O Brasil e o mundo estão sob o embargo de um exigente silêncio obsequioso. A exigência de não sair de casa, um dos incontestáveis remédios capazes de interromper a disseminação do Covid-19, enquanto se trata e recupera os contaminados, faz prevalecer no ambiente doméstico e nos lugares públicos um grande silêncio, incontrolável, a exemplo do vírus que contamina, fortemente, a sociedade contemporânea. Essa sociedade que é tão habituada a um ritmo frenético, fonte de adoecimento para a humanidade e a natureza, de distorções em sistemas sociais, políticos, econômicos e culturais, que levam à perda de rumos e à desconsideração do sentido da vida – dom e compromisso. O incômodo deste silêncio, fecundado por medos e inseguranças, por vezes emoldurado por indiferenças e considerações inconsequentes, irresponsáveis, pode guardar força terapêutica de grande valia. Este obsequioso silêncio confronta-se com a avalanche de palavrórios, propalados na ânsia de querer falar muito sobre aquilo que pouco entende, na ousadia de considerar saber mais do que, de fato, conhece.
Esse silêncio pode oferecer à humanidade a oportunidade de escutar mais, reconhecer aquelas direções que foram negligenciadas, os entendimentos desprezados, as vozes que não são ouvidas e, consequentemente, os sentidos que passam despercebidos. Este tempo, com o seu silêncio, indica a necessidade de superar a idolatria do dinheiro, o absurdo das ganâncias dos que se apegam à falsa segurança do acumulo de posses, que enfraquecem os seres humanos a ponto de a humanidade se desestabilizar. É preciso reconhecer: a vida é dom. Neste dom, inscreve-se o compromisso de estar a serviço do semelhante, que é irmão.
Por isso, causa perplexidade ver que ainda há gente indiferente, convivendo pacificamente com outras pandemias – a da exclusão social, dos desmandos políticos responsáveis por migrações forçadas, dos extermínios de mulheres, indígenas e de pobres moradores nas ruas, dentre tantas outras. Agora chega uma pandemia que bate à porta de todos, igualmente, desmontando sociedades e suas economias, comprovando que o meio ambiente precisa ser balizado pelos princípios e lições sábias no horizonte da ecologia integral. O mundo tem gritado pelas vozes dos mais pobres, dos que nada têm. Já os que muito possuem e têm de sobra, precisam, a partir do atual silêncio, escutar essas vozes, reconhecendo-as como um coro de lucidez. A partir dessa sensibilidade, debelar as pandemias das irresponsabilidades e de palavras inconsequentes, exigir providências urgentes para superar incompetências humanísticas, governamentais e de indivíduos deletérios.
O ciclo novo almejado, a ser construído pela sociedade brasileira, não permite ufanismos. Requer intuições que fortaleçam as instituições governamentais, livres de fisiologismos ideológicos e dos atendimentos de interesses oligárquicos, para que cumpram adequadamente suas responsabilidades no contexto democrático. Para fazer surgir nova realidade, é preciso se renovar, exigência comum a empreendimentos e empreendedores, a instituições políticas e governamentais, não poupando o mundo religioso e cultural. Qualquer indiferença ou relativização ante a exigência de renovação, perpetuará hábitos que merecem ser revistos e fará com que outras pandemias enfraqueçam ainda mais a humanidade.
Urge, na batalha contra o Covid-19, com investimento em práticas solidárias, reconhecer a tarefa prioritária de se escutar a voz dos pobres, deixar-se interpelar pelo coro de lucidez para, humildemente, contribuir na constituição de novo ciclo humanitário. Pela via da solidariedade, que exige renúncias, partilhas e o reconhecimento da igualdade humana no direito à vida digna, todos se sintam envergonhados pelas exclusões, para fazer surgir lógica diferente, capaz de orientar programas dedicados ao amparo dos mais pobres, dos vulneráveis, no horizonte incontestável da ecologia integral. Cada pessoa reconheça que tudo está interligado, o tempo e o espaço não são independentes entre si, como assevera o Papa Francisco, na sua Carta Encíclica sobre a Casa Comum. O Papa sublinha ainda que os vários componentes do planeta – físicos, químicos e biológicos – se relacionam, assim como as espécies vivas formam uma trama que nunca acabaremos de individuar e entender. Que a humanidade comece a pensar a sua nova etapa civilizatória, sensível à voz do pobre, coro de lucidez.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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