Sabedoria dos ciclos

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A vida é tecida em ciclos, que se abrem e se fecham. Talvez seja possível prever sobre a duração de um ciclo, com a estimativa de um tempo para a sua conclusão. Outros ciclos não permitem essa previsibilidade, com a indicação dos anos, meses, semanas ou dias de sua duração. Mais importante que a medida temporal, o ciclo da vida deve ser avaliado pela qualidade e fecundidade da sabedoria conquistada ao longo do processo que leva à sua conclusão. Essa qualidade e fecundidade são influenciadas pelas circunstâncias existenciais de cada pessoa – fatores socioculturais, educacionais, familiares e políticos. Importa ainda a identidade e os processos das instituições em que cada ciclo é vivido. Essa vivência pede, pois, adequado discernimento no exercício de responsabilidades. E permanentemente está diante de cada pessoa o desafio de abrir, fechar  ou permanecer no ciclo em que se encontra. Ao mesmo tempo, cada pessoa deve ter consciência de que não depende apenas de si própria determinar quando se abre ou se fecha um ciclo: o ser humano tem a sua autonomia, mas o início e o término de seus ciclos dependem também das relações estabelecidas com o seu semelhante, no horizonte de propósitos e da missão de cada instituição.  

Saber a hora certa de se abrir e se fechar ciclos é essencial para que sejam evitadas caducidades, inviabilizando avanços pessoais e institucionais. Um desafio para conquistar essa sabedoria é a velocidade dos processos que marcam a contemporaneidade. Problema ainda mais grave é a tendência de se acomodar – argumentando que não há necessidade de mudanças com a justificativa de que “sempre foi assim”. Uma perspectiva que expressa incapacidade para leituras mais amplas da realidade e que enfraquece as instituições, distanciando-as de suas metas. Um sintoma comum dessa perspectiva limitada é o apego a cargos, considerando-se dono da “cadeira” ocupada – postura que pode levar ao autoritarismo, às manipulações, às ilegalidades, para garantir interesses pessoais. E na busca por se perpetuar ciclos a partir de interesses pessoais, a ambição desmedida e a sede ilimitada de reconhecimento social são fatores que obscurecem discernimentos. Passa-se a desconsiderar a relevância do serviço oferecido.  

Na conquista da sabedoria para reconhecer o adequado momento de se abrir ou se fechar ciclos, conta muito a capacidade de dialogar. Especialmente a partir da escuta do semelhante, pode-se enxergar a vida em diferentes perspectivas. Por isso, não se pode correr o risco de cristalizações que inviabilizem diálogos. Perde-se oportunidade para avanços e conquistas, distanciando-se das inovações que “pedem passagem”. Percebe-se, pois, que a habilidade para saber abrir e fechar ciclos reúne elementos culturais, sociais e políticos. E a dimensão espiritual é elemento determinante: a fé cristã ensina a importância da ação do Espírito Santo, mestre de santidade e de sabedoria, luz que ilumina a inteligência humana, apontando caminhos que somente podem ser reconhecidos a partir do auxílio divino. A ação do Espírito Santo qualifica o coração, revestindo-o de serenidade e de sabedoria, essenciais aos processos de discernimento. A dimensão espiritual possibilita a cada pessoa viver ciclos novos, sem, absolutamente, desprezar os ciclos que se fecharam. 

Tenha-se presente, como singular ilustração, o fim do pontificado do saudoso Papa Francisco, com a sua páscoa, a conclusão de um ciclo que deixa ecos profundos. Neste horizonte, inicia-se novo ciclo na missão da Igreja, com a escolha do Papa Leão XIV. O ciclo que se inicia ancora-se em alicerces sólidos para alcançar grande amplitude e possibilitar respostas novas para os problemas da contemporaneidade. O nome do novo Pontífice remete ao Papa Leão XIII, autor da Encíclica Rerum Novarum, marco importante na constituição da Doutrina Social da Igreja.  No mundo atual, de tantas guerras, de transformações promovidas pela inteligência artificial, convive-se com avanços e atrasos que pedem, da Igreja, a recuperação das riquezas de outros ciclos para que seja configurado o ciclo novo.  

Diante de novos desafios missionários, a Igreja inicia novo ciclo,  iluminada pelo ciclo recentemente concluído, fundamentada no seu sólido patrimônio doutrinal constituído através dos tempos e impulsionada pela singularidade do testemunho de fé, marcado pela proximidade e simplicidade. E cada ciclo novo na vida e na missão da Igreja Católica busca referência em seu patrimônio maior, o Evangelho de Jesus Cristo. Esperançosamente, inicia-se este novo ciclo, com sinalizações muito positivas para se conquistar avanços na missão da Igreja, guiada e iluminada pela ação santificante e consoladora do Espírito Santo. O discernimento sobre a chegada do ciclo novo, a atenção à singularidade das interpelações, em âmbito familiar, institucional e pessoal, é o segredo para se evitar o atraso e possibilitar avanços, atendendo demandas cruciais neste momento da humanidade. Aprendida esta lição, todos se tornam colaboradores na construção do esperado tempo novo,  de mais justiça e paz.   

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)

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