“Deus é amor: quem permanece no amor, permanece em Deus, e Deus permanece nele”, magistralmente ensina a 1ª Carta de São João. Uma verdade com profunda incidência no conjunto da vida. A expressão “Deus é amor”, assim, não pode ser tratada como um simples slogan, com seu sentido obscurecido. Trata-se de um risco, neste tempo tão marcado pelas relativizações e banalizações da linguagem. A opção fundamental do cristão é crer no amor de Deus. Fé que não constitui simples ideia, pois trata-se, acima de tudo, da experiência do encontro com uma pessoa: Jesus Cristo, o Redentor e Salvador da humanidade. A Festa de Corpus Christi – quando cristãos católicos saem às ruas para reafirmar o compromisso de uma vida vivida no horizonte luminoso da Eucaristia – é uma expressão do encontro dos discípulos com Jesus. A rica doutrina católica em torno da Eucaristia guarda lições de esperança e inspira compromissos com a vida plena pois “Deus é amor”.
A Festa de Corpus Christi – festa do Corpo e Sangue de Cristo oferecidos no altar da cruz – faz ecoar a palavra forte e basilar que irradia do Evangelho de São João: “Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu filho único para que todo aquele que n’Ele crer tenha a vida eterna”. Acolher esta verdade produz mudanças profundas, nas dimensões existenciais e sociais, inspirando a sacralização do direito e da justiça, com maior respeito e reverência à dignidade de cada pessoa: atitudes capazes de configurar o mundo a partir dos princípios da solidariedade e da amizade social. A Solenidade de Corpus Christi, celebrada em circunstâncias festivas, públicas e de belezas singulares, a exemplo dos tapetes confeccionados que encantam olhares, é a oportunidade para reafirmar a centralidade do amor, vivendo com autenticidade a fé cristã. E a fé cristã, que tem em seu centro o amor de Deus, para ser vivida autenticamente, deve sempre se desdobrar no amor ao próximo.
A celebração de Corpus Christi tem força educativa nos corações, tornando-os fonte de um renovado dinamismo, capacitando o ser humano para oferecer a sua resposta ao amor de Deus. O verdadeiro reconhecimento de que “Deus é amor”, amor por excelência, permite superar a banalização do semelhante, que é irmão e irmã. Em Deus, todo amor encontra a sua referência, permitindo ao ser humano enxergar a dignidade de cada pessoa e, dessa forma, superar a mesquinhez, o egoísmo. Quando se enxerga a dignidade de cada pessoa, consequentemente assume-se, com mais ardor, a tarefa cristã de ajudar o mundo a ganhar o sabor do Evangelho de Jesus Cristo. É, pois, central, no propósito da celebração de Corpus Christi, compreender e deixar-se tocar por Jesus Cristo – o amor encarnado de Deus.
No altar da cruz, Cristo se imola, ofertando o seu corpo e derramando o seu sangue em expiação pelos pecados da humanidade – oferta duradoura a partir da instituição da Eucaristia, na Última Ceia, quando o Mestre antecipa a sua morte e ressurreição, entregando-se aos discípulos, no pão e no vinho. Trata-se de realidade salvífica e redentora, sublinhada na Festa de Corpus Christi, lembrando que a mística do Sacramento da Eucaristia tem um caráter social: aquele que celebra a Eucaristia abre-se a uma desafiadora comunhão com as demais pessoas, o que significa assumir ainda mais o compromisso de promover a justiça, para que todos possam alcançar o amor maior. A fé cristã professa que a união com Cristo é a união com todos os irmãos. Compreende-se sempre mais que o amor a Deus e o amor ao próximo estão intrinsecamente vinculados. Por isso, os sentimentos inadequados precisam ser corrigidos, para que prevaleçam posturas fraternas e solidárias, inspirando atitudes coerentes com a fé.
O culto eucarístico vincula-se à ética do amor fraterno e sincero, com um olhar especial dedicado aos pobres e vulneráveis, desdobrado no compromisso sociopolítico e cidadão no horizonte de valores que efetivam o amor. Celebrar Corpus Christi é renovar forças para construir uma sociedade mais solidária, em que o amor define discernimentos e decisões. O testemunho público do sentido profundo da Eucaristia, no ato singelo de caminhar em procissão pelas ruas, é a reafirmação do compromisso de enraizar o amor ao próximo no amor de Deus, o amor maior. A Festa de Corpus Christi reacenda e ilumine a consciência de todos os cristãos no compromisso com a caridade – dever da Igreja que inspira o exercício da cidadania, a busca por uma sociedade mais justa e fraterna -, porque Deus é amor.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
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