O sol radiante brilha no horizonte de um mundo encoberto pelas sombras de uma grande tristeza. No início da tradição cristã, o sol, artisticamente retratado nos túmulos ou nas igrejas primitivas, se tornara o símbolo de Cristo Ressuscitado, o redentor vencedor da morte com a vida, do ódio com o amor. Este sol radiante – Cristo Ressuscitado – brilha luminoso no horizonte cristão deste tempo pascal. Um percurso litúrgico de cinquenta dias para oferecer o exercício da alegria aos que creem. As consequências humanitárias e existenciais do momento atual, com tantas injunções e pesadas consequências, particularmente aquelas que levam ao luto, ao agravamento de crises econômicas e políticas, estão pedindo uma ação terapêutica. Um tratamento para colocar, como canta o profeta Isaías, a alegria no lugar do luto, e no lugar das cinzas, o bálsamo da consolação. Não se busca algo paliativo, alívio passageiro, mas um revigoramento das forças, pois os pés estão cansados, os braços, enfraquecidos. E os corações padecem com sofrimentos, enfermidades e obscuridades. A humanidade precisa do pão e do remédio da alegria.
Muitas providências precisam ser efetivadas – mais celeridade no processo de vacinação, esperança para se vencer a pandemia, adequadas políticas públicas capazes de garantir a seguridade alimentar, pois é espantoso o número dos que hoje sofrem com a fome. São necessárias eficazes estratégias de organização socioeconômica e política que levem a um desenvolvimento integral, na contramão da atual lógica perversa do mercado. As urgências são muitas, demandam inteligência e olhar compassivo para provocar uma grande virada civilizatória. A gestação de um novo tempo depende também da dedicação para se procurar experimentar a genuína alegria, com o seu tônus vivificante. Obviamente, não pode ser uma alegria que combata a tristeza por meio da fuga da realidade. Não se trata ainda de simples sensação que é fruto da mesquinhez, do egoísmo e da indiferença em relação aos que clamam por socorro – os vulneráveis da Terra. E jamais deve ser uma alegria alienante, alcançada por meio do conforto que produz cegueira, medo de lutar ou pouca disponibilidade para produzir respostas proféticas – capazes de efetivar novas lógicas com sabor do Evangelho de Jesus Cristo.
A alegria indispensável existe para inundar e fecundar o coração humano, de todos os que se deixam iluminar por este Sol cuja luz é eternamente incandescente, aquece corações para a compaixão, brilha na inteligência orientada para o bem, emoldurada pelo princípio inegociável de que a vida está em primeiro lugar. Essa alegria é oferecida a partir do serviço essencial da Igreja de Cristo, dedicado à humanidade há mais de dois mil anos, como legislação de amor. Por sua origem divina, ultrapassa em tradição, reconhecimento e operação, qualquer definição de tribunais humanos. A alegria oferecida vai além dos limites próprios de decretos. Gera discernimento, permite reconhecer sempre que a vida está em primeiro lugar, o que leva equilíbrio a procedimentos e gestos, escolhas e ações. Sem essa sabedoria que nasce da alegria autêntica, a humanidade fica sem rumo. Produz uma nuvem escura de tristeza que prejudica a lucidez e o exercício da solidariedade.
A alegria necessária nasce sempre e unicamente do encontro com a pessoa de Cristo, crucificado e ressuscitado. Não se origina das posses acumuladas ou do sabor efêmero de muitas coisas. Vem do encontro com Aquele que muda toda pessoa. Quem busca essa proximidade deixa-se iluminar pela presença, pela palavra e pelo mistério do amor de Jesus. Importante recordar o apóstolo Paulo que, ao viver esse encontro, desceu do pedestal de sua soberba, redimensionou a sua importância, mesmo possuindo diferentes cidadanias, e fecundou a sua compreensão de modo construtivo. Transformado pelo encontro com Jesus, o apóstolo Paulo reconfigurou culturas e povos com a força do seu testemunho, mesmo em meio a perseguições e martírio.
Paulo sempre compreendeu a fé cristã como experiência da alegria. Dos 326 verbetes que designam alegria no Novo Testamento, 131 referências estão nas suas dez cartas. A alegria por estar em Cristo capacita para suportar a luta da vida, com suas adversidades em diferentes circunstâncias. É fruto do Espírito que produz alegre liberdade, com propriedade para enfrentar o sofrimento. Alimento da esperança – pão que sustenta o peregrino. A alegria pascal devolve serenidade aos corações, perspicácia à mente humana na busca de soluções humanitárias, disposição para o exercício da solidariedade, acalma espíritos belicosos, fecunda a cidadania e garante a sabedoria que vem do amor.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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