Papa: com o Espírito Santo, aprender a ouvir a voz do coração

“A Moisés Deus disse que este clamor escondido do Povo chegou até Ele (…). Mas para que Moisés possa realizar sua missão, Deus quer que ele “desça” com Ele no meio dos israelitas. O coração de Moisés deve tornar-se como o de Deus, atento e sensível aos sofrimentos e aos sonhos dos homens, àqueles que clamam em segredo quando elevam as mãos para o Céu, porque já não têm quaisquer posses na terra. É o gemido do Espírito e Moisés deve escutar com o coração.
 

Uma grande Vigília de Pentecostes neste sábado, reuniu milhares de fiéis na Praça São Pedro, especialmente romanos. No final da tarde, o Papa Francisco presidiu a Santa Missa da Vigília de Pentecostes. Eis sua homilia na íntegra (sem os acréscimos feitos de improviso):

“Também nesta tarde, véspera do último dia do Tempo da Páscoa,  festa de Pentecostes, Jesus está em meio a nós e proclama em voz alta: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva fluirão do seu interior”.

 É “o rio da água viva” do Espírito Santo que brota do ventre de Jesus, do seu lado traspassado pela lança (cf. Jo 19, 36), e que lava e fecunda a Igreja, mística esposa representada por Maria, nova Eva, aos pés da Cruz.

O Espírito Santo brota do ventre de misericórdia de Jesus Ressuscitado, preenche o nosso ventre de uma “boa medida, cheia, recalcada e transbordante” (cf. Lc 6, 38) e transforma-nos em Igreja-ventre de misericórdia, isto é, em uma “mãe de coração aberto” para todos!

Como gostaria que as pessoas que moram em Roma reconhecessem a Igreja, nos reconhecessem por este “a mais”  de misericórdia – nõa por outras coisas –  por este “a mais” de humanidade e de ternura, do qual existe tanta necessidade! Se sentiriam como em casa, a “casa materna”, onde se é sempre bem-vindos e onde se pode sempre retornar. Se sentiriam sempre acolhidas, ouvidas, bem interpretadas, ajudadas a dar um passo em frente na direção do reino de Deus … Como uma mãe sabe fazer, mesmo com seus filhos já crescidos.

Este pensamento à maternidade da Igreja me faz recordar que, há 75 anos, em 11 de junho de 1944, o Papa Pio XII realizou um ato especial de agradecimento e súplica à Virgem, pela proteção da cidade de Roma. Ele fez isso na Igreja de Santo Inácio, para onde havia sido levada a venerada imagem de Nossa Senhora do Divino Amor.

O Amor Divino é o Espírito Santo, que brota do Coração de Cristo. É ele a “rocha espiritual” que acompanha o povo de Deus no deserto, para que sendo alcançado pela água viva, possa estar saciado ao longo do caminho. Na sarça que não se consome, imagem da Virgem Maria e da Mãe, está o Cristo ressuscitado que nos fala, nos comunica o fogo do Espírito Santo, nos convida a descer em meio ao povo para ouvir o grito, nos envia para abrir a passagem a caminhos de liberdade que levam a terras prometidas por Deus.

Sabemos disso: há também hoje, como em todos os tempos, aqueles que tentam construir “uma cidade e uma torre que atinja o céu”. São os projetos humanos, também os nossos projetos, feitos a serviço de um “eu” cada vez maior, em direção a um céu onde não há mais espaço para Deus.

Deus nos permite fazer isso por um tempo, para que possamos experimentar até que ponto de mal e de tristeza somos capazes de chegar sem Ele … Mas o Espírito de Cristo, Senhor da história, não vê a hora de jogar tudo para o ar, para nos fazer recomeçar!

Somos sempre um pouco “limitados” de olhar e de coração; deixados a nós mesmos, acabamos perdendo o horizonte; chegamos a nos convencer de ter entendido tudo, de ter levado em consideração todas as variáveis, de ter previsto o que acontecerá e como acontecerá … São todas construções nossas que se iludem ao tocar o céu. Em vez disso, o Espírito irrompe no mundo do alto, do ventre de Deus, lá onde o Filho foi gerado e faz novas todas as coisas.

