Aproxima-se o Natal, um Natal diferente, que será vivido em circunstância singular, pois o mundo, conforme lembra o Papa Francisco, foi colocado de joelhos por um vírus invisível. Mundo contemporâneo que tanto padece com delírios de onipotência – patologia que esgarça o tecido existencial humano – gerando contas amargas a serem pagas. Oportuno lembrar que mesmo diante da gravidade desta pandemia, alguns indivíduos e até segmentos sociais, sem humanismo, minimizam seus efeitos. São incapazes de ajudar a construir novo estilo de vida necessário para livrar a civilização contemporânea deste e de outros males. Mas apesar daqueles que escolhem permanecer no caminho da ignorância e da falta de sensibilidade, a realidade não pode ser desconsiderada: a humanidade experimenta o peso de suas grandes vulnerabilidades. E vulnerabilidade se vence conquistando força.
O desafio é saber qual é a força necessária para vencer fragilidades da civilização contemporânea. Depois, empregá-la adequadamente, pois seu uso equivocado apenas agrava prejuízos. E já não é mais possível conviver com situações prejudiciais. No Brasil, por exemplo, mesmo com sinais de uma recuperação econômica, milhões sofrem com a falta de alimentação básica, milhões estão desempregados e muitos empreendimentos faliram. São urgentes as providências inteligentes e humanísticas, arquiteturas logísticas e de infraestrutura capazes de sustentar grandes mudanças, ajudando a vencer vulnerabilidades sociais, no Brasil e no mundo. Mas é preciso uma força ainda mais especial, com propriedade para garantir a superação de cenários desoladores em todas as sociedades.
Sem essa força, perde-se o respeito à alteridade, prevalecem confusões, não se consegue estabelecer adequadamente prioridades. Convive-se com a falta de disciplina, inviabilizando a civilidade. Na raiz desses equívocos está uma grande vulnerabilidade espiritual, que leva também a fragilidades no campo emocional. Multiplica quadros de depressão, gera incapacidade para lidar com situações de solidão, esvazia a alma do sentido pleno de vida. Ao constatar a generalizada vulnerabilidade espiritual, é possível concluir: o tempo natalino precisa ser vivido de modo diferente, particularmente sem priorizar os habituais modos fugazes e até desgastantes de se celebrar o nascimento de Jesus. Ao invés disso, a celebração do Natal deve ser oportunidade para retomar práticas restauradoras imprescindíveis. É hora de se investir em força espiritual.
Carente de força espiritual a civilização contemporânea não vai conseguir alcançar a necessária virada humanística e ecológica para edificar um mundo melhor. Iniciativas para salvar a economia, engenharias para qualificar a política e estudos científicos cada vez mais avançados, nesta era dos algoritmos, são urgentes. Ainda mais imprescindível para que a humanidade avance é a conquista de força espiritual. Perguntar-se-á como adquiri-la. Não se compra essa força em mercados, feito um produto, nem em farmácias, de modo similar a um remédio. Conquista-se por exercícios próprios, que incluem deixar-se confrontar por interpelações, escutar diferentes clamores – principalmente dos pobres, enfermos e sofredores – saber acolher dúvidas, alcançar respostas a partir do silêncio. Ninguém deve ficar alheio ou fora desse desafio de se fortalecer espiritualmente, pois força espiritual é o remédio para o ciclo novo que precisa ser aberto pela humanidade – acompanhado, urgentemente, pela vacina.
Ciência e espiritualidade são alavancas que elevam a civilização para uma realidade diferente. Por isso mesmo, a fé deve caminhar em parceria com os mais diferentes campos do conhecimento, superando discursos pseudocientíficos. A qualificada espiritualidade cuida da esperança, promovendo-a, e, assim, contribui para livrar a humanidade do medo tenebroso do espectro da morte. Esse medo é perigoso, pois alimenta mais situações de morte. Por isso mesmo, quem não tem o hábito, precisa começar a exercitar-se na vivência da espiritualidade. Os que já se dedicam à fé, devem se aprofundar nessa vivência. Todos assumam a condição de aprendizes. As grandes perguntas que afligem o ser humano não podem ser evitadas. O caminho é buscar respondê-las pela ciência e espiritualidade, iluminando a alma.
Os obstáculos deste tempo de pandemia se tornem incentivo para promover uma mudança civilizatória nesta etapa da história. O tempo do Advento, preparando o Natal, tem uma preciosa indicação de recomeço, ou ponto de partida, na palavra poética do Profeta Isaías, bem no início de seu segundo livro: “Acaso não sabes? Ainda não ouviste falar? O senhor é o Deus eterno. É ele que dá ânimo ao cansado, recupera as forças do enfraquecido. Até os jovens se afadigam e cansam, e mesmo os guerreiros às vezes tropeçam, mas os que esperam no Senhor renovam suas forças, criam asas como águias, correm e não se afadigam, andam, andam e nunca se cansam.”
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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