Uma “sociedade que tinha como prioridade as coisas de Deus”, um “projeto de um mundo melhor, de um mundo mais igual, das pessoas se amando, das pessoas tendo atenção umas às outras”, afirmou em entrevista ao Vatican News o pesquisador santo-angelense José Roberto de Oliveira*. Uma experiência fruto da fé em Jesus Cristo, e que “pode ser repetida no momento que a humanidade quiser”.
O amor que, especialmente os primeiros jesuítas tinham pela humanística, pelo ser humano, mas também suas lutas, marcaram o pesquisador e escritor gaúcho nos longos anos que tem dedicado ao tema das Missões. Naquele projeto, observa ele, houve “uma utopia factível”, e depende “de nós sociedade, de nós cristianismo, de nós pessoas que querem um mundo melhor”, nos inspirarmos na “utopia missioneira para criar condições de um mundo melhor”, realizando assim, “o sonho antigo do projeto jesuítico-guarani”.
O Caminho das Missões
O projeto jesuítico-guarani deixou um legado que plasmou a cultura não só do Rio Grande do Sul, mas de uma vasta região que compreende Argentina, Uruguai e Paraguai. E a exemplo de conhecidos roteiros de peregrinação pelo mundo, como o Caminho de Santiago, a Via Francígena, entre outros, é possível mergulhar nesse contexto histórico-cultural e de fé com “O Caminho das Missões”.
Nas diferentes opções de percurso – 30, 14, 9 e 3 dias – o caminhante tem a possibilidade de realizar um verdadeiro mergulho na história dessa macrorregião, onde em meio a campos, matas e terras cultivadas, se depara com verdadeiras pérolas do Barroco, como estátuas de santos esculpidas em madeira, construções que foram um marco daquele período áureo – como por exemplo, as Ruínas de São Miguel Arcanjo, Patrimônio da Unesco -, mas também aldeias guaranis e Santuários, como Caaró e Assunção do Ijuí, locais que testemunharam o martírio, em 1628, dos três Santos Missioneiros – Roque Gonzáles de Santa Cruz, Afonso Rodríguez e Juan del Castilhos, – e hoje lugares de forte devoção:
“O Caminho das Missões nasce como essa ideia do Caminho de Santiago de Compostela, e que vem para América hoje, integrando todo o grande projeto jesuítico-guarani, desde o Paraguai, San Ignacio Guazu, que é a primeira Redução, em 1609, integrando todo esse conjunto reducional, as oito Reduções, que ficaram no Paraguai, entre Missiones e Itapua, o conjunto das Missões, as quinze, que ficou na Argentina entre Missiones e Corrientes e as que ficaram do lado brasileiro, aqui na região das Missões. Então, essa caminhada é uma caminhada de 30 dias, são 750 km que são percorridos, mas essa é a internacional. Por exemplo agora, na pandemia, como as fronteiras fecharam, nós estamos fazendo a parte brasileira, desde São Borja que é a primeira Redução do segundo ciclo – sempre lembrando que no primeiro ciclo eram 18 Reduções, e que foram expulsas pelos Bandeirantes naquele período e depois voltaram a partir de 1682 com Santo Tomé, que é do lado da Argentino, do lado de lá do Rio Uruguai, funda São Borja. Então São Borja até Santo Ângelo, são 14 dias de caminhada, com 324 km. Tem caminhadas mais curtas também, por exemplo de São Nicolau até Santo Ângelo dá 184 km e uma menor de 3 dias que é de São Miguel, ali no Patrimônio Mundial, daí vem pelos interiores, Carajazinho, São João Batista, e chega em Santo Ângelo, 73 km. Então sempre se chega em Santo Ângelo. Aqui tem o San Ángel Custodio, nosso Anjo da Guarda, que é o nosso símbolo maior e aqui aquela ideia do encontro com o seu Anjo da Guarda, de cada uma das pessoas que vem para cá.
