Mesmo em Lviv, as sirenes continuam a soar e a cidade está sendo bombardeada. Que reflexão surge em seu coração em vista do segundo aniversário da guerra em larga escala na Ucrânia?
Entre as muitas palavras nas páginas dos Evangelhos, uma afirmação de Jesus me chama a atenção: “Não há árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons. Porque cada árvore se conhece pelo seu fruto”. Essas palavras são a voz da verdade para julgarmos a conduta das pessoas que, ao seguirem o mal, tornam-se frutos amargos para os outros. E embora digam que querem defender e libertar, vemos que não é esse o caso. Em vez de paz, elas geram guerra. Em vez de amor, geram ódio. Em vez de tranquilidade, geram medo. Esse é seu fruto, amargo e azedo. Dói-nos o fato de que, algumas décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial, tenhamos novamente de defender nossa liberdade e refletir sobre como os seres humanos são incapazes de lembrar os horrores que a guerra deixou para trás. Nós, no entanto, nos lembramos muito bem: a maioria apenas através dos registros históricos, mas há pessoas que se lembram desse período como uma experiência pessoal.
Infelizmente, a guerra se tornou a experiência pessoal de todos. Como é a vida cotidiana na Ucrânia hoje em dia?
Infelizmente, as atividades militares continuam. Mísseis e drones atingem pessoas e cidades. Soldados e civis inocentes são mortos. Muitas pessoas são feridas, privadas de suas casas, de seus meios de subsistência e da falta de trabalho. Tudo isso gera medo, ansiedade e incerteza. Muitas crianças, adultos e até padres caem em desespero, depressão e outras doenças psicológicas. Nessa situação, a Igreja tem o compromisso de ajudar a todos. Ajudamos os soldados que estão lutando por meio do serviço de capelania, organizamos a distribuição de alimentos, medicamentos, equipamentos e até mesmo a compra de drones. Continuamos a receber deslocados internos, organizamos ajuda humanitária e os enviamos para zonas de guerra. Também fornecemos essa ajuda a famílias pobres em nossas paróquias. Organizamos uma ampla atividade pastoral para fortalecer a fé e a esperança dessas pessoas.
Como ajudar as pessoas a ter esperança e fé neste momento?
Em primeiro lugar, convidamos os fiéis a rezar, encorajados pelas palavras da Carta de São Tiago: “Que aqueles entre vocês que estão sofrendo rezem”. Sem dúvida, já experimentamos a dor da guerra. É por isso que o pedido do Apóstolo é um chamado e uma tarefa para nós. É isso que podemos oferecer hoje a nossos entes queridos e a toda a Ucrânia. Nossa oração deve ser como o incenso que sempre tem apenas uma direção, da terra para o céu. Ela deve ser o grito de um só coração e de um só espírito. O Papa Francisco também nos pediu: “Que as orações e súplicas que hoje se elevam ao céu toquem as mentes e os corações dos líderes mundiais, para que coloquem o diálogo e o bem de todos acima dos interesses particulares. Por favor, guerra nunca mais!”. Essa é a intenção de nossas orações, que se juntam à voz do Santo Padre, que defende a liberdade e a paz. Portanto, na experiência do sofrimento, nossa arma na luta pela paz é a oração. Somos os combatentes de Deus, não com uma arma, mas com o Rosário. Não no campo de batalha, mas de joelhos diante do Santíssimo Sacramento. Dessa forma, abraçamos o país inteiro com uma corrente de orações, especialmente por aqueles que, na linha de frente dessa guerra insana, em nosso nome e por nossa causa, lutam pela liberdade da pátria. Dessa forma, trazemos um senso de segurança e solidariedade para nossa vida. Além da oração, outra dimensão que constrói a esperança e a força é a boa palavra. Hoje, chegam notícias de todos os lados que não trazem otimismo, mas muitas vezes horror. Dessa forma, a esperança e o consolo, uma boa palavra e o apoio do espírito partem de nós. As palavras do Senhor Jesus, “Levai o fardo uns dos outros”, tornam-se a tarefa que devemos assumir, com a qual devemos nos aproximar do próximo. E aqui está o teste para uma atitude de amor baseada em obras. Precisamos nos encontrar nessa realidade. O Papa Francisco nos disse: “O misericordioso é aquele que também sabe sentir empatia pelos problemas dos outros”. E ainda: “Que as obras de caridade não sejam uma forma de se sentir melhor, mas de participar do sofrimento dos outros, mesmo ao custo de se expor e se incomodar”. Nestes tempos difíceis, essa é a atitude que incentivamos e tentamos ter, para que as pessoas vejam nossas boas ações e louvem nosso Pai Celestial.
