Diálogo e diálogos

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Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Tem razão quem afirma que o diálogo não resolve tudo. É verdade, mas é incontestável que o diálogo resolve quase tudo. Quando não se consegue resolver algo pelo diálogo, percebe-se, facilmente, que o descompasso não envolve as dinâmicas próprias do ato de dialogar. Certamente, ruídos e descompassos se hospedam naqueles que protagonizam o diálogo. Ora, além de ser uma forma de expressão, o diálogo é um instrumento de produção filosófica e científica, da indispensável clarividência no entendimento das realidades e de seus processos determinantes para o equilíbrio dos funcionamentos, como garantia de participação e respeito à verdade e ao bem. Por isso, a força do diálogo pode desconstruir os dogmatismos que impedem avanços e conquistas. Constata-se a rigidez que precisa ser tratada com força dialogal para produzir um novo caminho de compreensão. E se valer do que realmente importa quando se busca o bem e a prática da justiça – condições inegociáveis para o equilíbrio da sociedade desafiada por sua pluralidade e complexidades específicas.

Cristalizações emocionais-afetivas incidem muito fortemente no processo dialogal, tornando-se determinante impeditivo para que esse processo alcance o êxito que se pressupõe em todo diálogo. A mundividência do indivíduo também muito influencia o processo dialogal. Obviamente que os estreitamentos no horizonte de compreensão fecundam as limitações nesse processo, configurando dificuldades até intransponíveis. Nesse âmbito, localizam-se tendências a polarizações em razão da incompetência no exercício da fundamental experiência dialogal. Todo tipo de polarização é sinal de incompetência na tarefa de se construir, civilizadamente, os rumos da sociedade. Por isso, verifica-se o uso de recursos indevidos e até perversos na ânsia de querer impor a própria opinião e os parâmetros de escolha, na contramão do que se considera minimamente civilizado. Tentar se afirmar, se construir, conquistar os postos almejados, a partir da detratação do outro, de modo inverídico, são evidências de uma sub-civilização, consequência da ausência do diálogo.

Compreende-se que o diálogo é um recurso forte e portador de elementos com propriedades para criar novos rumos na política, na prática da justiça, no respeito aos direitos humanos e no estabelecimento da paz e da conciliação na convivência humana, que precisa sempre alcançar patamares de fraternidade. Há de se considerar, ao se constatar a relativização do diálogo e seu consequente enfraquecimento enquanto força de construção, o que hermeneuticamente tem peso determinante, o lugar que se ocupa com seus contornos próprios – do lugar no qual se está assentado não se pode ter a pretensão de ver tudo. O diálogo funciona, então, como gerador do movimento indispensável da circularidade que possibilita consequente alargamento da compreensão. Pode-se exemplificar com referências a multíplices situações e circunstâncias. Entre essas, a referência à escuta indispensável da dor dos mais pobres pelos segmentos oligárquicos da sociedade ou daqueles que detêm o poder. A ausência dessa escuta gera insensibilidade para as escolhas que definem os processos capazes de levar a sociedade a avançar na direção almejada do bem viver, justo e saudável – direito de todos.

A força dinâmica do diálogo fica amortecida numa engrenagem que não funciona e não consegue impulsionar na direção de um entendimento que cause a lucidez necessária para se encontrar saídas e conseguir respostas adequadas de segmentos e instituições. Por falta de competência dialogal, multiplicam-se as mediocridades. Indivíduos precisados da força do diálogo também se emperram e se tornam endurecidos, comprovadamente pelas afirmações muito parciais e por considerar seu modo de pensar completo e adequado. A rigidez no exercício dialogal explica muito do que se percebe de emperramentos. Isto inclui ilusões a respeito de si mesmo, alimentadas pela idolatria àquilo que se elege, aprisionando-se às bitolas de ideologias, sejam elas de que tipo for. Esses descompassos que geram atrasos são notados em processos complexos nos governos, em julgamentos que deformam ou estreitam decisões. Impactam até as relações interpessoais.

As mentalidades fechadas, a mesquinhez do coração humano, a correção urgente de processos tortos e prejudiciais, a recuperação da convivialidade em lugar de arbitrariedades perversas e inimizades entre grupos e pessoas, bem como o entendimento mais cidadão do usufruto dos bens da criação na casa comum, dependem fundamentalmente do diálogo. Mas a competência dialogal é quase sempre fragilizada pela mediocridade humana e presunção social e civilizatória de não conseguir enxergar o “outro lado”, que precisa ser considerado. É verdade, diálogo e diálogos, entre os que logram a lucidez humanística e civilizatória, abrem novos caminhos. Também renovam instituições, garantem a justiça em favor dos indefesos e pobres, clareiam as escolhas que preservam o meio ambiente na contramão da idolatria do dinheiro. Fazem encontrar o sentido de viver e cultivar laços de solidariedade. O diálogo pode ser tudo: alargamento de horizontes e caminho para entendimentos alicerçados em valores e princípios, configurando novos passos na organização social e política da sociedade, com incidência também na vivência da fé, enquanto relação dialogal com Deus.

O fato é que pode não existir o diálogo, por estreitamento de mentalidades, por entendimentos pífios e por se estar enjaulado em compreensões parcializadas por falta de formação humanística. Um paradoxo nesse tempo em que todos falam, e falam muito, de tudo, até daquilo que não entendem nem lhes diz respeito. Tem razão quem diz que o diálogo não é tudo, porque existem diálogo e diálogos.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

 

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