Então esse conjunto das caminhadas ocorre nas diversas formas, 30 dias, essa internacional, 14 dias essa de São Borja a Santo Ângelo, oito dias de São Nicolau até Santo Ângelo e 3 dias essa menor de São Miguel até Santo Ângelo. E vivendo nessa plenitude digamos em todo o território, que nós temos a terra vermelha, de toda essa macrorregião do projeto jesuítico-guarani, que é um jeito diferente de dizer a terra, os elementos físicos e químicos dali, as pessoas andam entre matas, entre campos, entre a pampa da América e obviamente o convívio com descendentes, tanto que vivem nas cidades, os descendentes daquele projeto todo, mas também com a possibilidade de visitar as aldeias que estão nessa região. Nós temos hoje 3 aldeias: uma em São Miguel, tem cerca de 240 indígenas e duas em Santo Ângelo, um pouquinho menor do que aquela de lá, mas também com toda cultura, são índios guaranis que vivem aqui e que mostram, e que as pessoas que vêm do mundo hoje têm essas experiências com, digamos, com os índios originários. Então é muito interessante esse processo todo e obviamente conhecer, aprofundar toda essa história magnífica, dita pelos grandes do mundo como Voltaire, Montesquieu, Muratori. Muratori é o principal filósofo italiano dos 1.700, ele escreve um livro magnífico que tu tens que ler, chama-se “O cristianismo feliz dos jesuítas na América”. É um livro completamente utópico, e que ele mostra a beleza do que é a plenitude da utopia do cristianismo. Isso tudo, quem faz o Caminho das Missões, essa caminhada, e que também pode ser de bike, tem gente que faz isso de bicicleta, tem muita gente que hoje tá com esse esporte, porque não estão ali disputando nada, estão visitando, fazendo turismo mesmo com a bicicleta e também se faz dessa forma. E se conhece três países bem importantes da América, é o principal caminho da América hoje para o mundo, integrado hoje nesses projetos de turismo e de cultura nesse conjunto do território.”
Santuário de Caaró
Nessa caminhada se faz uma verdadeira imersão no território que pertencia aos índios guaranis. E uma das etapas do percurso contempla o Santuário da Caaró. Qual a importância desse Santuário e a quem ele é dedicado?
“O Caaró é um símbolo daquela chegada dos jesuítas lá na primeira fase, num tempo que é preciso compreender. Eu tenho feito muitos encontros com o pessoal da Igreja, tenho feito palestras e mesmo andando com gente das diversas dioceses, mas especialmente a nossa angelopolitana aqui, no sentido de mostrar a visão de alteridade. Como é que será que era, por exemplo, aquele povo do neolítico, lá de 1626, 1628, quando chegavam dois jesuítas numa aldeia ou perto de uma aldeia, daquele período. Então é preciso olhar com olhos de alteridade. Como é que os índios olhavam para aqueles dois jesuítas? Como é que aqueles jesuítas olhavam – imagina o medo deles com relação àqueles guaranis ali com lança, flecha machadinhas de pedra polida, como é que era isso?
Então é muito importante entender, e o Caaró é o lugar para gente falar dessas coisas. Mas o Caaró também é um lugar extraordinário e que ali tem um motivo importantíssimo que é o da canonização dos padres Roque Gonzáles, Afonso Rodrigues e também do João del Castilhos que não morreu ali no Caaró, mas no lugar chamado Assunção do Ijuhy, que fica uma hora mais ou menos desse lugar de carro. E nesse lugar, ali especialmente, pessoas do mundo vem buscar a água, que é considerada milagrosa e que lida com curas de câncer, que é o motivo da canonização dos três Santos Mártires das Missões. Então vem gente de muitos lugares do mundo buscar a água reconhecida e considerada como milagrosa. Então é um lugar místico, extremamente interessante, quando a gente chega – eu cada vez me arrepio todo lá – tem uma espiritualidade presente, não é desses lugares só de fé, mas tem algo potente ali e que obviamente é o que as pessoas, essas que têm seus males, buscam o restauro, digamos, da sua saúde, da sua vida nesses locais. E o Caaró é esse grande lugar, é um lugar extremamente importante, é um lugar que inclusive está andando um processo para tornar esse lugar ainda um lugar mais importante, que seria uma Basílica, uma Basílica Menor agora nesse primeiro instante, e que também o processo está andando aí no Vaticano.”
