“Juntamente com os Bispos deste país, renovo o meu pedido de perdão pelo mal cometido por tantos cristãos contra as populações indígenas. É trágico quando crentes, como sucedeu naquele período histórico, se adequam mais às conveniências do mundo do que ao Evangelho”: disse com veemência o Papa Francisco na Citadelle do Québec, residência oficial do Governador Geral do Canadá, no encontro com as autoridades civis, os representantes das populações indígenas e o corpo diplomático.
Esta quarta-feira, 27 de julho, o Santo Padre deixou Edmonton, onde se encontrava desde domingo, transferindo-se para a cidade de Québec, capital do Québec, segunda etapa em terras canadenses desta sua 37ª Viagem Apostólica Internacional.
Francisco iniciou seu discurso evidenciando o fato de o Canadá ser um grande país, que de “mar a mar” oferece um patrimônio natural extraordinário, em particular, as espetaculares florestas de aceráceas, cuja folha, símbolo por excelência destas terras, se tornou o emblema que sobressai na bandeira do país.
Expressão de vergonha e pesar do Santo Padre
“As grandes folhas de acerácea, que absorvem ar poluído e restituem oxigênio, convidam a maravilhar-nos com a beleza da criação e deixar-nos atrair pelos saudáveis valores presentes nas culturas indígenas: estes servem de inspiração para todos nós e podem contribuir para sanar o hábito nocivo de explorar. Explorar, além da criação, também as relações e o tempo, e regular a atividade humana apenas com base na utilidade e no lucro”, disse o Pontífice.
“Todavia estes ensinamentos vitais foram violentamente combatidos no passado. Penso sobretudo nas políticas de assimilação e alforria, incluindo também o sistema escolar residencial, que prejudicou muitas famílias indígenas, minando a sua língua, cultura e visão de mundo. Naquele deplorável sistema promovido pelas autoridades governamentais da época, que separou tantas crianças das suas famílias, estiveram envolvidas várias instituições católicas locais; exprimo vergonha e pesar por isso”, reiterou.
Encontro em Roma, trabalhar pela cura e reconciliação
“Se a fé cristã desempenhou um papel essencial na modelação dos ideais mais elevados do Canadá, que se caraterizam pelo desejo de construir um país melhor para todo o seu povo, é necessário – admitindo as próprias culpas – empenhar-se juntos na realização daquilo que sei que todos vós compartilhais: promover os direitos legítimos das populações nativas e favorecer processos de cura e reconciliação entre elas e os não indígenas do país. Isto reflete-se no vosso empenho por responder adequadamente aos apelos da Comissão em prol da Verdade e da Reconciliação, bem como na solicitude em reconhecer os direitos dos povos indígenas”, continuou o Papa.
Referindo-se ao processo de cura e reconciliação sobre o qual tem insistido, em consonância com o lema desta sua viagem apostólica ao Canadá “Caminhar juntos”, Francisco disse estar “verdadeiramente grato por ter encontrado e ouvido vários representantes das populações indígenas nos meses passados em Roma, e poder reforçar aqui, no Canadá – enfatizou -, as boas relações estabelecidas com eles. Os momentos que vivemos juntos deixaram marcas em mim, nomeadamente o firme desejo de dar seguimento à indignação e à vergonha pelos sofrimentos suportados pelos indígenas, levando por diante um caminho fraterno e paciente com todos os canadianos segundo a verdade e a justiça, trabalhando pela cura e a reconciliação, sempre animados pela esperança”.
O valor da família e as ameaças que recaem sobre ela
Tomando a imagem da ramagem frondosa e multicolorida das aceráceas, o Santo Padre destacou que ela nos lembra “a importância do conjunto, de construir comunidades humanas não uniformizadas, mas realmente abertas e inclusivas”, para em seguida evocar o valor da família e as ameaças que recaem sobre ela.
“Como cada folha é fundamental para enriquecer a ramagem, assim também cada família, célula essencial da sociedade, há de ser valorizada, porque ‘o futuro da humanidade passa pela família’. É a primeira realidade social concreta, mas está ameaçada por muitos fatores: violência doméstica, frenesia do trabalho, mentalidade individualista, carreirismo desenfreado, desemprego, solidão dos jovens, abandono dos idosos e dos enfermos… As populações indígenas têm tanto para nos ensinar sobre a guarda e a tutela da família, onde se aprende, já desde criança, a reconhecer o que está certo e o que é errado, dizer a verdade, partilhar, corrigir os erros, recomeçar, animar-se, reconciliar-se. Que o mal sofrido pelos povos indígenas nos sirva hoje de alerta, para que o cuidado e os direitos da família não sejam postos de lado em nome de eventuais exigências produtivas e interesses individuais”, advertiu.
Francisco insistiu sobre as folhas de acerácea para ressaltar que nos tempos de guerra, os soldados usavam-nas como ligaduras e medicamentos para as feridas.
A loucura insensta da guerra, curar as feridas do ódio
“Hoje, face à loucura insensata da guerra, precisamos novamente de lenir os extremismos da contraposição e curar as feridas do ódio”, disse Francisco, acrescentando que “não precisamos de dividir o mundo em amigos e inimigos, manter as distâncias e voltar a armar-nos até aos dentes: não serão as corridas aos armamentos e as estratégias de dissuasão que trarão paz e segurança. Não há necessidade de perguntar-se como continuar as guerras, mas como pará-las. Há necessidade de impedir que os povos voltem a ser reféns da trituração de espaventosas guerras frias alargadas. Há necessidade de políticas criativas e clarividentes, que saibam sair dos esquemas de parte para dar resposta aos desafios globais”.
O Santo Padre lembrou que “os grandes desafios de hoje, como a paz, as alterações climáticas, os efeitos da pandemia e as migrações internacionais têm em comum uma constante: são globais, afetam a todos”. Antes de concluir, destacou que é preciso valorizar os desejos de fraternidade, justiça e paz das jovens gerações, que é preciso também trabalhar para superar a retórica do medo a respeito dos imigrantes e dar-lhes a possibilidade concreta de se envolverem responsavelmente na sociedade. E “para se conseguir isto – enfatizou –, são indispensáveis os direitos e a democracia”. Trabalhando juntos, de comum acordo, é que se enfrentam os prementes desafios de hoje, finalizou o Papa.
Raimundo de Lima – Vatican News
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