Chega de sangue derramado
Distintas autoridades, vós sois estas fontes, as fontes que irrigam a convivência geral, os pais e as mães deste país-menino. Vós sois chamados a regenerar a vida social, como fontes transparentes de prosperidade e de paz, pois é disto que necessitam os filhos do Sudão do Sul: pais, não patrões; passos firmes de desenvolvimento, não quedas contínuas. Os anos que se seguiram ao nascimento do país, marcados por uma meninice ferida, deem lugar a um crescimento pacífico.
“Ilustres autoridades, os vossos «filhos» e a própria história hão de recordar-vos pelo bem que tiverdes feito a esta população, que vos foi confiada para a servirdes. Ao contrário, a violência faz retroceder o curso da história”, disse ainda o Papa, recordando, a seguir, os dois dias de retiro espiritual para a paz, em abril de 2019, realizado, no Vaticano, com as autoridades civis e eclesiásticas do Sudão do Sul.
“Senhor presidente, senhores vice-presidentes, em nome de Deus, do Deus a Quem rezamos juntos em Roma, do Deus manso e humilde de coração em Quem tanta gente deste querido país acredita, é a hora de dizer chega… sem «se» nem «mas»: chega de sangue derramado, chega de conflitos, chega de violência e recíprocas acusações sobre quem as comete, chega de deixar à mingua de paz este povo dela sedento. Chega de destruição; é a hora de construir! Deixe-se para trás o tempo da guerra e surja um tempo de paz!”
Nas fontes deste país, há outra palavra que designa o rumo empreendido pelo povo sul-sudanês em 9 de julho de 2011: República. “Mas, o que significa ser uma res publica? Significa reconhecer-se como realidade pública, isto é, afirmar que o Estado é de todos; e consequentemente quem, dentro dele, detém maiores responsabilidades, presidindo-o e governando-o, não pode deixar de pôr-se a serviço do bem comum. Esta é a finalidade do poder: servir a comunidade”, sublinhou o Pontífice, chamando a atenção para a tentação do servir-se do poder para os próprios interesses. “Não basta chamar-se República; é preciso sê-lo, começando pelos bens primários: os abundantes recursos com que Deus abençoou esta terra não sejam reservados a poucos, mas privilégio de todos; e, aos planos de retomada econômica, correspondam projetos para uma distribuição equitativa das riquezas”, enfatizou.
A democracia pressupõe o respeito dos direitos humanos
A seguir, o Pontífice disse que para “a vida de uma República, é fundamental o desenvolvimento democrático. A democracia pressupõe o respeito dos direitos humanos, e em particular a liberdade de expressar as próprias ideias”. “Precisamos nos lembrar que, sem justiça, não há paz, mas, também sem liberdade, não há justiça. É o tempo do empenho em prol de uma transformação urgente e necessária. O processo de paz e reconciliação exige um novo salto. Deem-se as mãos para levar a bom termo o Acordo de paz, bem como o seu Roteiro”, disse o Papa, acrescentando:
“Num mundo marcado por divisões e conflitos, este país acolhe uma peregrinação ecumênica de paz, que constitui uma raridade; que isto represente uma mudança de ritmo, a ocasião para o Sudão do Sul recomeçar a navegar em águas tranquilas, retomando o diálogo sem fingimentos nem oportunismos.”
Seja para todos uma ocasião para relançar a esperança: possa cada cidadão compreender que já não é tempo de se deixar levar pelas águas insalubres do ódio, do tribalismo, do regionalismo e das diferenças étnicas, mas tempo de navegar juntos rumo ao futuro!
“Este é o caminho: respeitar-se, conhecer-se, dialogar. Acolher os outros como irmãos e dar-lhes espaço, inclusive sabendo recuar alguns passos. Esta atitude, essencial para os processos de paz, é indispensável também para o desenvolvimento coeso da sociedade. Passar da incivilidade do conflito à civilidade do encontro decisivo é o papel que podem e querem desempenhar os jovens. Sejam mais envolvidas nos processos políticos e decisórios também as mulheres, as mães que sabem como se gera e guarda a vida.”
