Arte nos discursos

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A imagem de um grande parlamento é oportuna para ajudar a entender a sociedade brasileira com suas muitas vozes que se levantam, afinadas e semitonadas, por variadas e até contraditórias razões. Importante lembrar que a palavra “parlamentar” não se refere apenas aos representantes do povo que ocupam instâncias oficiais constituídas. Denota uma atividade que é inerente ao exercício da cidadania, relacionada à liberdade de expressão e ao compromisso com a construção da sociedade democrática. Sem adequados fóruns de parlamentação, instituições não avançam e nem cumprem a sua missão.  Pensar, manifestar e participar, livremente, constituem condições intrínsecas à tarefa de parlamentar com o objetivo de emoldurar novo tecido institucional e social. Há aqui um especial desafio: cuidar do amálgama das diferenças, para que sejam alcançadas respostas novas e urgentes.

Nesse desafio, inserem-se as cristalizações de mentalidades. Muitos se fecham nas próprias perspectivas e agem com intolerância ante o diferente, manifestando inabilidade para lidar com divergências. É inegociável fazer investimentos e envidar esforços para que a arte dos discursos seja promoção de diálogos e entendimentos – e não autoritarismos e imposições interesseiras. Esses autoritarismos e imposições banalizam o incondicional respeito a todos, desconsiderando principalmente os mais pobres e vulneráveis. Está se tornando perigosa e desastrosa a imposição de discursos que manipulam ou cerceiam o fluxo de opiniões. Essas manipulações ainda distorcem dados para esconder a realidade, desvirtuando a indispensável arte dos discursos. Para melhor compreender o que representa um líder autoritário e indiferente ao sofrimento dos pobres, é oportuno recordar o caso de um califa que, acreditando ser dono da verdade, considerou aceitável queimar a biblioteca de Alexandria, no Egito. O acervo fantástico de obras, com muitos discursos lúcidos capazes de garantir entendimentos indispensáveis, foi desprezado e destruído por quem se considerava autossuficiente – detentor da verdade.

Põe-se, portanto, nas esferas de parlamentação da sociedade brasileira o desafio de prestar atenção na arte dos discursos, avaliando a qualidade e os propósitos das muitas palavras. Caso contrário, instalar-se-á, cada vez mais, uma “Babel brasileira”. Além de desserviço, muitos discursos estão se tornando um risco terrível para a justiça e para a liberdade. Percebe-se que apenas a multiplicação de vozes não basta. Urgente é arquitetar discursos que alavanquem mudanças importantes, principalmente aquelas que incidem sobre mentalidades.

Filosoficamente, discurso é uma obra com o propósito de gerar nova compreensão sobre a realidade. No horizonte da sociedade brasileira, espera-se a constituição de um discurso que, ao permitir maior lucidez, seja capaz de configurar novo tecido social e de articular novo projeto político para o Estado. Anseia-se que a partir da compreensão gerada por esse novo discurso se consolide uma civilização fundamentada na igualdade e na solidariedade. Ao invés disso, o que se verifica hoje são entendimentos equivocados e desacertos que levam ao agravamento da desigualdade social, a um modelo econômico excludente que fere a dignidade humana e adoece o meio ambiente.

Problemas complexos exigem perspectivas que não podem ser medíocres. Para respostas qualificadas e urgentes, são necessários entendimentos também complexos, construídos em um verdadeiro mutirão. Estão convocados a participar todos os cidadãos, as instituições sérias e credíveis da sociedade brasileira, os segmentos educacionais e culturais, servidores do povo nas instâncias governamentais. Todos, com seriedade e compromisso, participem de modo significativo e transformador para construir entendimentos capazes de fazer surgir novo contexto civilizatório. Prevaleça, em cada lugar, o discurso edificado na tolerância, na sabedoria para administrar as diferenças, sem risco de se apegar a um pensamento uniforme, desagregador ou que impeça avanços. Cada pessoa tenha coragem e abertura para lidar com o confronto de perspectivas. Ao mesmo tempo, seja humilde para escutar. Assim é possível superar preconceitos e exercitar-se, com competência, na arte dos discursos, por um novo tempo na política, na economia e nos diferentes contextos sociais.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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