Sociedade que tinha como prioridade as coisas de Deus
A Redução de São Miguel Arcanjo é a melhor conservada no sul do Brasil, é Patrimônio da Unesco. Que riquezas históricas o visitante, o peregrino, encontra nessa redução?
“Bem, nós temos o único Patrimônio Cultural da humanidade do sul do país, em São Miguel. Então, desde Minas Gerais, aí para baixo no Brasil, só tem um Patrimônio Cultural da humanidade que é São Miguel. Ali era a sede da Redução jesuítica-guarani, ela veio para esse lugar em 1687. Ela tinha sido fundada em 1632, exatamente nessa região onde eu andei agora nesses dias, lá no sul, lá na Serra de São Martinho, e expulsa pelos Bandeirantes foi para o lado de lá do Rio Uruguai, fica cerca de 45 anos lá e volta para esse lugar ali aonde está hoje. Então foi a maior de todas as obras, João Batista Primuli, que é esse arquiteto famoso, milanês, e que veio para as Missões, um dos grandes arquitetos do Barroco do mundo daquele período, se torna um irmão jesuíta e vem pras Missões e constrói duas grandes Igrejas, São Miguel e Trinidad. São Miguel, então, chegou a cerca de 8 mil habitantes naquele período, e 8 mil habitantes naquele período, é das maiores cidades da América, não se tem essa clareza, mas é isso. Então ela era uma das grandes cidades da América daquele período e ali se viveu a plenitude, digamos, do que era uma Redução. Desde um conjunto industrial muito importante, que exportava para a Europa, para a América toda, para Lima no Peru, para Coquimbo no Chile, e assim por diante. Através, obviamente, da estrutura – essa que ia para Europa, através de Buenos Aires, esse que era o mundo espanhol -, então toda aquele movimento econômico, organizacional.
Obviamente, o mundo também religioso, os guaranis trabalhavam três horas de manhã, três horas de tarde, nas suas lidas diárias, um sistema todo de oração, desde a manhã e o conjunto das edículas e da estrutura toda lá em São Miguel tem alguns elementos importantíssimos, como por exemplo, cotiguaçu, que talvez seja o maior símbolo cristão que nós tenhamos na ação dos jesuítas da América. O que é o cotiguaçu? Cotiguaçu é a casa da viúva e dos órfãos. Toda a comunidade trabalhava dias da semana para essa estrutura comunitária, para o comum, através de um projeto que chamava Tupambaé, que é a ideia, digamos, das coisas de Deus, do trabalho para Deus, e toda comunidade cuidava das viúvas, dos órfãos, dos necessitados, nesse lugar chamado cotiguaçu, que é a casa grande, era um mundo comunal, aonde todos cuidavam, plantavam, e obviamente colhiam e alimentavam e cuidavam daquelas pessoas que viviam ali. Veja que nós estamos falando de 1600 e 1700. Se hoje em dia, em pleno 2021, nós não conseguimos fazer isso, imagina que interessante uma sociedade que tinha como prioridade, digamos, as coisas de Deus.
Então isso é Missões, isso é São Miguel. Então em São Miguel, obviamente, há muitas outras coisas, continuamos com muitos levantamentos arqueológicos, tem a fonte missioneira, tem um conjunto de elementos arqueológicos-arquitetônicos que compõe o que é o conjunto do Patrimônio Cultural da humanidade. Nós estamos encontrando o conjunto também de capelas naquela região, encontramos duas capelas bem importantes agora nesse último período, que estavam dentro de uma selva que está ali perto, na chamada Floresta São Lourenço. Então tem muitos elementos, além do Patrimônio Mundial, que é algo obviamente muito importante, também estamos com equipes importantes de arqueólogos e pesquisadores que estão achando novas coisas naquele macro ambiente. Então já encontramos muitas coisas, como ferrarias, como a fábrica de tijolos, de telhas, o lugar aonde se produziam as farinhas, então se sabe de muita coisa hoje, e São Miguel era a maior de todas as Reduções, do lado de cá, e esse conjunto todo, que nunca dá para gente esquecer, São Miguel é muito mais do que aquele lugar que nós visitamos. São Miguel, vai desde o Rio Ijuí até o Rio Negro lá no Uruguai, tem 500 km de linha a sua estância jesuítica. Então era algo gigante, há um milhão de cabeças de gado. Então ali se fez um dos maiores projetos que a humanidade já fez, tirando um povo do neolítico, e colocando eles em poucos anos no melhor do Barroco europeu daquele período.”
