II, o Papa S. Paulo VI decidiu instituir um “especial conselho permanente de sacros Pastores”, para que a sua “grande abundância de benefícios” pudesse prosseguir[11].
Os Pontífices seguintes fizeram amplo uso dos Sínodos, que se dividem em três categorias: “Assembleia geral ordinária”, para questões relativas à Igreja universal; “Assembleia geral extraordinária”, para questões particularmente urgentes relativas à Igreja universal; e “Assembleia especial”, para questões relativas a um continente ou região específica. O próximo Sínodo para a Amazônia é o décimo primeiro Sínodo da categoria “especial”.
Esta é uma prática em evolução. A instrução mais recente é a Constituição apostólica Episcopalis Communio, promulgada pelo Papa Francisco a 15 de setembro de 2018. Sem alterar o seu estatuto formal de um grupo representativo de bispos que proporcionam assistência consultiva ou deliberativa ao Supremo Pontífice, o Papa Francisco conduziu os Sínodos para virem a ser algo de mais rico do que simplesmente “bispos que caminham juntos”. Cada vez mais, os sínodos estão a tornar-se encontros de todo o Povo de Deus na Igreja.
Uma forma de encorajar os Sínodos a serem mais inclusivos foi a instituição de inquéritos na fase preparatória, que recolhem questões, informações e preocupações dos fiéis leigos e dos religiosos, e não apenas dos bispos. Tais inquéritos foram conduzidos antes dos Sínodos sobre a Família, os Jovens e a Amazônia.
Uma outra forma foi o aumento do número e da variedade de participantes para representar diversos aspetos da questão. Esta foi uma característica relevante do Sínodo sobre os Jovens, em que a partilha da vida quotidiana com os jovens auditores iluminou e influenciou os delegados votantes.
O documento final deste último Sínodo reconhece na experiência sinodal “um fruto do Espírito que não cessa de renovar a Igreja e a chama a praticar a sinodalidade como forma de ser e agir, promovendo a participação de todos os batizados e pessoas de boa vontade, cada qual segundo a própria idade, estado de vida e vocação. Neste Sínodo, experimentamos como a colegialidade, que une os bispos cum Petro et sub Petro na solicitude pelo Povo de Deus, é chamada a articular-se e enriquecer-se através da prática da sinodalidade a todos os níveis”[12].
Todos se tornaram “cientes da importância que uma forma sinodal da Igreja tem para o anúncio e a transmissão da fé. A participação dos jovens contribuiu para «despertar» a sinodalidade, que é uma «dimensão constitutiva da Igreja. (…) Como diz São João Crisóstomo, ˝Igreja e Sínodo são sinónimos˝, pois a Igreja nada mais é do que este ˝caminhar juntos˝ do Rebanho de Deus pelas sendas da história ao encontro de Cristo Senhor» (Francisco, Discurso na comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17/X/2015). A sinodalidade tanto carateriza a vida como a missão da Igreja, que é o Povo de Deus – formado por jovens e idosos, homens e mulheres de toda a cultura e latitude – e o Corpo de Cristo, no qual somos membros uns dos outros, a começar pelas pessoas marginalizadas e oprimidas”[13].
“Tendo em vista também a missão, a Igreja é chamada a assumir uma fisionomia relacional, que coloque no centro a escuta, a hospitalidade, o diálogo e o discernimento comum, num percurso que transforme a vida de quem nele participa. «Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar ˝é mais do que ouvir˝. É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o ˝Espírito da verdade˝ (Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele ˝diz às Igrejas˝ (Ap 2, 7)»”[14].
De facto, a escuta recíproca, o acolhimento, o diálogo, o discernimento comum, o consenso para identificar os caminhos que Deus nos traça como Igreja, o povo de Deus, são elementos fundamentais para “uma Igreja chamada a ser cada vez mais sinodal” (IL 5). São também fundamentais para o difícil caminho de afastamento do clericalismo e de uma ênfase excessiva dada à centralização na Igreja, rumo a uma autêntica subsidiariedade. Uma Igreja que seja cada vez mais sinodal percorrerá caminhos diversos em diferentes regiões e situações, e estará mais à vontade com a variedade, manifestando diferentes características com povos diversos, em vez de prescrever um “tamanho único”.
