Na jornada da vida que se vive a cada dia, somos mais do que meros observadores de fatos. Somos intérpretes ativos, decifradores de realidades ocultas.
O que se ouve nunca é, de fato, o que o fato é. Estava eu do outro lado da rua: por que era de se estar lá? Eu vi um homem alto, sorridente e comunicativo. Ele me viu e prontamente obtemperou: “me dê uma cesta básica!“ Eu vi um homem, ele viu sua necessidade. Valemos o que serve para as pessoas. Contemplei um homem na rua, um espírito resplandecente, uma centelha de humanidade. Vi sua súplica e sua humanidade transcendendo os limites físicos.
Utilidade, esta é a palavra. Se somos úteis aos outros, temos muito valor. Caso contrário, nosso valor seja tão somente o nosso valor. Eu vejo o meu valor em mim mesmo e no relacionamento com as pessoas. Poderia eu ter ouvido outra coisa: um bom dia, boa tarde ou boa noite. Qualquer saudação possível eu poderia ouvir, contudo eu escutei a necessidade do outro que, naquele momento, comunicava. A essência, todavia, de nossa existência é a utilidade que oferecemos aos outros. Em cada ação, em cada palavra, reside o potencial de servir, de fazer a diferença. A medida de nosso valor é a magnitude do bem que podemos proporcionar. Nosso significado se expande quando nossa utilidade alcança corações sedentos por conexão.
A fome comunicada com qualquer pessoa, cultura ou raça. E fome tem sua linguagem própria que consegue circulação entre as diferentes culturas e com bastante vigor ela se manifesta para quem busca saciar sua fome. Livre de ver tão somente o fato de que necessita, antes a carência faz do homem um ser que consegue utilizar do outro em benefício à sua sobrevivência. Na linguagem universal da necessidade, todos somos fluentes. A fome não é restrita a uma cultura ou raça, é a ânsia visceral por saciar uma carência que une a humanidade. Vemos, não apenas com os olhos, mas com a empatia que reside em nosso ser. Ao estender a mão, ao oferecer alimento, tornamo-nos parte da teia que nos conecta.
A vida é uma dança incessante, um movimento perpétuo. Nossa sobrevivência depende da sinfonia que criamos, da harmonia entre dar e receber. Cada dia é um ato na peça da existência, e a comida, a água, são os ritmos que nos impulsionam. Cada mordida é uma celebração da vida, cada gole é uma afirmação da nossa existência.
Se a palavra de ordem era utilidade, mais propriamente, ela ganha significado escuso na medida que entra em foco a vida, a qual exige dinamismo para se manter viva. O movimento que recai sobre a vida é aquele que dita o sabor de se viver mais um dia: comer, se alimentar com água e esperar que o próximo dia seja vivido com abundância é que faz cada homem se mover.
Contudo, não somos apenas criaturas movidas pela utilidade. Será que não? Vou seguir crendo que não! Somos dotados da capacidade de ver além da superfície, de reconhecer a doação que nos é feita. A verdadeira riqueza reside em nossa habilidade de perceber e agradecer, mesmo quando não somos vistos em retorno.
Eu vi um homem que ao receber sua cesta básica saiu caminhando, sem enxergar àquele que lhe doara. Mas, primeiramente ele não havia lhe enxergado porque apenas viu no outro a possibilidade de se saciar? Sua necessidade fora, de bom grado, sanada, contudo ainda assim não foi capaz de enxergar nem a ação de ganhar uns alimentos e nem mesmo de ver quem o presenteava, aquele que mesmo sem ser visto, consegue enxergar.
Neste vasto palco da existência, onde a vida parece ser um teatro de atores que ensinam a sobrevivência, cada um de nós tem um papel a desempenhar. Nossa atuação seja repleta de benevolência, de ensinamentos e de uma consciência que transcende o utilitário. Pois somente ao abraçar a essência de nossa humanidade, seremos capazes de criar uma sinfonia eterna de compaixão e entendimento mútuo.
Assim a visão deste fato se torna muito clara e objetiva a respeito da conclusão que se possa ter: a) o fato é irrelevante quando não se tem objetividade no que se busca; b) a utilidade para sempre será útil para quem busca; c) à fome será constantemente a busca pela saciedade; d) o movimento da vida será sempre defendê-la da morte e, por última, e) a pessoa enxerga sua necessidade. Eu vi, contudo, a necessidade de acrescentar mais um ponto, o ponto “d”: aquela pessoa não foi capaz de vê o outro não por causa destes aforismos elencados, mas porque, não é educada. Então, se uma pessoa não é educada não tenho condições de cobrar dela educação, pois só podemos dar às pessoas o que temos. Dei a cesta básica, pois dela eu tinha posse. Nesse intricado tecido da vida, o verdadeiro desafio é cultivar a virtude da educação. Aquele que não enxergou não foi cego, mas carente de aprendizado, assim eu penso. É nossa missão, não apenas fornecer cestas básicas, mas nutrir mentes e corações com compreensão e respeito. A verdadeira dádiva é não apenas a oferta material, mas o conhecimento compartilhado. Partilho com você esta história, a qual pode ser compartilhada com tantas outras pessoas, sem que, por fim, ela não seja apenas uma história, mas o reflexo da sociedade em que vivemos.
Texto e foto: Padre Joacir d’Abadia, Filósofo e autor de 17 obras
Segue aí: https://www.instagram.com/padrejoacirdabadia/
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