Paz remete a bens indispensáveis em respeito e gratuidade à dignidade de toda pessoa. Compreende-se a dramaticidade dos tempos atuais quando grande parte da humanidade se encontra privada desses bens. Os cenários de miséria, fome, migrações de populações inteiras – situações que configuram o clamor dos pobres desta terra – confirmam essa realidade. O clamor dos pobres incomoda muitas pessoas, mas precisa ser ouvido. Aqueles que se incomodam reagem com indiferença, dedicam frio tratamento às urgências contemporâneas. Apesar dessas reações, a voz dos pobres, insistentemente, indicará: a humanidade precisa mudar. E sem a escuta desse clamor, sempre se correrá o risco da insensibilidade que inviabiliza a coragem de questionar e renunciar a privilégios – não há dedicação aos processos de transformação social. A escuta do clamor dos pobres não é bálsamo, mas remédio que interpela, podendo curar indiferenças e a mesquinhez, produz inspirações na correção de rumos e sensibilizações intuitivas, a partir do sonho de se consolidar a igualdade social.
Quando escutado, o clamor dos pobres possibilita que sejam encontradas, com mais celeridade, soluções para os problemas sociais, qualifica a cidadania e promove a clarividência essencial às adequadas escolhas políticas – capazes de dar novos rumos à sociedade. Ao se reconhecer que incontáveis pessoas estão privadas de bens essenciais, busca-se, com mais intensidade, reconfigurações na organização sociopolítica, para que a civilização contemporânea se fundamente nos parâmetros do humanismo integral. No horizonte do entendimento bíblico, paz é justamente o nome do conjunto de bens essenciais indispensáveis à dignidade humana. Por isso mesmo, garantir o direito de cada pessoa ao que é essencial à vida digna é caminho para a paz, tornando-se responsabilidade de governantes, construtores da sociedade e cidadãos. Para bem exercer essa tarefa, oportuno é retomar a lembrança que o Papa Francisco apresenta, na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2022: conforme São Paulo VI, há um novo nome para a paz – desenvolvimento integral.
A família humana padece em razão das parcialidades que contaminam os modos de se pensar o desenvolvimento. As lógicas que buscam simplesmente o lucro e o benefício de alguns, enquanto a grande maioria está sofrendo, sem o que é essencial à dignidade, prejudicam a efetivação do desenvolvimento integral. O Papa Francisco sublinha, especificamente, a importância do diálogo entre as gerações para que todos avancem rumo à paz. Dialogar torna-se desafio ainda maior no contexto estabelecido pela pandemia, quando muitos se refugiam da realidade, aprisionando-se em mundos paralelos, como se pudessem, assim, estar protegidos das muitas formas de violência e de ameaças.
Aqueles que se fecham à realidade do mundo, de modo egoísta, são mais propensos a agir com indiferença em relação ao semelhante. Alimentam polarizações e protagonizam descompassos relacionais e existenciais. Distantes do diálogo, ficam com a mente e o coração obscurecidos, tornando-se obstáculos para o desenvolvimento integral, que exige a inclusão de todos na vida social e econômica. Causa perplexidade, para citar uma situação, a postura daqueles que, para alcançar seus propósitos, julgam-se no direito de promover a destruição dos outros. Agem como se o fracasso e a fragilidade do semelhante fossem degrau ou trampolim para conquistar objetivos. Trata-se de um modo de agir que sinaliza a confusão social, a ser corrigida por meio do diálogo. Ante as limitações de representantes do povo nas instâncias do poder, daqueles que ocupam cargos e funções em lugares estratégicos, há quem sinta certo desânimo para dialogar. Contudo, o diálogo é remédio para corrigir, ainda que a longo prazo, obtusidades e promover entendimentos lúcidos, iluminando a mundividência daqueles que estão aprisionados nos próprios estreitamentos.
O Papa Francisco sublinha que dialogar significa “ouvir-se um ao outro, confrontar posições, pôr-se de acordo e caminhar juntos”. Diálogo, pois, é caminho para a paz, estabelecendo alianças urgentes, com a correção de descompassos – em falas e posturas – para que seja priorizado o bem comum. Nessa perspectiva, seja acolhida a indicação do Papa: os grandes desafios sociais e os processos de pacificação não podem prescindir do diálogo entre gerações, promovendo uma política sã – que não se contenta com remendos ou soluções rápidas. Ao invés disso, como forma eminente de amor pelo semelhante, busca projetos compartilhados e sustentáveis, construindo, a partir do diálogo, os caminhos da paz.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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