Eleições e cidadania

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O Papa Francisco, na Carta Encíclica Fratelli Tutti, fala da “política melhor” – a que está a serviço do bem comum, de modo a reverter as configurações lamentáveis de um contexto político que dificulta o caminho para um mundo mais fraterno. É evidente que a prática política, incluindo a partidária, não pode ser pautada por diletantismos ou por paixões similares às que envolvem disputas esportivas.  Menos ainda deve servir de trampolim para se alcançar metas cartoriais e garantir interesses de oligarquias, em detrimento do bem de todos. Por isso mesmo, espera-se que, com a conclusão do processo eleitoral, seja iniciado novo ciclo no exercício da cidadania, relacionado ao acompanhamento mais severo e criterioso dos processos executivos e legislativos de cada município.

Trata-se de desafio enorme, pois há uma equivocada compreensão, enraizada na cultura, que enjaula o exercício da cidadania. O cidadão tem o direito e o dever de acompanhar atentamente os eleitos, exigindo de seus representantes desempenhos almejados e inadiáveis. Mas, em geral, o exercício da cidadania limita-se ao voto, prescindindo-se do acompanhamento de mandatos. Abre-se mão de uma essencialidade na democracia: a tarefa cidadã de fiscalizar, de informar-se e de opinar sobre a política.

Essa lacuna no exercício da cidadania é prejuízo inestimável. A eleição de um prefeito e de vereadores representa voto de confiança à luz de critérios que balizam a escolha efetivada nas urnas. Porém, os eleitos não podem conduzir seus mandatos sem acompanhamento e fiscalização, livres para fazer o que julgam ser conveniente. Sem adequado acompanhamento, representantes do povo podem se achar no direito de oferecer migalhas à população, permanecendo-se distantes de uma gestão competente, moderna e pautada pelos parâmetros de um desenvolvimento integral.

A indiferença habitualmente reinante quanto ao que prefeitos e vereadores fazem precisa ser vencida. Para isso, é imprescindível a participação cidadã, orientada para o bem civilizatório da sociedade. Obviamente, essa participação não pode ser isolada ou ocorrer de modo individual. Demanda-se envolvimento de todos, para que seja cada vez mais difícil às máquinas administrativas e legislativas priorizarem apenas interesses particulares. Sem a participação dos cidadãos no acompanhamento e na fiscalização de mandatos, haverá sempre o risco de gestões incapazes de promover o desenvolvimento demandado, principalmente, pelos mais pobres. Serão perdidas as oportunidades oferecidas por este terceiro milênio, com seus avanços tecnológicos e civilizacionais.

A instituição dos conselhos municipais, a prática do orçamento participativo e as diferentes interpelações apresentadas por variados segmentos da sociedade – religiosos, civis e culturais – precisam cada vez mais se consolidar, tornando-se plataforma crítica para a avaliação de processos, elaboração de políticas públicas, de debates sobre variados temas. O diálogo e os debates enriquecem a política com a participação cidadã.  E para alimentar essa participação, é preciso romper com a prática de se contentar com o mínimo. A sociedade deve ser exigente, redobrando a atenção aos procedimentos, práticas e condutas de seus gestores, que cada vez mais são desafiados a tomar decisões respeitando princípios de uma ecologia integral.

As urgentes mudanças necessárias a este tempo não virão sem o envolvimento crescente de cada parcela da sociedade, partindo da compreensão de que os eleitos são servidores públicos com a missão de promover o bem comum. Aqui, torna-se importante retomar uma preciosa admoestação do Papa Francisco: “A consistência de tudo isto poderá ser bem pouca, se perdermos a capacidade de reconhecer a necessidade de uma mudança nos corações humanos, nos hábitos e estilos de vida. É o que acontece quando a propaganda política, os meios e os criadores de opinião pública persistem em fomentar uma cultura individualista e ingênua à vista de interesses econômicos desenfreados e da organização das sociedades a serviço daqueles que já têm demasiado poder”. 

A sociedade civil, a partir de adequada participação cidadã, particularmente no acompanhamento e fiscalização dos políticos eleitos, precisa se mobilizar, para que o serviço público seja capaz de contribuir com as mudanças  necessárias a este momento. Somente assim as eleições se consolidam em adequado ato de cidadania.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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