O mistério celebrado na Páscoa é uma reserva de amor. O amor inesgotável de Deus Pai para salvar a humanidade, pela oferta do seu filho, Cristo Jesus, que na cruz derrama o seu sangue redentor, morre e ressuscita. A força mística deste acontecimento guarda o tesouro da fé, professada e testemunhada. Assim, já não é mais simbólico, mas uma realidade, que de modo existencial encharca a alma da graça do amor de Deus. Trata-se de um mistério tão profundo e inesgotável que os crentes n’Ele, Cristo Jesus, depois do Tríduo Pascal, o celebram, alegre e esperançosamente, durante cinquenta dias. Esse é um tempo oportuno para se conhecer o grande mistério do amor, com a mística da iluminação. Um tempo que acende nova compreensão e impulsiona a força transformadora da ressurreição, mudando vidas, clareando conceitos e entendimentos, alimentando um novo modo de ser e de viver a cidadania civil, comprometida com a verdade e a paz, emoldurada pela cidadania do Reino de Deus. O caminho ganha nova luz e o seguimento a Jesus dá o sabor do seu Evangelho a tudo o que se fala e se vive, se escolhe e se testemunha.
As interpelações pascais, como resposta de vida, impulsionam lutas proféticas com força de transformação interior e nas atitudes, caminhando para o Reino de Deus, meta definitiva da existência humana. A experiência pascal faz nascer interpelações que são a comprovação da autêntica experiência de morrer com Cristo e com Ele ressuscitar, vencendo a morte pela vida plena e o ódio pela força do amor misericordioso. As interpelações pascais são consequências da autenticidade da experiência de crer, como um selo de qualidade e comprovação da condição de discípulo no seguimento do Ressuscitado. Essas interpelações pascais remetem ao compromisso de viver com a força profética da transformação, produzindo novas respostas. Assim, nascem convicções e propósitos, a exemplo do princípio de não se deixar vencer pelo mal, antes, vencer o mal com o bem – não há outro caminho para a almejada e urgida paz mundial nas sociedades e nos corações.
Fazer o bem, certo sempre de que é o bem o grande promotor da paz. Esta prática é determinante para vencer a multiplicação da vingança, por razões maiores ou irrisórias, o que alimenta violências de todos os tipos, responsáveis pela desfiguração e negação da dignidade maior e mais importante, a dignidade humana dos filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs uns dos outros. Essa é uma conquista a ser garantida por meio de longa e árdua batalha, que não se deixa desanimar por se sustentar em uma força sobrenatural, que surge da fonte inesgotável do mistério da Páscoa.
Celebrar e vivenciar o tempo pascal é aprender, pela força da graça de Deus, a gramática do amor, que combate a multiplicada e perigosa manifestação social e política do mal. A Páscoa é, pois, a vitória definitiva do bem, a ser alcançada pelo patrimônio de valores morais. A Páscoa vivida faz nascer o bem moral, alicerçado na experiência luminosa do amor a Deus. O amor maior revelado em Cristo Ressuscitado tem incidência místico-profética para produzir a política melhor, aquela que não visa apenas salvaguardar os interesses de alguns indivíduos e grupos. As virtudes mostradas pelas interpelações pascais, pela Palavra de Deus, têm propriedades para combater e vencer os vícios da política, corrigindo distorções nas instituições e no meio ambiente. O encontro, o encantamento por Cristo Ressuscitado, faz brotar nos corações o espírito de misericórdia, um olhar de amor que dissipa a venenosa indiferença, especialmente para com os pobres, impedindo a escuta dos clamores dos sofredores, com consequente perda de sensibilidade para sustentar uma ordem, capaz de garantir a justiça.
O tempo pascal também desperta o sentido de pertencimento comunitário como alicerce para fazer de cada família uma comunidade de paz. Por aí se encontra a nascente da indispensável solidariedade e sentido de colaboração e cuidados, como convém aos membros de uma mesma família humana. Nesta direção, como interpelação pascal, é preciso compreender-se como ser humano, coração da paz. Vale, de novo, avaliar a gramática do próprio coração, aquela inscrita por Deus, resgatada pelo sangue redentor derramado no alto da cruz como sacrifício de expiação e salvação.
As interpelações pascais possibilitam aproximar-se mais do amor de Deus. O Cristo Ressuscitado é a verdade, único alicerce para a paz, formando obreiros incansáveis nessa construção. A Páscoa é o grande convite para recomeçar, para se alcançar a almejada convivência pacífica assentada na justiça. A Páscoa é um rosário de interpelações, mostrando a singularidade do encontro com Cristo Ressuscitado, renovando corações sobre a importância e o caminho para um novo tempo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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