O mistério da morte é o maior desafio existencial da vida humana. Um desafio tão humanamente exigente que corre o risco de ser tratado a partir de perigosa relativização, ou mesmo levar a atitudes cotidianas que negam a realidade da própria morte: alguns conduzem a própria vida como se a morte jamais viesse bater à própria porta. Mas o tempo é voraz e, indistintamente, se esgotará para todos. O início de novembro, com a celebração do Dia de Finados, qualifica o ser humano, com a oportunidade de cultivar o sentido de finitude, no exercício do silêncio e da oração, emoldurado pela saudosa e reverente lembrança dos que já morreram – familiares, amigos, pessoas próximas, ou mesmo aquelas que estão inscritas na história, por suas relevantes contribuições para a sociedade. Silêncio profundo e reverência, emoldurados pela saudade, para atualizar estampas que reúnem acontecimentos e histórias de vida, ajudando cada um a lidar com a finitude. Assim, compreender, com mais lucidez e humildade, que a vida é dom, devendo ser uma oferta de si em benefício do próximo.
A Celebração de Finados, com homenagens nos cemitérios ou no altar do próprio coração, proporciona ecos que precisam reverberar em cada dia, pois é remédio para extirpar orgulhos e soberbas, ódios e rancores. Esses sentimentos ruins são dissipados quando cresce a compreensão sobre a transitoriedade da existência, a espantosa fugacidade da vida. Uma fugacidade tão espantosa que pode levar muitas pessoas a alimentarem ilusões. Acreditarem que viver é simplesmente saber desfrutar de tudo, permitindo-se agir perversamente, de modo indiferente em relação ao próximo, na contramão da solidariedade fraterna, desrespeitando também os bens da natureza. Aprender a lidar com o mistério da morte é inigualável caminho para qualificar o viver humano, fundamentando-o na nobreza de atitudes solidárias e na conquista de uma essencial sabedoria que permite reconhecer: a morte é terrificante, mas não é para sempre.
Existencialmente um desafio, a morte é simplesmente a porta tenebrosa de passagem para a luminosidade da vida que não passa – a vida no amor maior, na presença de Deus. Essa compreensão alimenta um qualificado modo de viver, de tratar o semelhante e de bem exercer a própria missão. Vale escutar o apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios, na primeira carta, quando testemunha que Cristo morreu pelos nossos pecados. Segundo as Escrituras, foi sepultado e, ao terceiro dia, foi ressuscitado. Iluminadora é a narração no capítulo sete do Livro do Apocalipse, ao descrever uma multidão imensa que ninguém podia contar, gente de todas as nações, tribos, povos e línguas. Todos estavam de pé, diante do trono e do cordeiro; vestiam túnicas brancas e traziam palmas na mão. Proclamavam com voz forte: a salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro. Os que estão vestidos com túnicas brancas são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro.
Mais adiante no Livro do Apocalipse, capítulo 21, a referência à morada de Deus com os homens. “Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas de antes passaram”. A fé cristã professa uma compreensão rica e fecunda, de muitos capítulos, fonte de uma esperança fidedigna – graça para enfrentar o tempo presente. A esperança que vem da fé cristã contribui para que o ser humano assuma o compromisso de viver para fazer o bem, na singularidade de cada carisma, vocação e missão, no exercício de suas responsabilidades na construção da história. A realidade do cotidiano é muito exigente, leva a cansaços, mas a esperança cristã fortalece o coração de cada um, a partir da certeza da redenção e da vida eterna.
Em contraponto à morte está a esperança que é luz luzente, alimento da luta pelo bem, da compaixão pelo semelhante e do compromisso de buscar, com destemor, uma vida mais sustentável, na contramão de todo tipo de consumismo que gera ganâncias e mesquinhez, levando a guerras, indiferenças e a uma organização social, política e cultural excludente, alimentadora de desigualdades vergonhosas. Seja sempre buscada a esperança que confere à vida um sentido autêntico, tornando-a instrumento do amor de Deus. O apóstolo Paulo alerta na Carta aos Efésios que viver sem encontrar Cristo é viver sem esperança, porque é viver sem Deus no mundo.
A esperança fidedigna nasce da experiência de encontrar-se com Deus, aproximando-se da fonte que qualifica o viver, a cada dia. Essencial se torna, a partir do confronto existencial com a morte, cuidar da esperança que pavimenta a estrada de cada dia. O segredo é buscar Deus, o Deus Pai de Jesus Cristo – Salvador e Redentor, fonte amorosa inesgotável para fortalecer o ser humano. Quem alimenta-se da esperança fidedigna não teme a morte, mesmo que sofra com sobressaltos existenciais inevitáveis. Enfrenta a dor alicerçando-se em Deus. Assim, ganha uma sabedoria que habita somente o coração daqueles que reconhecem: Deus é o Senhor da vida que não passa, vencedor da morte. A esperança que vem de Deus é fonte autêntica do amor que sustenta o coração humano e o mantém firme, em meio a contradições e fragilidades. Aproximar-se de Deus, alimentar-se da sua esperança, constitui o aguilhão que permite enfrentar a morte pela certeza da vida eterna.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
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