O silêncio é uma fala que diz ao seu tempo. Uma promessa realizada no presente da experiência humana, uma vez que pela experiência se faz e dá uma resposta convicta ao dom do silêncio. É uma resposta sem empecilho, sem resistir ao encontro que ela propicia na vida do povo.
Diante do silêncio, o que me ronda são as trevas, conflitos, abandono da minha alma e muita, muita tristeza, mas, enfim, dada diante desse grande conflito em que a minha alma está permeada, eu encontro ainda força diante desse grande mistério e sabedoria que é o silêncio. No entanto, mesmo que o meu coração deseje acalentar desta paz, ainda dentro de mim meus pensamentos aos poucos voam a galope em busca da tristeza que envolve também o meu espírito. Por sua vez, diante do mistério do silêncio, o coração se agita em profunda angústia.
Não apenas uma angústia passageira, mas uma angústia que deseja prevalecer, mesmo desejando que essa angústia saia do fundo do meu coração, ela ainda prevalece como desejo desse barulho, dessa loucura externa. Os pensamentos também barulham muito porque nem sempre são pensamentos nítidos, coerentes. Vez por outra, eu me pego pensando em realidade, as quais meu coração não desejava pensar e meu tempo também não a deseja permanecer nesses pensamentos.
O tempo que me resta para viver a paz deste silêncio se torna muito escuso, uma vez que é difícil permanecer com a força que ronda o meu interior, mas diante de um grande mistério, eu afirmo, com toda certeza, mesmo que meu coração não consiga silenciar na profundidade que a alma deseja, esse silêncio é o que vale recordar. Porque não é apenas um silêncio de não gritar, de não falar nada, mas é que com o silêncio interno, você pode estar no meio de uma multidão de pessoas, uma chusma de gente, mas ali também pode ter um silêncio, pode existir uma entrega de confiança de si mesmo. Não se pode imaginar um coração que não volte para o silêncio que possa encontrar a contemplação desse grande mistério que nós chamamos de o “grande ausente”, o silêncio. O grande ausente, o silêncio, está faltando no interior do ser humano.
O meio em que a humanidade habita está faltando o silêncio. Na vida das pessoas que trabalham, desde os simples cargos até os mais elevados, todos vivem cercados pelo barulho, o que mexe com o nosso interior.
Imagine viver sem experiência do sagrado, viver sem a presença de Deus, viver sem encontrar-nos com o Cristo que se ofereceu por cada um de nós! O seu oferecimento foi de grito de misericórdia, o sofrimento foi de entrega.
Quando o Cristo, do alto da cruz, disse: “Eli, Eli, Lemá sabachtáni?”, isto é, “Meu Deus, Meu Deus por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Foi um grito que também é um grande silêncio da humanidade. Jesus silencia a humanidade com seu grito, levando cada pessoa a contemplar o seu grande mistério de silêncio que grita esse grande abandono, uma verdadeira solidão.
O silêncio também nos conduz a uma solidão, não uma solidão na qual nós nos encontramos sozinhos. Não, jamais! Dessa forma não tem como mais se ter uma solidão na qual nós nos encontramos envolvidos. Silenciamos para ficarmos sozinhos, porém com aquela solidão de encontro. Encontramos com a palavra de Deus que fortalece e que transforma o nosso íntimo, nosso coração, e que faz com que tenhamos essa alegria em viver.
O grito de Cristo na cruz é um grito de confiança, mas também abandono que a cruz oferece, o silêncio que grita.
Dentro de cada um de nós, depois do grito de Cristo, também podemos gritar: “tudo está consumado!” Ou seja, o ausente ali contemplar o mistério, assim o silêncio é abarcado por aquela consumação já não precisa de mais nada, o Cristo que se oferece como vítima, como sacrifício para reparar as almas, unidade a Ele que optam ainda pelo barulho que causa o silêncio da cruz.
Na cruz está a entrega de uma alma que grita abandonada, mas que confia toda sua entrega nas mãos do Pai: “tudo está consumado!” Eis aí o silêncio, o qual não se precisa de mais nada agora, só esperar brotar da terra o grande clamor da humanidade e divindade do Cristo que ressuscita quebrando, assim, o silêncio das trevas e dando ao homem alegria de viver. Mesmo sabendo que o homem vive permeado pelo pecado, Cristo o eleva para sua glória. Cristo agora se faz presente não mais com o silêncio que aprisiona, mas agora o silêncio que resgata, que salva e que da vida.
É o Cristo ressuscitado que cessa o silêncio da sexta-feira Santa e se apresenta como Aquele que sempre se mostrou durante toda a Bíblia, o Filho de Deus que havia encarnado, que agora volta ao Pai com o desejo e também a perspectiva de enviar a cada um de nós o Espírito Santo, aquele sopro que dá força e dá vida a cada um dos seus. Deste modo, rompendo o grande ausente da humanidade, o silêncio é sugado pelo grande amor de um coração que soube perdoar, que soube romper com as trevas desse mundo e presentear ao homem com a sua própria vida: reina o silêncio, emerge do chão da terra o Senhor que rompe com todas as trevas, dando ao homem agora a alegria de viver. E para aqueles, porém, que ainda preferem as trevas, continuam no grande barulho porque ainda não conseguem enxergar a beleza do Cristo que se faz presente através do silêncio, o grande ausente da humanidade.
Padre Joacir d’Abadia, filósofo, autor de 15 livros, Especialista em Docência do Ensino Superior, Bacharel em Teologia e Filosofia, membro de 5 Academias de Letras, Pároco da Paróquia São José Operário Formosa-GO/Diocese de Formosa-GO
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