Marcado pela alegria da Ressurreição de Jesus, vive-se o especial tempo da Páscoa. Singular oportunidade para vencer tristezas, decepções, desencontros que obscurecem o reconhecimento do sentido da vida, essencialmente destinada à experiência da alegria. Isso porque o coração humano não consegue manter-se saudável quando se deixa ocupar pelo mal. Referencial é a experiência dos primeiros discípulos de Jesus, que ficaram envoltos nas trevas da decepção e da tristeza, mas reencontraram o caminho da esperança. Um movimento de conversão que, ainda hoje, deve inspirar cada pessoa, quando adoecimentos graves da interioridade incidem na vida pessoal e no desempenho cidadão. A cura passa por uma transformação radical a partir da força da alegria, alavanca para levantar o caído, recuperar o doente, amparar o desolado, sustentar qualificada presença no contexto de famílias, instituições, religiões. E os Evangelhos são claros ao indicar a fonte que sustenta o coração dos discípulos: eles se alegraram por ver o Senhor.
A Palavra de Deus descreve com riqueza de detalhes esse momento: olhos entumecidos com lágrimas de alegria, ao verem o Senhor Ressuscitado. Assim, as portas fechadas pelo medo, onde se encontravam trancados os discípulos envolvidos pela tristeza, se escancararam. Neles foi infundida a força maior que vem da presença do Cristo Vivo e a alegria duradoura e verdadeira do amor. Renovados, os discípulos saíram mundo afora, com inigualável disposição, para anunciar a Boa Nova. Suportaram até mesmo o martírio, fiéis à missão de entrelaçar vidas e corações, oferecendo a todos a oportunidade para também beberem nesta fonte de amor – a presença do Cristo Vivo e Vitorioso. E, assim, os discípulos conseguiram apresentar ao mundo o Caminho: a verdade, o amor e a fé – a via da alegria.
Mas muitos, em busca de felicidade, pegam o caminho equivocado. Seguem itinerários aparentemente fáceis que levam apenas à superficialidade. Acabam por sucumbir diante do vazio existencial e, não raramente, desistem de viver. Consequentemente, tantos jovens, crianças e até mesmo pessoas amadurecidas tornam-se incapazes de reconhecer a vida como dom. Uma grave situação, que resulta dos modos inapropriados de se procurar a alegria, a felicidade, a partir das lógicas de uma sociedade consumista: prioriza-se o que é fugaz e superficial, relativizam-se valores absolutos. Opção perigosa que conduz a frustrações e, consequentemente, cria o ambiente propício para as diferentes formas de violências. A própria vida, que deve ser respeitada e defendida desde o momento primeiro, na fecundação, até o último, com o declínio natural, é desconsiderada. Ignora-se a sua sacralidade.
Com isso, ao invés da desejada aproximação, há progressivo distanciamento da via da alegria. E um ciclo perverso se estabelece, marcado pela falta de ideias nobres capazes de solucionar problemas contemporâneos, garantir mais civilidade e desenvolvimento integral para toda a sociedade. Vale recordar o que diz o Papa Francisco na abertura de sua exortação apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual: “A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Todos que se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria.”
Há, pois, uma via da alegria que se renova e se comunica. O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, sublinha o Papa Francisco, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, cada vez mais habituado à busca desordenada de prazeres superficiais e a uma consciência que enjaula o ser humano no isolamento. As pessoas não podem se aprisionar aos próprios interesses, incapacitando-se para enxergar o outro, o pobre, para ouvir a voz de Deus e experimentar a doce alegria de seu amor, deixando esfriar o entusiasmo para fazer o bem, adverte o Papa Francisco.
É preciso que todos tomem consciência: o coração tem uma via da alegria, que ultrapassa as simples sensações ou as afinidades a partir de interesses de determinados grupos. O alicerce da autêntica felicidade é o profundo e respeitoso sentido da vida, construído a partir do reconhecimento do inestimável valor de cada pessoa. Infelizmente, o mundo contemporâneo parece estar na contramão da autêntica via da alegria. Sem reconhecer o valor do outro, especialmente dos que enfrentam a pobreza, a humanidade aproxima-se do colapso. E é preciso aproveitar este tempo da Páscoa para a necessária transformação humana. O Filho Amado de Deus-Pai se oferece na cruz, morre e ressuscita pela salvação do mundo – é a vitória da vida sobre a morte. Um acontecimento que deve inspirar, em todos os lugares, as amizades solidárias, educando principalmente crianças e jovens para o compromisso com a sociedade e o bem-comum; para a cultura da vida, capaz de transformar os ambientes de violência com suas tristes histórias, suicídios, homicídios e delinquências.
Não bastam mudanças na economia ou nos sistemas para se alcançar felicidade duradoura. Conhecer e seguir Cristo, a partir de uma espiritualidade que se desdobra em caridade, altruísmo e qualificado exercício da cidadania, é o que permite conectar o coração humano, permanentemente, com a verdadeira via da alegria.
Foto:Divulgação
Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
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