O ato de confiar a Rússia e a Ucrânia à Mãe de Deus deu frutos? Se sim, quais?
Imediatamente após o ato de consagração da Rússia e da Ucrânia pelo Papa Francisco no Vaticano, bem como em nossas paróquias e dioceses, vimos que no sábado seguinte o exército russo se retirou de Kiev. Nossa Senhora de Fátima incentivou a oração, a penitência e a conversão. Também vemos isso em muitos dos fiéis de nossa Igreja e de outros ritos e denominações. As pessoas percebem que a única salvação está em Deus e que somente um milagre pode salvar a Ucrânia. E esses são os frutos da confiança na Mãe de Deus. Apesar dessa situação difícil, as pessoas não perdem a esperança. Elas ainda têm muita força e otimismo. Elas sabem como demonstrar grande solidariedade e apoiar umas às outras. Em tudo isso, elas veem a necessidade da oração e da ação da graça de Deus. Os soldados frequentemente falam do poder da oração que experimentam e são gratos a todos que rezam por eles.
Mas como encontrar esperança neste período sombrio?
O que me dá força, esperança e fé é ver que a Providência Divina não nos abandona e que há muita fé por parte das pessoas. Um soldado contou o que aconteceu com ele na frente de batalha. Disse que durante a luta eles ficaram sem munição e sabiam que estava tudo acabado. Não podiam sair das trincheiras porque seria morte instantânea. Então, depois de um tempo, começaram a bater continência uns para os outros e viram soldados russos se aproximando. Um dos soldados ucranianos, que sabia que naqueles dias haveria um funeral para seu tio, que também morreu na guerra, rezou: “Senhor Deus, faça alguma coisa, porque minha família não sobreviverá a dois funerais”. O soldado disse que, depois de um tempo, os russos pararam, deram meia-volta e retornaram. Para ele e para nós, isso é um milagre tangível, um sinal da intervenção de Deus. Outro exemplo: o irmão de um sacerdote trabalha como médico na frente de batalha e certa vez confidenciou ao irmão: “Você sabe que não sou religioso, mas sei que só estou vivo graças às suas orações e às de seus colegas”.
A oração se torna uma força?
No momento particularmente difícil em que a Ucrânia se encontra, permanecemos vigilantes diante da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Hoje, como a guerra se tornou uma realidade, temos uma necessidade ainda maior de abraçar a cruz e permanecer ligados a esse sinal de amor e salvação, o sinal da vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio, da verdade sobre a mentira, da humildade sobre o egoísmo. Neste momento difícil, a Ucrânia também precisa de solidariedade e pessoas de bom coração para perseverar.
Qual é a importância de continuarmos a nos solidarizar com a sofrida Ucrânia?
Permitam-me, neste momento, expressar minha gratidão a todos os sacerdotes, pessoas consagradas e fiéis da Igreja na Ucrânia e no exterior, especialmente na Polônia, por sua bela atitude de amor. Essa atitude é o Evangelho vivo das boas ações. Foi a Polônia que mostrou ao mundo a face divina do amor. A atitude dos poloneses surpreendeu os ucranianos e eles estão cientes do grande coração que demonstraram, mostrando sua verdadeira humanidade e cristianismo. Por fim, também gostaria de pedir que não percamos essa face divina do amor. Precisaremos dela ainda por muito tempo, mesmo quando a tão sonhada paz chegar.
Beata Zajączkowska – Cidade do Vaticano/Vatican News
Comments
No comment