A negociação de valores e princípios indica desgastes e esgarçamentos na consciência moral com incidências na conduta, tornando as pessoas incapazes de cumprir a sua obrigação, particularmente, na administração daquilo que deve promover o bem de todos. Se ninguém é dispensado do uso honesto e equilibrado dos próprios bens, legitimamente adquiridos, a exigência é ainda maior em relação à fidelidade, à honestidade e ao equilíbrio quando se considera a responsabilidade de administrar o bem comum e de exercer a solidariedade, especialmente quando se trata dos mais pobres. O adoecimento da consciência e a consequente desfiguração da conduta moral, além dos desequilíbrios psíquicos, encontram no dinheiro a força sedutora que entorpece sentimentos, obscurece a visão, exerce domínio compulsivo. Compreende-se, assim, o dito de Jesus que, em interlocução com os fariseus, retratados nos evangelhos como “amigos do dinheiro”, apontava: não se pode servir a Deus e ao dinheiro.
O dinheiro tem força para desencadear compulsões e exercer domínios tão ou mais esmagadores que os desequilíbrios advindos da esfera afetivo-sexual. Agrega elementos que promovem a sua idolatria, dentre as mais evidentes, a insaciável sede de poder, que alimenta a patologia da autoafirmação. Na contramão desse domínio do dinheiro está o compromisso com a adoção de uma conduta honesta. Desafio existencial de cada pessoa, emoldurado pelo cultivo permanente da competência humana de imprimir ao viver um sentido espiritual que ultrapasse dimensões estreitadas pelas pulsões, compreendendo a vida como dom. Sem o investimento na moralidade, são inevitáveis os fracassos individuais e os pesados prejuízos para a sociedade.
Aqui, agora, em questão, está a idolatria do dinheiro. Patológica, pois trata-se da relação estabelecida com o dinheiro quando não se desvencilha de seu domínio, aceitando-o como força dominadora. A ganância tem também na sua raiz uma crise antropológica que é profunda e impossibilita enxergar a primazia do ser humano e a sua dimensão sagrada. A idolatria do dinheiro tem força para afetar qualquer indivíduo, de modo doentio, independentemente de sua condição social, intelectual, cultural ou religiosa. No âmbito religioso, é uma perversão demolidora de proporções devastadoras em se considerando que a autenticidade religiosa não pode abrir mão de um décimo de centímetro do desapego. Desconsiderado, o desapego dá lugar ao seu reverso: a falsidade, disparate de um discurso de pobreza e sobre os pobres assentado na cobiça pelo dinheiro, por ajuntá-lo muito, por usufruir descompassadamente daquilo que ele pode comprar, pela via ardilosa de burlar esquemas, entortar ferramentas de controles, ou não usá-las, para garantir a promoção da alimentação dos absurdos da idolatria do dinheiro. A segurança em Deus – cerne da religiosidade autêntica e exigência inegociável da fé – passa a ser substituída pelo dinheiro, cegamente engajando seus adoradores em acelerados processos de desumanização.
O dinheiro passa a criar novos ídolos. Ultrapassa, em dimensões de galáxia, o seu autêntico sentido: viabilizar relações de compra e venda, suprimento de bens, necessidades e produções. Nasce, pela idolatria do dinheiro, um complexo fetichismo que alimenta a hegemonia de uma economia sem rosto, que contemporiza, vergonhosamente, os cenários de miséria, exclusão e, sobretudo, admite uma honestidade lesada. A crise mundial e os descompassos individuais, consequências dessa idolatria, apontam a urgente necessidade de uma orientação antropológica. O ser humano não pode ser reduzido às suas necessidades de consumo. Crescem, também, as exigências de sistemas inteligentes e eficazes de controladoria que, por meio de ferramentas, sejam capazes de barrar os desequilíbrios morais, psíquicos e afetivos de indivíduos orientados por suas patologias, submersos na idolatria do dinheiro.
A ambição do ter e do poder não conhece limites. Promove a rejeição da ética e a recusa de Deus. Há uma relativização provocada pelo dinheiro e pelo poder que desfigura a consciência moral e também religiosa. Nesse horizonte, as instituições estão permanentemente desafiadas a redobrar sistemas de controle, a se amparar em legislações balizadoras e a cuidar dos seus pares, com investimentos em formação, que os prepare para resistir a essa avalanche alimentada pelo consumismo e pela perda do senso de justiça, bondade e honestidade. Entre as instituições estão as igrejas, penalizadas por essas patologias que encontram viveiros em seus membros, o que exige ações corretivas urgentes.
A lógica do Evangelho de Jesus é o remédio que cura. Precisa-se considerar seriamente a indicação do apóstolo Paulo: o dinheiro é a raiz de todos os males. Particularmente, urge-se a aprendizagem do princípio que baliza a honestidade, apontando para limites que não podem ser ultrapassados: a certeza de que o melhor é ser sujeito de credibilidade. O bem se torna abundante para todos quando se reconhece que, no fechamento de ciclos, e num juízo último, se ouvirá a exigência: presta contas. Vale a pena ser honesto, independentemente dos desafios, exercendo o desapego que tempera o equilíbrio e produz resistência ao domínio da corrupção. Vitória é estar tranquilo quando se ouvir: presta contas.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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