Um grande caminho de peregrinação na América
É possível traçar um perfil de quem percorre o Caminho das Missões, e mesmo do visitante que é atraído pela história, pela riqueza dessa região?
“O Caminho das Missões tem, obviamente São Paulo, capital e interior são os dois maiores emissivos de turismo do Brasil. Muita gente também do Paraná, Santa Catarina, o Rio Grande do Sul tem 11 milhões de habitantes, o Brasil tem 211 milhões de habitantes, então o núcleo brasileiro é muito importante. Na pandemia, agora, é quem tá andando. Não está vindo gente de fora. Mas nós também temos caminhantes, por exemplo, de gente que vem da própria Espanha – nós temos uma relação muito íntima aqui nas Missões com a Espanha – eu mesmo agora antes da pandemia fiz uma palestra em Madri, convidado por Fundações que nós temos relação. Nós temos também uma relação muito íntima, inclusive um convênio de irmanamento, com Múrcia, com Caravaca de la Cruz, na Espanha, que é a Cruz missioneira. A nossa é a Cruz de Caravaca, que é um dos cinco lugares santos do mundo. Então é muito importante essa relação, vem gente, turistas desses lugares, mas também muitos franceses, aliás, é com os franceses que eu abri os olhos que nós tínhamos uma história importante. Eu vejo que – isso tô falando de 30 anos atrás – com a visita dos franceses eles contavam maravilhas sobre os acontecimentos nos nossos lugares aqui. Aliás, os franceses, esse ano, é o ano dos 200 anos da presença do Saint-Hilaire aqui, que é outro tema magnífico. O Saint-Hilaire ele visita em 1820-21 toda essa macrorregião. Ele é o botânico que registra a Ilex paraguariensis, que é a erva-mate, então daqui alguns dias nós teremos eventos também sobre os 200 anos do Saint-Hilaire nas Missões.
Então isso tudo mostra que sempre fomos importantes, e também para esse mundo europeu. Por exemplo, as coisas que foram escritas pelo Muratori, por Charlevau, e que fizeram todo o encantamentos dos filósofos nos anos 1800 aí Europa, isso ainda hoje reflete como, obviamente, o The Mission, o filme, também é muito importante, vindo gente dos mais diversos países. Então nós recebemos, sendo mais específico na tua pergunta, nós recebemos gente de todo mundo. Mas obviamente muito mais do Brasil, pela proximidade, e temos um número muito grande de capacidade emissiva dentro do país, e então a gente quer abrir, obviamente, para outros países. Os argentinos que estão do nosso lado vêm muito para cá, o pessoal do Uruguai agora tem começado a vir em grande número para cá também, o Paraguai redescobre, por exemplo, o Caaró, que é o local da morte do seu Santo, o Roque Gonzáles tinha nascido em Assunción, e eu mesmo tenho ido muito lá fazer palestras, na própria Embaixada do Brasil, a gente tem utilizado muito no sentido de que o Paraguai também se conscientize da nossa irmandade e que o povo missioneiro, a maioria é descendente dos guaranis, e os guaranis lá são base genética fundamental, a língua do Paraguai ainda é uma das duas línguas, o espanhol e o guarani, então tem tudo a ver com os irmãos perdidos do lado de cá, eu digo para eles. Então isso tudo então faz essa clientela que tem vindo e que nós precisamos divulgar. Então quanto mais se divulga, mais vem gente, agora com as redes sociais, facilitou muito essa questão da promoção. Então estamos buscando e queremos cada vez mais nos tornar esse grande caminho de peregrinação na América, aqui Missões, integrando especialmente a parte de Missões Brasil, Argentina e Paraguai.”
Olhar para o passado para uma ação no presente
O que tem sido feito e o que ainda se pode fazer para tornar esse patrimônio ainda mais conhecido?
