O primeiro dia da Semana da Pátria, inaugurando o sempre esperançoso mês de setembro, com suas notas de primavera, coincide com o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação – convocação do Papa Francisco para o inadiável compromisso de cuidar da casa comum. A pátria Brasil, considerando seus bens naturais magníficos, é especialmente interpelada a acolher a convocação do Santo Padre. A Oração pelo Cuidado da Criação é uma súplica a Deus, único Senhor absoluto. Constitui também uma forte e profética interpelação àqueles que usufruem do planeta. À humanidade foi confiada, por Deus, a tarefa de ser administradora da Criação. O ser humano não pode se considerar dono do planeta, agindo de modo despótico, ilusoriamente convencido de que pode explorá-lo com o propósito de se enriquecer, egoisticamente. A depredação da casa comum, com extrativismo selvagem, provoca a desolação social e ambiental.
É preciso sabedoria para tratar, de modo civilizado e sustentável, os bens da Criação, que precisam estar à disposição de todos. No horizonte da compreensão deve ecoar a inspiradora palavra do profeta Amós: “Jorre a equidade como uma fonte, e a justiça como torrente que não seca” (5, 24). Assim, o convite forte e retumbante é ‘que jorrem a justiça e a paz’. O profeta Amós expressa o desejo amoroso do próprio Deus. O desejo de Deus é que haja justiça como dom essencial e inegociável para o bem da humanidade. Exista também um sábio equilíbrio para reger as atitudes de cada pessoa, protagonista na história deste jardim – a casa comum. Sem a justiça, todos, cedo ou tarde, se tornam vítimas de desequilíbrios. São fechadas portas para a indispensável experiência do amor – vocação, missão e razão que reveste de sentido a vida humana.
A promoção da justiça precisa, pois, ser “ponto de honra” da conduta cidadã e compromisso maior na organização sociopolítica. Investir para que a sociedade seja mais justa pede, de cada pessoa, compromisso com uma vida comunitária baseada na verdade e na promoção incondicional do bem. Na mensagem para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, o Papa Francisco sublinha que o ser humano deve ser justo em todas as situações, esforçando-se sempre para viver segundo leis que contribuam para o florescer da vida. A principal atitude nesse sentido é cultivar uma relação justa e amorosa com Deus, com a humanidade e com a natureza.
O Papa Francisco se recorda de sua visita, em julho de 2022, a um tradicional local de peregrinação para gerações de indígenas, às margens do Lago Sant’Ana, província de Alberta, no Canadá. Naquela oportunidade, o Papa Francisco disse: “Quantos corações chegaram aqui ansiosos e trepidantes, sobrecarregados pelo peso da vida, e junto destas águas encontraram a consolação e a força para continuar! Mas aqui, imerso na Criação, há outro batimento que podemos escutar: a palpitação materna da terra. E assim como o batimento dos bebês, ainda no seio materno, está em harmonia com o das mães, assim também para crescer como seres humanos precisamos de cadenciar os ritmos da existência com os da Criação que nos dá vida”. Essa experiência de estar em sintonia com os ritmos da criação é indispensável para que prevaleça o amor e a humanidade consiga dar à existência o seu verdadeiro sentido, tornando-se artífice da beleza do amor e da alegria de viver.
Crimes ambientais contra a casa comum vitimam o planeta e aqueles que são privados das belezas da criação. Aqueles que destroem o meio ambiente podem até “encher os bolsos”, locupletar-se com os superávits, mas sacrificam um amor que não tem preço. Esse amor é o único remédio para combater e vencer adoecimentos contemporâneos devastadores. O Papa Francisco se recorda de Bento XVI, que afirmou: “Os desertos exteriores se multiplicam no mundo porque os desertos interiores tornaram-se tão amplos”. Eis a consequência do consumismo voraz, alimentando corações egoístas que destroem o planeta. O Papa Francisco aponta, entre tantos prejuízos causados pelo desrespeito à casa comum, o comprometimento hídrico que aflige muitas pessoas. A destruição de mananciais é resultado de doentios e cegos interesses pecuniários.
Conforme adverte o Santo Padre, indústrias predatórias devastam fontes de água potável, engendrando uma verdadeira guerra motivada pela escassez de um recurso essencial e por enriquecimentos ilícitos. A mensagem do Pontífice denuncia a apropriação da água, transformada em uma simples mercadoria submetida às “leis” do mercado. Essa submissão torna a água, fundamental para a vida, motivo de disputas fratricidas. Insiste o Papa Francisco para que seja colocado um fim a esta guerra insensata contra a Criação, permanecendo ao lado das vítimas da injustiça ambiental e climática. Os corações precisam bater, de modo uníssono, pela justiça e pela paz. Se a guerra contra o planeta continuar, dentre as muitas consequências, está o fim de muitos rios e nascentes, em razão do uso desenfreado de combustíveis fósseis e da destruição das florestas, elevando a temperatura global.
É urgente criar modelos sustentáveis que estejam na contramão das ganâncias que sacrificam o meio ambiente. Para isso, deve-se transformar o próprio coração – aderir a um novo estilo de vida que respeite os limites dos recursos naturais, e, nessa perspectiva, planejar políticas públicas nos parâmetros da sustentabilidade. A sociedade brasileira tem uma referência importante para encetar, com urgência, um novo caminho. O Hino Nacional Brasileiro é uma ode ao jardim da casa comum, nesta espetacular exuberância da natureza, presente em todo o território nacional. Para além das emoções de seu canto nos estádios esportivos, nas conquistas de medalhas, ou mesmo no cumprimento de deveres cívicos escolares, a maestria de sua letra e a arquitetura de sua retumbante melodia precisam inspirar o urgente cuidado com a natureza – novos rumos para a pátria Brasil.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
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