O que estamos celebrando hoje, todos juntos, nesta nossa cidade de Roma? Celebramos o primado do Espírito, que nos faz calar perante a imprevisibilidade do plano de Deus, e depois exaltar de alegria: “Então era isso que Deus tinha no ventre para nós!”: este caminho da Igreja, essa passagem, este Êxodo, esta chegada à terra prometida, a cidade-Jerusalém das portas sempre abertas para todos, onde as várias línguas do homem se compõe na harmonia do Espírito,porque o Espírito é a harmonia.

E se temos presentes as dores do parto, compreendemos que o nosso gemido, o do povo que habita nesta cidade e o gemido de toda a criação, não são outra coisa que o gemido do próprio Espírito: é o parto do mundo novo. Deus é o Pai e a mãe, Deus é a parteira, Deus é o gemido, Deus é o Filho gerado no mundo e nós, a Igreja, estamos a serviço deste parto. Não a serviço de nós mesmos, não a serviço de nossas ambições, de tantos sonhos de poder, não: a serviço disto que Deus faz, destas maravilhas que Deus faz.

“Se o orgulho e a suposta superioridade moral não nos entorpecem o ouvido, perceberemos que, sob o grito de tantas pessoas, não há outra coisa senão um gemido autêntico do Espírito Santo. É o Espírito que impele mais uma vez a não contentar-se, a buscar colocar-se em caminho; é o Espírito que nos salvará de toda “reorganização” diocesana. O perigo é estes desejo de confundir as novidades do Espírito com um método de “reorganizar tudo”. Não, isto não é o Espírito de Deus. O Espírito de Deus dá uma mexida em tudo, e nos faz começar não do princípio, mas por um novo caminho.

Deixemo-nos então tomar pela mão pelo Espírito e levar em meio ao coração da cidade para ouvir seu grito, seu gemido. A Moisés Deus disse que este clamor escondido do Povo chegou até Ele: Ele o escutou, viu a opressão e os sofrimentos … E decidiu intervir enviando Moisés para suscitar e alimentar o sonho de liberdade dos israelitas e revelar a eles que este sonho é a sua própria vontade: fazer de Israel um povo livre, o seu Povo, ligado a ele por uma aliança de amor, chamado a testemunhar a fidelidade do Senhor a todos os povos.

Mas para que Moisés possa realizar sua missão, Deus quer que ele “desça” com Ele no meio dos israelitas. O coração de Moisés deve tornar-se como o de Deus, atento e sensível aos sofrimentos e aos sonhos dos homens, àqueles que clamam em segredo quando elevam as mãos para o Céu, porque já não têm quaisquer posses na terra. É o gemido do Espírito e Moisés deve escutar, não com os ouvidos, mas com o coração. Hoje pede a nós, cristãos, de aprender a escutar com o coração. E o Mestre desta escuta é o Espírito. Abrir o coração para que Ele nos ensine a escutar com o coração. Abri-lo.

E para nos colocar na escuta do clamor da cidade de Roma, também nós temos necessidade que o Senhor nos tome pela mão e nos faça “descer”, descer de nossas posições, descer em meio aos irmãos que habitam em nossa cidade, para ouvir sua necessidade de salvação, o grito que chega até Ele e que geralmente nós e não ouvimos.  Não se trata de explicar coisas intelectuais, ideológicas. Faz-me chorar quando vejo uma Igreja que crê ser fiel ao Senhor, de atualizar-se, quando procura caminhos puramente funcionais, caminhos que não vêm do Espírito de Deus. Esta Igreja não sabe descer e se não sabe descer não é o espírito que comanda. Trata-se de abrir olhos e ouvidos, mas sobretudo tudo o coração, ouvir com o coração. Então nos colocaremos realmente em caminho. Então, sentiremos dentro de nós o fogo de Pentecostes, que nos leva a gritar aos homens e mulheres desta cidade que a escravidão acabou e que é Cristo o caminho que leva à cidade do Céu. Amém!”

Fonte: Vatican News

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