“Eu vejo que tem muito a fazer. Eu sempre penso como teremos os pesquisadores daqui a 500 anos. Todo esse conjunto de edículas, de construções, cercamentos. Nós temos cercas, por exemplo, do período jesuítico, construídas de pedras, em todo o território, não só aqui da parte brasileira, mas no Uruguai com as estâncias, as estâncias iam até a metade do Uruguai, as jesuíticas-guarani iam até lá, aqui na parte de Corrientes, em Missiones Argentina, a mesma coisa no Paraguai, em Itapua e Missiones.
Então, nós temos um conjunto imenso de coisas e que eu acho que cada vez mais vai ser pesquisada. Por exemplo, essa descoberta de ontem lá, daquela imagem missioneira [escultura de São Martinho, em cedro], magnífica, uma das coisas mais lindas que eu já vi! Então aos poucos vamos descobrindo isso. Eu vejo, obviamente, que precisaríamos de políticas públicas mais efetivas, financiamentos mais efetivos, mas também ver as Universidades mais efetivas também nesses projetos todos, o conjunto de arqueólogos, arquitetos, engenheiros trabalhando nesse processo todo e isso vai acontecendo com a conscientização da sociedade.
É sempre importante lembrar que tudo foi feito para esquecer desse passado. Não se falou disso. Por quê? Porque tem pecados homéricos europeus, na chegada dos europeus aqui. A morte de milhares e milhares e milhares de índios. A América matou 70 milhões de índios entre os “descobrimentos”, a ocupação lá, e até o 1900. Então é um mundo de história muito ruim que aconteceu na América. Então, todavia, é preciso fazer isso que Cristo disse: pedir perdão pelos erros do passado, mas também construir políticas públicas para os descendentes.
Eu repito: os pobres da América ou são descendentes de índios ou descendente de negros. Então é preciso políticas públicas efetivas diretas para melhorar as condições de educação, de empregabilidade e tudo mais, para essa nossa gente mais pobre. E isso tudo, veja, que quando fala de Missões, aqui é o lugar para gente falar dessas coisas todas. Então, o futuro da pesquisa, o futuro das ações políticas, mesmo de ações diretas cristãs para melhor qualidade de vida dessa nossa gente toda, obviamente que tem que estar dentro desse planejamento de um mundo melhor que todos nós sonhamos, dessa capacidade de termos um tempo melhor no nosso planeta.”
O legado
Qual o legado dessa história, desse projeto, que durou um século e meio?
“Veja a grandiosidade do que nós estamos falando. Nós temos sete Patrimônios Culturais da humanidade: São Miguel, aqui na parte brasileira – que foi uma decisão também do Iphan de só escolher São Miguel para o pedido – na parte Argentina nós temos quatro: San Inazio Miní, que é a mais conhecida, depois Loreto, Santana e Santa Maria Maior. E no Paraguai nós temos Trinidad e Jesus. Então são sete Patrimônios Culturais da humanidade, missioneiros, e além, obviamente, de um conjunto de patrimônios nacionais. Nós aqui temos São João Batista, São Lourenço, São Nicolau e o conjunto das cidades que ficaram, como Santo Ângelo e São Borja, São Luiz Gonzaga, que são cidades aonde tem um conjunto imenso de patrimônio tangível nos seus museus, na arqueologia que tá ali em todo o centro dessas cidades, a praça central ainda é a mesma Praça missioneira em todos os lugares e um conjunto imenso de, digamos, novidades para nós hoje, que é isso que a gente está buscando, que é isso que a gente fez agora nesses dias, que é buscar as estâncias que tinham coisas maravilhosas, capelas, estruturas imensas em cada um dos lugares, curatos, como por exemplo, Santo Antônio Novo, onde é Lavras Sul, ali um pouquinho para cima de Bagé.
