Nascido em Galegos, no concelho de Penafiel, na diocese do Porto, a 23 de outubro de 1887, Américo Monteiro de Aguiar foi uma figura cimeira da Igreja em Portugal no século XX. Quis ingressar cedo no Seminário, mas só se ordenou presbítero com 41 anos em 1929 na imposição das mãos do bispo de Coimbra, D. Manuel Luís Coelho da Silva.
Ao serviço dos pobres
O padre Américo demonstrou especial gosto em cuidar dos pobres, doentes e reclusos, mas é na dedicação às crianças da rua que a sua vida se tornou testemunho. De 1935 a 1939 promoveu em Coimbra as Colónias de Campo do Garoto. A 7 de Janeiro de 1940 fundou a primeira Casa do Gaiato em Miranda do Corvo, para crianças abandonadas e sem família, sob a divisa “Obra de Rapazes, para Rapazes, pelos Rapazes”.
Pai Américo. Era assim que lhe chamavam os rapazes da Obra da Rua e tantos outros, homens e mulheres, que com ele viveram a aventura da caridade feita vida, do Evangelho feito entrega. Deu-se pelos outros e para os outros. Procurava-os, porque não gostava da “paz podre das sacristias”. Foi “Igreja em saída” e na Rua fez a sua Obra. A Obra da Rua.
Atualmente, há mais seis Casas do Gaiato: em Paço de Sousa (1943, sede da Obra da Rua), em Beire (1954, Paredes), em Setúbal (1955), Benguela e Malanje (1963, Angola), e Maputo (1967, Moçambique).
Confiança na palavra
Henrique Manuel Pereira é professor da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa no Porto. Com doutoramento em Cultura pela Universidade de Aveiro, sempre se interessou pela figura do padre Américo, tendo publicado livros sobre ele e também sobre os padres da Obra da Rua.
Em entrevista, Henrique Manuel Pereira, revela que o padre Américo foi “um homem de ação” que confiava “no poder operativo da palavra”. Era um “místico” e um “gigante da caridade”:
“Foi um gigante da caridade. Ele foi um místico e um homem que antecipou ideias e atitudes do II Concílio do Vaticano. Para mim ele foi não apenas um homem bom, mas, claramente, um homem de Deus. Não é por acaso que ele é há muito tempo, eu diria desde julho de 1956, à data da sua morte, ele é santo no coração do povo. E nós sabemos que esse é o lugar mais nobre e mais difícil de conquistar. O padre Américo foi um homem de ação. Só assim é que foi possível levantar uma obra como a Obra da Rua. Uma obra que ele levantou sozinho, com crianças e com a cumplicidade do povo português. Foi um homem corajoso. Só com uma imensa coragem é que foi possível fazer o que ele fez na década de 40 num contexto político, social e económico tão complexo como aquele que se vivia em Portugal. Era um homem de fé. Diz-se e é verdade que era homem de um só livro. De uma fé impressionante e uma confiança desmedida no poder operativo da palavra. Ele acreditava no poder da palavra do Evangelho quase como prova científica. E depois era um homem que não se levava muito a sério. Tanto assim que não gostava que lhe falassem da sua obra, mas da nossa obra” – afirmou.
Inovador e revolucionário
O professor universitário sublinha que o padre Américo “inovou e revolucionou a assistência à criança e o problema da habitação” em Portugal. Um verdadeiro “revolucionário pacífico”:
“Um revolucionário pacífico porque este homem revolucionou Portugal. Sem dúvida nenhuma. Inovou e revolucionou a assistência à criança e o problema da habitação. Na primeira construindo as Casas do Gaiato, na segunda dando origem àquilo a que se deu o nome de Património dos Pobres. E o que era o Património dos Pobres? Era uma casa onde pudessem viver com dignidade. E lançou isto como um fogo por todo o Portugal, ilhas, antigas colónias e com este lema belíssimo: cada freguesia cuide dos seus pobres. Património dos Pobres foi também uma obra incendiária para além das Casas do Gaiato. E depois a menina dos seus olhos: o Calvário, obra de doentes, para doentes, pelos doentes. Que tipo de doentes? Aqueles que não tinham lugar nos hospitais, nem na família” – frisou.
Modelo de Igreja em saída
Para Henrique Manuel Pereira, o padre Américo é “um modelo da Igreja em saída” proposta pelo Papa Francisco:
“Claramente o padre Américo é um modelo da Igreja em saída. Ele foi à outra margem, ele foi às periferias e onde ninguém teve a coragem de ir. E quando ninguém, é mesmo ninguém. Também por isso houve na Igreja quem se sentisse incomodado e não o compreendesse. Era demasiado radical. É, claramente, um modelo que o Papa Francisco gostaria de conhecer” – sublinhou.
Henrique Manuel é também jornalista e argumentista tendo colaborado em programas radiofónicos da Rádio Renascença e da Antena 2.
Dos seus livros sobre o Venerável padre Américo destacamos em 2015 “Raízes do tempo: À volta de Padre Américo” e o mais recente “Salazar já cá veio? Padre Américo: um rascunho, três cartas, cinco poemas”, publicado em 2020.
O Venerável padre Américo faleceu a 16 de julho de 1956 no Hospital de Santo António no Porto. Um homem que fez respirar o Evangelho na sua vida.
Laudetur Iesus Christus
Rui Saraiva – Porto e Vatican News
Comments
No comment