O sexto aniversário da Laudato Si’ – Carta Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado com a casa comum, 24 de maio, e o Dia Mundial da Ecologia, 5 de junho, reacendem luzes no horizonte da humanidade, interpelando, particularmente, os cristãos. O cuidado com a casa comum é dever cidadão e tarefa cristã. Trata-se de obediência amorosa e reverente ao Criador, que se desdobra na fraterna dedicação a todas as criaturas. A moral cidadã e o sentido profundo da fé exigem responsável consideração de grave cenário: a irmã terra está clamando contra o mal que a ameaça, consequência da apropriação irresponsável e abusiva dos bens que são dádivas de Deus ao planeta. A fé cristã, com a sua doutrina que incide na conduta moral, revela ser equívoco pensar que a humanidade seja proprietária e dominadora da Terra, podendo saqueá-la, depredá-la, sob impulso da ganância e do lucro. Essa triste situação interpela a cidadania, iluminada pela fé cristã, a reagir, pois as feridas do coração humano estão adoecendo o planeta.
Sublinha o Papa Francisco, na Carta Encíclica Laudato Si’, que entre os pobres mais abandonados e maltratados está a casa comum oprimida e devastada. O cenário mundial é preocupante, não raramente emoldurado por demagogias que envolvem interesses escusos e mesquinhos de nações e governos. Nesse contexto, a situação da sociedade brasileira é muito preocupante quando se considera, particularmente, o tratamento do meio ambiente. Uma realidade que, para ser transformada, necessita de qualificada cidadania e também da atuação assertiva dos cristãos. Merece redobrada atenção o que está em curso no âmbito da conjuntura política nacional: aponta-se para um grave desmonte dos mecanismos de proteção ambiental.
É preciso exigir do Congresso Nacional que não alimente ou aprove fragilizações na legislação ambiental vigente, com desregulamentações. Ao invés disso, deve-se avançar no aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção da casa comum, no horizonte delineado e defendido pelo Papa Francisco e por toda a riqueza que a Doutrina Social da Igreja reúne na salvaguarda do meio ambiente. Os ensinamentos do Papa Francisco e os princípios da Doutrina Social da Igreja, para os cristãos, devem ser “cláusulas pétreas” no exercício da cidadania, pois constituem elementos decisivos para a oferta de qualificada contribuição à sociedade, que precisa ser edificada ao sabor do Evangelho de Jesus Cristo.
As casas legislativas precisam assumir com urgência, protagonismo e mais zelo, as suas responsabilidades na busca pelo indispensável equilíbrio ambiental, para garantir saúde ao planeta e, consequentemente, à humanidade. Ao mesmo tempo, é inadmissível o tratamento inadequado, sem debate público e entendimentos amadurecidos, de assuntos com ampla incidência no contexto socioambiental, a exemplo dos licenciamentos para a exploração de recursos naturais. Ouvir a sociedade e dialogar com autoridades técnico-científicas sobre questões ambientais é imprescindível. Nessa perspectiva, merece amplo estudo e debate social as discussões relacionadas aos Projetos de Lei 3729/2004, 2633/2020, 510/2021 e 191/2020 – todos com potencial para impactar o meio ambiente. Mudança nos critérios para licenciamentos ambientais, os riscos de se facilitar a grilagem de terra e as consequências da abertura de terras indígenas para a mineração merecem consideração responsável.
As decisões não podem ser pautadas simplesmente por princípios que apenas buscam o lucro, desconsiderando a necessidade de um desenvolvimento integral. O ponto de partida não pode ser o dinheiro, mas a desafiadora consideração da condição humana que é raiz da crise ecológica. O Papa Francisco recorda que há um modo inadequado de compreender a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até a ponto de arruiná-la. “Proponho, pois, que nos concentremos no paradigma tecnocrático dominante e no lugar que ocupa nele o ser humano e a sua ação no mundo”, diz o Papa Francisco, na Carta Encíclica Laudato Si’. É preciso refletir sempre à luz de parâmetros mais humanizados, e não meramente tecnocráticos, pois não se pode alimentar a ilusão de um “crescimento econômico” ilimitado e infinito.
É urgente investir na cultura ecológica, com amparos legislativos inteligentes e não suicidas, com amplo processo educativo, para se conquistar novo modelo civilizatório, mais humano e em harmonia com o planeta. Espera-se que o Projeto de Lei 1.070/2021, aprovado no Senado Federal, trilhe o mesmo caminho na Câmara dos Deputados, e se institua o “Junho Verde”, uma campanha educativa. Trata-se de passo importante para contribuir na efetivação de novas legislações e compromissos que busquem constituir uma cultura ecológica. Essa cultura é urgente necessidade para que haja mais respeito à vida, dom de Deus que precisa ser sempre defendido e promovido, em todas as suas etapas, da concepção ao declínio natural. Os cristãos têm a urgente tarefa de buscar, exemplarmente, um novo estilo de vida, balizado por dinâmicas da necessária cultura ecológica.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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