Então há um conjunto imenso de estruturas, a cultura dessa nossa gente toda, por exemplo, o Rio Grande do Sul, essa cultura “tchê” que a gente tem aqui, a base dela é o gado do padre Aureliano de Mendonça, que é o introdutor do gado no Rio Grande do Sul em 1634, e que fez toda cultura econômica do Estado: as estâncias, as charqueadas, as fazendas, o tropeirismo que uniu o Brasil desde essa região Sul até São Paulo, que era onde se comercializava o gado, e os animais cavalares também, e depois isso ia para Minas, para a Bahia para o Nordeste, então as mulas que iam até o nordeste. Então veja que a cultura, quando a gente aprofunda os estudos, você vê que a cultura do Rio Grande do Sul, especialmente, ela é toda baseada no projeto jesuítico-guarani. O conjunto das estâncias – por exemplo, ano passado, encontramos uma cruz missioneira em São José dos Ausentes, já olhando para o mar, lá em cima, e agora apareceram novos mapas, encontramos eles em diversos museus do mundo aonde, por exemplo, o Herval de Santo Ângelo era lá no alto da Serra, ali pertinho de São José dos Ausentes, do lado do Caí e aqueles rios que correm ali para Porto Alegre.
Então, o que ficou? Ficou o jeito de ser das pessoas, ficou a cultura econômica da pecuária – esse jeito que eu chamo de “tchê” do Rio Grande do Sul, assim esse jeito nosso ligado às tradições todas – tudo isso inicia – o primeiro gado, o primeiro cavalo, a primeira ovelha – tudo nasce nas Missões, a erva-mate que é uma economia de toda essa grande macrorregião da América, a base fundamental da cultura guarani, e que passa para todos os europeus que chegaram – hoje Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, e tomando conta do Brasil agora, por exemplo, o chimarrão, o mate – então, são culturas fundamentais que nasceram desse mesmo projeto, além, obviamente, da genética, fundamental do povo brasileiro, de nós aqui no Rio Grande do Sul, a base central da genética é o mundo nativo, não só dos guaranis, mas charrúas, minuanos, guenoas, caguas, e tantas outras nações que nós tínhamos nesse nosso macroambiente, são fundamentais para entender o nosso – o que os guaranis chamam Ñde reko – o nosso modo de ser, o nosso jeito de ser.”
Uma experiência de 160 anos de fraternidade que pode ser repetida
Uma consideração final…
“Eu quero primeiro agradecer, imagino que essa conversa possa dar diversos programas, e agradecer e dizer que para as nossas humanidades, as Missões têm algo para oferecer ao mundo novo que o cristianismo sonha construir, e viver de verdade. As Missões têm a ideia da Fraternidade, dos direitos iguais, de uma humanidade plena – isso que o Papa Francisco tem e que é jesuíta, todo mundo sabe, e que tem no centro da sua fala, exatamente aquele projeto de um mundo melhor, de um mundo mais igual, das pessoas se amando, das pessoas tendo atenção umas às outras. Isso se viveu durante 160 anos aqui nas Missões. E essa experiência rediviva ela pode ser repetida no momento que a humanidade quiser. Tudo o que precisa, é de crer num Cristo de verdade. E aqui se viveu isso mais de um século e meio.”
Para maiores informações sobre o “Caminho das Missões” acesse o site: https://www.caminhodasmissoes.com.br ou contacte pelo whatsapp +55 55 98405-8528
Também no Sítio Histórico São Miguel Arcanjo é realizado o Projeto Som e Luz Missões, uma narrativa de 48 minutos, que é uma verdadeira viagem no tempo, em que é mostrado um pouco do cotidiano, da política, da arte, da guerra e da fé de uma sociedade que vivenciou um desenvolvimento harmonioso, baseado em relações sociais cooperativas. Além da língua portuguesa, o espetáculo também é apresentado em espanhol e inglês.
*José Roberto de Oliveira é de Santo Ângelo (RS), engenheiro de formação, na área da Topografia e Cartografia; foi por longo tempo docente na URI (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões); diretor de desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do Sul; um dos fundadores do Ministério do Turismo; criador em 2012, junto com os jesuítas, mais argentinos e paraguaios, da “Nação Missioneira”; foi criador do Circuito Internacional Missões Jesuíticas e representante brasileiro no Mercosul, também em função de seu envolvimento no tema das Missões. A revista Redalyc publicou seu artigo “Experiências Utópicas no Território Fronteiriço do Mercosul e as Alternativas de Sustentabilidade e Desenvolvimento para o Terceiro Milênio. Além do Desenvolvimento”.
Por:Jackson Erpen – Vatican News
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