Hora de reagir

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Compreender o mundo no horizonte da ecologia integral é passo importante para enfrentar a crise climática, neste momento em que todos são chamados a reagir. Uma reação que está atrasada, considerando os efeitos deletérios da crise. Graves entraves precisam ser vencidos para que ocorra a necessária resposta ao desafio enfrentado pela humanidade: um desinteresse sobre as mudanças climáticas, uma concepção equivocada sobre o planeta, a dificuldade de abrir mão dos lucros desmedidos alcançados a partir do sacrifício ambiental, a adoção de lógicas inadequadas, espúrias, para se alcançar o progresso. Especialmente perigosa é uma compreensão sobre a fé que desconsidera a relação entre o Criador, Deus, e suas criaturas, no conjunto da Criação. No lugar dessa compreensão perigosa, deve prevalecer sempre o apelo à reação que vem da própria fé, um broto de esperança, que recebe o empenho da Igreja Católica no Brasil, por meio da Campanha da Fraternidade 2025 – Fraternidade e Ecologia Integral. Promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), durante o tempo da Quaresma, a Campanha da Fraternidade contribui, com lucidez e destemor profético, para adequadamente reagir às mudanças climáticas.  

A fé é importante luz que ilumina o caminho da humanidade com uma incontestável verdade: homens e mulheres devem se compreender como instrumentos de Deus – Pai Criador. Precisam, pois, corresponder ao projeto de Deus para o planeta – uma terra de paz, beleza e plenitude. Essa compreensão é essencial para vencer a costumeira apatia diante da urgência de se reagir e superar a degradação ambiental. Essa fraqueza se consolida justamente pela insensibilidade para escutar os gritos da Terra e pela indiferença diante das dores dos abandonados do mundo. Percebe-se que ainda não existe uma cultura consolidada capaz de sustentar o enfrentamento à grave crise que ameaça a humanidade. Uma carência provocada pela falta de líderes capazes de contribuir com soluções inteligentes e humanísticas para superar os descompassos da atualidade. Grave é a fraqueza da reação promovida pela política internacional, submissa a interesses econômicos, sem considerar o bem comum. Consequentemente, convive-se com manipulações e ajustes legislativos que impedem o nascimento de novos modos de se viver na casa comum.  

No horizonte da fé é inequívoca a convicção acerca do princípio que as intervenções e usufruto dos recursos naturais não podem estar submetidos a interesses de grupos econômicos que arrasam e exploram irracionalmente as fontes da vida. Essa exploração irracional está evidente em muitos procedimentos a serviço de interesses minerários e de muitas outras atividades.  Algumas concessões de caráter filantrópico, infinitamente desproporcionais em relação aos lucros exorbitantes desses empreendimentos que destroem o planeta, servem apenas para melhorar a imagem daqueles que promovem a devastação. O Papa Francisco, na Carta Encíclica Laudato Si’, adverte que os poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial, onde predomina uma especulação e uma busca por receitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente, entrelaçando degradação ambiental e degradação humana.  

Sinal de esperança é saber que alguns países se dedicam à recuperação de rios poluídos, revitalização de florestas nativas, produção de energia limpa, melhoria de transportes públicos. Ainda que a humanidade esteja muito aquém de uma reação adequada, há sinais promissores: o ser humano é capaz de intervir positivamente na Criação de Deus. Essa esperança alimenta reações a uma perspectiva ecológica superficial, descomprometida com acordos assinados. Esse “reagir” pede uma abertura ao diálogo, para superar o extremismo de uma perspectiva que busca o progresso sem qualquer pudor ético, a qualquer custo. Por isso, a Igreja, com outras instituições e instâncias, governamentais e não-governamentais, investe na promoção de um debate honesto, contemplando cientistas, governantes e representantes da sociedade, com a partilha e a escuta de opiniões diferentes, para encontrar adequados discernimentos e escolhas. Há sempre uma saída para retirar a humanidade do caminho que está em contraposição ao desígnio divino. 

Ora, a natureza é lugar onde Deus se manifesta.  A fé cristã professa que o Espírito vivificante de Deus está em cada criatura. Esta verdade estimula o desenvolvimento de virtudes ecológicas com propriedades para alavancar reações positivas e incidentes na realidade. As criaturas desse mundo não constituem um bem a ser apropriado por um dono. O ser humano tem seu valor singular, mas não lhe é permitido tratar as demais criaturas de qualquer jeito. É preciso buscar equilíbrio, enfrentando cenários nos quais alguns vivem em situação degradante e outros na abundância – sem mesmo saber o que fazer com o muito que possuem. Esse equilíbrio almejado somente se efetiva com o cultivo da ternura e da compaixão, em relação ao semelhante e ao planeta. Urgente é proteger o meio ambiente, cultivando amor sincero em relação ao semelhante, dedicando-se a enfrentar os problemas sociais. Não se perca a oportunidade para uma reação. Ninguém deve se situar no ridículo de acordar e comprometer-se com promissoras soluções, mas não cumprir o que foi combinado. A gravidade da crise contemporânea convoca: está na hora de reagir. 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)

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