Neste tempo, há uma pergunta recorrente sobre o local onde se vai passar o Natal. As respostas indicam muitos lugares e diversificadas dinâmicas, incluindo viagens, ceias, ambientes festivos. Raríssima é a interrogação sobre o que se poderá renovar ou mudar com a força transformadora da celebração do Natal. A Festa guarda na sua interioridade um tesouro capaz de renovar a vida do ser humano, lições para reconfigurar as relações e restaurar o interior de cada pessoa, garantindo a habilidade essencial para o bem viver – arte que precisa inspirar a organização social e política, possibilitando à sociedade a seguir nos trilhos da fraternidade universal. Mas a oportunidade oferecida no tempo do Natal pode ser desperdiçada, reduzida às cores e às luzes que se espalham e piscam, aos banquetes e às outras circunstâncias que, quase sempre, tomam o lugar das dimensões essenciais da celebração. Uma perda triste quando são considerados os desafios que comprometem a fraternidade universal, a exemplo desta realidade em que muitos não têm o que comer, enquanto tantos outros, de modo indiferente, estão nas festas e confraternizações.
Quando há indiferença em relação aos que sofrem, os votos de “feliz Natal” se exaurem na demagogia de palavras que pouco significam e nada mudam, em um contexto que clama por transformações profundas e urgentes. A alegria do Natal vai além das sensações experimentadas, da simples congregação dos que entram na lista de convidados por afinidades e, até mesmo, por interesses. Na contramão de sensações passageiras, muitas produzindo ressacas, inclusive com comprometimentos físicos, a alegria do Natal é a dinâmica de um novo projeto de vida. Trata-se, pois, de uma experiência alicerçada em promessa fidedigna, somente encontrada quando se busca uma pessoa, aquele que tem a palavra capaz de desconcertar e interpelar, indicando o passo a passo que leva à vitória. Sabe-se, obviamente, tratar-se de Jesus Cristo, o Menino-Deus, o verbo de Deus encarnado, o Salvador do mundo que vem ao encontro da humanidade, pelo seio puríssimo da Virgem Maria.
Experimentam a alegria do Natal aqueles que buscam por Jesus. Essa experiência é renovada a cada ano quando acompanhada da sincera disponibilidade para aproximar-se do Mestre. Correm o risco de perder a oportunidade deste tempo aqueles que não o vivem adequadamente, por soberba ou simplesmente por terem se acomodado na vivência das festividades desta época do ano. Algo semelhante ocorre com os que se consideram religiosos, dominam ritualidades litúrgicas, informações sobre o presépio, mas somente enxergam repetições, as mesmas luzes e cores, não se deixando tocar pela palavra forte e os ensinamentos do Mestre de Nazaré. Não conquistam a alegria do Natal aqueles que o celebram fora da própria interioridade, um risco comum. É preciso, pois, constituir a manjedoura que acolhe Jesus dentro de si, o que significa admitir: a simplicidade de Deus é princípio determinante, não permitindo sofisticações que geram exclusões, discriminações e preconceitos, tão presentes em festas pautadas nas exterioridades e sob o domínio das aparências.
Celebrar adequadamente o Natal, vivendo a sua alegria, é contemplar a necessidade humana de conquistar genuína felicidade. Quando não se vive essa alegria, padece-se com um peso insuportável, muitas vezes tratado paliativamente com remédios, incapazes de levar a uma cura definitiva. Essa ausência de uma felicidade genuína pode alimentar indiferenças e mesquinhez a ponto de enjaular uma civilização na desorganização social, revelada no tratamento perverso dedicado aos pobres, nas manipulações para contemplar interesses egoístas, prejudicando o bem comum. Ao invés disso, a alegria do Natal bate fundo na alma, produz lucidez nova que inspira a compaixão, alavancando partilhas, entendimentos que intuem novos caminhos e produzem respostas novas para os desafios atuais.
Compreende-se a força do apelo próprio da fé cristã, quando se ouve: alegrai-vos sempre no Senhor. Bem diferente das sensações que facilmente seduzem o coração humano, alegrar-se sempre no Senhor garante a clarividência para compreender que o outro é irmão e irmã, que a construção de uma sociedade justa e solidária é tarefa cidadã de todos. A alegria do Natal será realidade abundante e inspiradora, enchendo corações da ternura que fortalece, quando se marchar para um novo êxodo, quando os pobres, com a língua seca de sede, parafraseando o profeta Isaías – o profeta da esperança – buscarem água e encontrá-la, e Deus rasgar córregos nas montanhas áridas, abrindo olhos d’água nas baixadas, transformando os desertos em brejo, a terra seca em minas de água. Esse milagre ocorre primeiramente naqueles que se deixam habitar por Deus – e são verdadeiramente habitação de Deus aqueles que exercem, constantemente, a solidariedade, cultivam adequada compreensão sobre o significado de viver bem, a coragem para defender os pobres, a determinação para efetivar novo estilo de vida, com respeito à casa comum. Quem faz do coração a manjedoura que acolhe o Menino-Jesus é protagonista na construção de um tempo novo que vem a partir do amor de Deus. Seja, pois, acolhido o convite para autenticamente viver a alegria do Natal.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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