DOM JOSÉ EDSON SANTANA OLIVEIRA
Por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica
Bispo Diocesano de Eunápolis(BA)
525 ANOS DA EVANGELIZAÇÃO NO BRASIL –
Aos diletíssimos fiéis diocesanos,
Nesta oitava catequese, meditemos sobre o Sábado Santo, a Vigília Pascal e a Cruz da Primeira Missa que está no Brasil e o dia de hoje dedicado aos povos originários. O Tríduo Sacro, ápice do ano litúrgico, é identificado pelos Padres da Igreja como o coração da fé cristã; seu início se dá com a Santa Missa vespertina da Ceia do Senhor e termina com as Vésperas do Domingo da Ressurreição. Ao celebrar a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, vivemos a profunda experiência espiritual do mistério da redenção humana.
No Sábado Santo, ponto mais radical da kenosis (Cristo esvazia-se de sua glória divina para assumir plenamente a condição humana), a Igreja vive um dia de silêncio e oração contemplativa, porque o Senhor Jesus repousa no sepulcro. Santo Agostinho o compreende como “o grande silêncio”, uma pausa divina que prefigura o repouso eterno. No Sábado Santo Cristo opera a máxima solidariedade divina com a condição humana decaída. O silêncio do Sábado é o ápice do amor oblativo de Cristo, que experimenta a separação total, sem cessar de ser o Logos encarnado. Nas palavras do Papa Bento XVI, o Sábado Santo é a “zona limítrofe” entre o tempo e a eternidade. Cristo não deixou de vigiar nem de continuar operante, mas desceu até onde o aguardam todos aqueles que acreditaram em Deus e viveram na esperança da vinda do Redentor. A Igreja permanece em vigília junto ao sepulcro do Senhor.
A Vigília Pascal, a mais solene das celebrações, para São Cirilo de Jerusalém é a mãe de todas as vigílias; para Santo Agostinho, está estreitamente conectada com o Domingo da Páscoa e a Ressurreição do Senhor. Contemplemos, no exercício da esperança, a maior de todas as vigílias da Igreja: a vida que brota da Vida; a noite em que o Céu se une à Terra; a noite mais clara que o dia; a noite que não conhece as trevas. São João Crisóstomo, na famosa Homilia Pascal, utilizando 1Cor 15,55 proclama: “Onde está, ó morte, a tua vitória?”. Nesta Vigília, a liturgia é vivida como passagem das trevas à luz, das águas à vida nova, da escravidão à liberdade, atualização sacramental da Páscoa de Cristo, novo Êxodo, novo Gênesis.
É salutar recordarmos a atual reflexão do teólogo suíço Hans Urs von Balthasar, que fez uma exaustiva pesquisa sobre o mistério da Encarnação, vendo o triduum paschale como a forma mais expressiva da penetração de Deus na história do homem. A realidade da fé encontra a sua beleza insuperável no drama do mistério pascal, onde von Balthasar concluiu que Deus viveu plenamente o fazer-se homem. O Mysterium Paschale não é apenas memória, é participação real no movimento descendente e ascendente do Cristo: do abandono na morte, ao silêncio do sepulcro, à explosão de vida. A Vigília é, assim, a irrupção da eternidade no tempo, quando o Cristo ressuscitado emerge não só do túmulo, mas das profundezas da existência humana.
A antífona pascal Regina Caeli (Rainha do Céu), provavelmente do século XI, associa o Mistério da Encarnação do Senhor ao solene evento pascal que hoje celebramos com grande júbilo. De fato, a referida antífona nos convida à alegria que irradia da Ressurreição do Filho da Virgem Maria. A coleção de hagiografias Legenda Áurea, ao tratar do Papa São Gregório Magno (590–604), responsável pela reforma litúrgica que fixou os cantos utilizados nas Missas e no Ofício Divino (o chamado canto gregoriano), narra que, durante uma procissão para pôr fim a uma praga em Roma, o Papa ouviu vozes angelicais entoando os três primeiros versos da Regina Caeli, enquanto recitava orações à Virgem Maria. A Tradição sustenta que o Papa teria recebido inspiração direta do Espírito Santo para compor as melodias.