Combater a desmatamento causado pela ganância do lucro
A seguir, o Papa recordou os primeiros missionários que chegaram ao país, os que morreram enquanto semeavam a vida e os muitos agentes humanitários: “A todos, quero agradecer pela preciosa obra que realizam”, disse ele. Francisco lembrou também “as numerosas vítimas de inundações”, às quais expressou sua “solidariedade, fazendo apelo para que não lhes deixem faltar a devida ajuda”.
“As calamidades naturais falam de uma criação ferida e arruinada que, de fonte de vida, pode converter-se em ameaça de morte. Precisamos cuidar dela, com um olhar clarividente a pensar nas gerações futuras. Penso, em particular, na necessidade de combater a desmatamento causado pela ganância do lucro.”
Francisco falou também a propósito da “limpeza de que precisa o curso da vida social” através do “combate à corrupção”, “do combate à pobreza, que constitui o terreno fértil onde se enraízam ódios, divisões e violência”. “A urgência de um país civilizado é cuidar dos seus cidadãos, particularmente dos mais frágeis e desfavorecidos”, disse o Papa, recordando os milhões de deslocados que ali vivem, “quantos tiveram de abandonar a sua casa encontrando-se relegados à margem da vida na sequência de confrontos e deslocações forçadas”.
Impedir a chegada de armas
“Para que as águas de vida não se transformem em perigo de morte, é fundamental dotar um rio de diques apropriados. O mesmo vale para a convivência humana”, frisou ainda o Papa.
“Em primeiro lugar há que impedir a chegada de armas que, não obstante todas as proibições, continuam surgindo em muitos países da área, incluindo o Sudão do Sul: aqui há necessidade certamente de muitas coisas, mas não de mais instrumentos de morte.”
“Outros diques são imprescindíveis para garantir o curso da vida social”, disse o Pontífice, referindo-se “ao desenvolvimento de políticas de saúde adequadas, a necessidade de infraestruturas vitais, ao papel primário do alfabetismo e da instrução, única via para que os filhos desta terra tomem nas próprias mãos o seu futuro. Eles, como todas as crianças deste continente e do mundo, têm o direito de crescer tendo na mão cadernos e brinquedos, não ferramentas de trabalho e armas”.
Cultivar relações positivas com outros países
“Por fim, o Nilo Branco deixa o Sudão do Sul, atravessa outros Estados, encontra-se com o Nilo Azul e chega ao mar: o rio não conhece fronteiras, mas une territórios. De modo semelhante, para se alcançar um desenvolvimento adequado, é essencial, hoje mais do que nunca, cultivar relações positivas com outros países, a começar pelos vizinhos”, disse ainda o Papa, agradecendo a Comunidade Internacional precioso contributo prestado a este país, em prol da “sua reconciliação e desenvolvimento”.
Segundo o Pontífice, para que haja “contribuições proveitosas, é indispensável uma efetiva compreensão das dinâmicas e dos problemas sociais. Não basta observá-los e denunciá-los de fora; é preciso envolver-se com paciência e determinação, e em geral resistir à tentação de impor modelos pré-estabelecidos, mas estranhos à realidade local. Como disse São João Paulo II há trinta anos, no Sudão, «devem-se encontrar soluções africanas para os problemas africanos»”.
Que o Sudão do Sul se reconcilie e mude de rumo
“Senhor presidente, distintas autoridades, seguindo o percurso do Nilo, quis adentrar-me no caminho deste país tão jovem e tão querido. Sei que algumas minhas expressões podem ter sido ousadas e diretas, mas peço-vos para acreditardes que isso nasce apenas da estima e preocupação com que acompanho as vossas vicissitudes, junto com os irmãos que me acompanharam até aqui, peregrino de paz”, sublinhou Francisco.
“Desejamos sinceramente oferecer a nossa oração e o nosso apoio para que o Sudão do Sul se reconcilie e mude de rumo, a fim de que o seu curso vital deixe de ser impedido pelas cheias da violência, obstaculizado pelos pântanos da corrupção e malogrado pelo transbordamento da pobreza. O Senhor do Céu, que ama esta terra, conceda-lhe um tempo novo de paz e prosperidade. Deus abençoe a República do Sudão do Sul!”
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