O Papa Francisco convoca a Igreja Católica no mundo inteiro, incluindo o convite aos homens e mulheres de boa vontade, à vivência de um dia de jejum e oração pela paz, neste 27 de outubro. Constata-se, tristemente, que o mundo convive com muitos focos de guerra, agravados pelos conflitos no Oriente Médio – a região do Senhor e Príncipe da Paz, Jesus Cristo. A realidade exige um veemente clamor pela paz, que possa ecoar fortemente em diferentes lugares, inclusive na sociedade brasileira. A guerra, seja ela qual for sua proporção, está sempre enraizada em irracionalidades. Cada conflito significa um grande fracasso humanitário, com consequências sempre terríveis. Leva à perda de vidas, mancha histórias com sangue, um verdadeiro retrocesso para a humanidade. Há de se perguntar: mesmo que todos saibam sobre as consequências dos conflitos, com muitos inocentes perdendo a vida, por que não se consegue fazer valer a antífona: não mais guerras, guerras nunca mais?
O coração de quem decide guerrear certamente não é revestido pelo amor. Incontestavelmente, move-se pelo ódio. Por isso, promove conflitos como expressão máxima de disputas políticas, de interesses por riquezas. Um coração que se guia pelo desejo mesquinho de expansão e dominação, movido pela vingança que cega e anula a competência humana para dialogar, alcançar entendimentos e promover a cooperação. Em síntese, um coração incapaz de alcançar o sentido nobre e universal de fraternidade. Sabe-se dos princípios ético-morais da legítima defesa, da soberania de povos e nações. Mas antes de se recorrer à guerra, a efetivação desses princípios deve ser pautada pela nobreza dos diálogos que abrem caminho para o profundo respeito às culturas, aos povos e às nações. Tristemente, a capacidade para dialogar está comprometida com cenários confusos nas relações entre nações. A carência de paz no mundo comprova a fragilidade da política e o distanciamento do sentido de irmandade entre povos. Constata-se o desrespeito e a desconsideração de normas essenciais à harmonia entre nações, não necessariamente por fragilidades de ordenamentos jurídicos, mas, principalmente, por limitações humanas. Uma realidade agravada pela condição humanística rasa de centros de decisão que têm responsabilidade maior na promoção da paz mundial.
Configura-se e consolida-se – trazendo medo, terror e inseguranças – uma cultura que relativiza a importância da vida. Uma cultura que obscurece o entendimento de que a vida é dom sagrado, inviolável, fazendo disseminar perversidade e frieza. As vítimas são, principalmente, os inocentes – crianças, indefesos e todos aqueles que vivem a vida com dignidade e respeito. É urgente cuidar para que o amor tome conta dos corações, dos diálogos e da participação cidadã, para reagir à cultura que relativiza a importância da vida. Compreende-se, assim, o sentido e o alcance da adequada vivência de um Dia de Jejum e Oração pela Paz Mundial, convocação para que todos busquem viver mais amorosamente. A urgência de um “cessar fogo”, de uma sensibilidade para se efetivar “corredores humanitários” e se compadecer com as migrações forçadas, demanda competências que somente serão alcançadas e fortalecidas pela vivência do amor fraterno.
O jejum, dinâmica da espiritualidade cristã, de outras confissões e práticas religiosas, oferece ao ser humano a possibilidade de remeter-se à própria interioridade, para deixar-se interpelar por lógicas indispensáveis aos diálogos. Lógicas emolduradas por princípios éticos essenciais às “mesas de negociações”, às instâncias políticas e judiciárias, nacionais e internacionais, para dar ao mundo um novo rumo, livre das guerras. A necessária competência humanística para construir e promover a paz depende da superação do orgulho e da mesquinhez, que obscurecem os caminhos da humanidade. Jejuar é, pois, exercício com dinâmica corretiva, experiência com força para tocar e curar feridas provocadas pelo orgulho e pela ganância – males que incapacitam o ser humano para a partilha, para o respeito e o perdão. Jejum é remédio que promove, pela simplicidade de sua prática e pela força própria de sua dinâmica, a cura para todo tipo de presunção. Tem força para desobstruir os canais obstruídos pela insensatez e pela indiferença em relação aos pobres.
A oração é a nobre prática espiritual de tomar a própria vida, contextualizando-a no amplo conjunto de todas as vidas, para colocá-la diante de Deus. Uma experiência que leva ao reconhecimento de si mesmo na condição de criatura, demovendo-se da perigosa pretensão humana de se achar o centro de tudo. Essa pretensão é que alimenta exercícios perversos do poder, a arrogância de quem se julga no direito de ameaçar vidas, de agir a partir de irracionalidades e de ódios. A dinâmica diária da oração equilibra o ser humano com uma força espiritual que faz brotar indispensável sabedoria. Uma sabedoria que incide nas relações e na realização de tarefas. Jejum e oração garantem a engenharia de almas e corações do bem, fontes de entendimentos e discernimentos para escolhas acertadas, fecundando leis presididas pela força da solidariedade e do respeito incondicional a cada pessoa. Hoje, Dia de Oração e Jejum pela Paz, é remédio que todos, sem exceção, precisam tomar, para curar corações. Um remédio simples e eficaz que alicerça a humildade, essencial para reequilibrar o mundo. Vale acolher o convite do Papa Francisco para um dia de oração e jejum. Assim, contribuir para levar a paz à realidade mais próxima, nos próprios relacionamentos, no exercício da cidadania e nos compromissos profissionais. Orar e jejuar são essenciais para superar os horrores das guerras, as aflições deste tempo sombrio, carente da luminosidade de diálogos construtivos e humanitários.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
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