A composição da antífona Regina Caeli é uma peça de arte da eucologia, de profundo conteúdo teológico-mariano e de uma precisão perfeitamente exata, que inspira e conduz o coração a Deus, remetendo-nos a um ambiente de abertura, escuta, meditação e diálogo com o Senhor. Regína Cæli, lætáre, alleluia — Rainha do Céu, alegrai-vos, aleluia. Um convite à alegria, dirigido à Virgem Maria, em seu amor de Mãe. Quia quem meruísti portáre, alleluia — Porque aquele que merecestes trazer em vosso seio, aleluia. O Verbo de Deus encarnado por meio de ti. Resurréxit, sicut dixit, alleluia — Ressuscitou, como disse, aleluia. Ressuscitou, conforme prometera em suas palavras de salvação. Ora pro nobis Deum, alleluia — Rogai a Deus por nós, aleluia. Intercedei por nós junto a Deus, ó Maria, em vossa proximidade com Ele. Gaude et lætáre, Virgo Maria, alleluia — Exultai e alegrai-vos, ó Virgem Maria, aleluia. Uma nova exortação à alegria e à proclamação de louvores. Quia surréxit Dóminus vere, alleluia — Porque o Senhor ressuscitou verdadeiramente, aleluia. Eis o motivo da alegria: a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A Cruz original da Primeira Missa no Brasil, que está guardada no Museu do Tesouro da Sé de Braga, em Portugal, chegou ao Brasil no dia 15 e fará uma peregrinação por doze cidades brasileiras, estreitando os laços entre as duas nações, Brasil e Portugal, e reacendendo a chama viva da nossa esperança, inseridos no Jubileu Diocesano dos 525 anos e no Grande Jubileu da Igreja: o Jubileu da Esperança. Em nome da nossa fé na Eucaristia e do tesouro vivo do anúncio do Evangelho em nossas terras, buscamos viver a experiência do amor que nos une, para que possamos alcançar dias melhores. A Cruz, enquanto objeto físico, é o sinal visível da nossa redenção. Por meio da contemplação da Cruz, nossa inteligência nos permite adorar o Mistério da Cruz de Jesus, em razão d’Aquele que nela morreu por nós.
A Cruz da Primeira Missa estará no altar da Solene Eucaristia do dia 26 de abril, em Coroa Vermelha, e todos nós, ao olharmos para essa pequenina Cruz, aprenderemos que amar é doar-se até o fim, e que a dor, unida a Cristo, transforma-se em redenção. Aos pés da Cruz esteve Maria Santíssima. Ela não foi apenas espectadora: Maria foi coparticipante do sacrifício de Cristo. Sofreu com o Filho e por Ele. Por isso, é chamada de Mãe e Mártir, pois sua dor não foi no corpo, mas na alma, ao ver o Filho inocente morrer de forma cruel. Ela é a Mãe que ofereceu o próprio coração em união com a Cruz. Ao contemplarmos a Cruz, contemplemos também a imagem de Nossa Senhora da Esperança, que alimenta a nossa fé e, no silêncio eloquente, revela uma fé madura, fortaleza interior e abandono à vontade de Deus, mesmo na escuridão do sofrimento. Hoje, Nossa Senhora nos motiva a reacender a chama viva da nossa esperança.
Com especial atenção dedicamos nossa oração de ação de graças e homenagem aos povos originários do Brasil celebrados neste 19 de abril. Seus ancestrais foram os primeiros habitantes do território que hoje chamamos Brasil. Estavam aqui quando chegaram os portugueses e participaram daquela Primeira Missa. Nossos irmãos e irmãs indígenas, assim como ocorreu em outras partes do mundo, acolheram o colonizador e sofreram os impactos, nem sempre pacíficos, do choque entre culturas e da subalternização vivida por sociedades simples diante de sociedades complexas. Nossos povos originários remetem à memória constitutiva da nação brasileira, às tradições ancestrais e aos valores que nos formam enquanto povo.
Faltam apenas sete dias para a celebração do Grande Jubileu dos 525 anos da Primeira Missa e do início da Evangelização no Brasil. Alegremo-nos no Senhor e abramos o coração e a mente para acolher, na alegria do Senhor, as graças que Ele deseja derramar sobre nossas vidas. Sigamos com alegria para a grande festa da Eucaristia e do anúncio do Evangelho, animados pela esperança e sob a proteção de Nossa Senhora da Esperança. Deus abençoe a todos!
Feliz Páscoa!
Eunápolis, 19 de abril de 2025,
+ José Edson Santana Oliveira
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