O IL termina manifestando a esperança de que “este Sínodo seja uma expressão concreta da sinodalidade de uma Igreja em saída, para que a vida plena que Jesus veio trazer ao mundo (cf. Jo 10, 10) chegue a todos, especialmente aos pobres” (IL 147).
Esse Sínodo, esse “caminhar juntos”, não termina com a Missa conclusiva, nem com a apresentação do Documento final ao Papa, nem mesmo com a subsequente Exortação apostólica, que será publicada provavelmente na primeira metade de 2020. Ele apontará para uma possível implementação, por parte do Povo de Deus e de outros, de ações para proteger uma parte específica da grande casa comum em que todos vivemos, bem como de novos caminhos pastorais para a Igreja.
O Sínodo será constituído pelos bispos da Amazônia caminhando juntos uns com os outros, com os habitantes daquelas terras, com os jovens e com o Espírito Santo.
Conclusão
É por isso que, durante o Sínodo de outubro, todo o mundo deveria caminhar com as pessoas da Amazônia – sem pretender alargar ou desviar a sua agenda, mas para ajudar o Sínodo a ter impacto.
A região amazônica é enorme e os seus desafios são imensos. As consequências da sua destruição seriam sentidas em todo o planeta.
Para os povos daquele território, a Amazônia é a sua casa no sentido mais pleno do termo; por isso, “é necessário um trabalho que ajude a ver a Amazônia como uma casa de todos, que merece o cuidado de todos” (IL 129).
Para a terra e a humanidade no seu conjunto, a Amazônia é parte vital da nossa casa comum. Se a Amazônia for ainda mais depredada, a atmosfera poderá tornar-se demasiado contaminada e quente para sustentar a vida.
Os jovens e os ainda não nascidos correm o maior risco nesta crise. Como é que os jovens da Amazônia se poderão unir aos jovens de todo o mundo para se assegurarem de que, enquanto crescem, todos serão capazes de respirar, de viver em plenitude e de transmitir aos seus filhos as condições essenciais para a sua vida?
E como é que a Igreja pode ajudar a encontrar os novos caminhos necessários? “O mundo amazônico pede à Igreja que seja sua aliada” (IL 144).
Notas[1] Os autores agradecem a Hernán Quezada S.I. (México) e Robert Czerny (Canadá) pela ajuda na redação e na revisão do artigo.
[2] Cerca de 87.000 pessoas participaram do processo de consultas. Mais ou menos 22.000 tomaram parte nas Assembleias, Fóruns e Grupos de Debate e pelo menos umas 65.000 outras participaram dos processos preparatórios nos nove países da região amazônica. Foram implicados 90% dos bispos da Amazônia ou os seus vigários. Além disso, algumas Conferências Episcopais realizaram as suas próprias consultas.
[3] FRANCISCO, Encontro com os povos da Amazônia, Puerto Maldonado, 19 de janeiro de 2018.
[4] Cfr T. García, “Hoy la Amazonía se puede sentar en la mesa del Planeta Tierra y alzar su voz”, entrevista a Dom David Martínez de Aguirre, in Religion Digital (https://www.religiondigital.org/non_solum_sed_etiam-_el_blog_de_txenti/Monsenor-Secretario-Especial-Amazonia-Planeta_7_2127757209.html), 3 de junho de 2019.
[5] FRANCISCO, Encontro com os povos da Amazônia, cit.
[6] Id., Encontro com o Episcopado brasileiro, 27 de julho de 2013.
[7] Documento da V Conferência Geral do CELAM, Aparecida (Brasil), 2007.
[8] Ivi.
[9] FRANCISCO, Encontro com a População no Instituto Jorge Basadre (Puerto Maldonado), 19 de janeiro de 2018.
[10] JOÃO PAULO II s., Ecclesia de Eucharistia (2003), n. 1 e cap. II.
[11] PAULO VI s., Apostolica Sollicitudo, Istituzione del Sinodo dei Vescovi per la Chiesa Universale, 15 de setembro de 1965 [traduzido da versão italiana].
[12] SÍNODO DOS BISPOS SOBRE OS JOVENS, Documento Final, 27 de outubro de 2018, 119.
[13] Cfr ivi, 121.
[14] Ivi, 122.
(Fonte: https://www.laciviltacattolica.it/articolo/por-que-a-amazonia-merece-um-sinodo/)
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