O Papa Francisco, em tom de advertência, faz um novo apelo, na Exortação Apostólica “Laudate Deum/Louvai a Deus”, à consciência ecológica mundial: governantes, servidores do povo, Igreja e toda a sociedade precisam dedicar especial atenção à crise climática global. O novo apelo estabelece relação de continuidade com a Carta Encíclica “Laudato Sì”, publicada há quatro anos, quando o Papa Francisco, magistralmente, iluminou a compreensão, o sentido e o alcance do conceito de ecologia integral. A Carta Encíclica sublinhou que as questões ambientais não estão isoladas, nem podem ser tratadas fora do horizonte maior relacionado à dignidade humana, diante do compromisso da inviolabilidade da vida em todas as suas etapas, da concepção ao declínio com a morte natural. Tudo está interligado e convive-se com prejuízos terríveis quando não se tem o olhar terno de Jesus dedicado a toda Criação.
O olhar de Jesus inspirou a vida de Francisco de Assis, seus cânticos e gestos. São Francisco bem expressou a sensibilidade de Jesus diante das criaturas de seu Pai. Seu olhar terno e reverente está na contramão do planeta maltratado: a situação da Terra mostra que o cuidado com a casa comum ainda não é suficiente. O que se verifica é o assombro de prejuízos irreversíveis que mortalmente atingem a dignidade do ser humano. Esses prejuízos são apontados pelo Papa Francisco com a força de uma profecia corajosa. Os cenários de pobreza e de exclusão social, conflitos, mortes, manifestações furiosas da natureza comprovam a gravidade da situação, que ameaça a dignidade humana. Por isso, a insistente lembrança de que tudo está interligado, inspirando o engajamento de todos para a adoção de um novo estilo de vida. É preciso superar determinados modos de agir no mundo, indiferentes em relação ao planeta, pautados pela mesquinhez – recordando acontecimentos narrados na Bíblia.
A narrativa da arca de Noé, Livro do Gênesis, expressa, com especial força performativa, como se chega fácil ao caos irreversível. Não se trata de uma simples abordagem ligada à preservação da fauna e da flora. Inclui a necessidade do cuidado com o semelhante, condição essencial para a autopreservação. Nessa perspectiva, as alterações climáticas trazem consequências para cada pessoa, exigindo uma adequada resposta de todos, com a adoção de um novo estilo de vida. O ataque à natureza, seja qual for a intensidade e circunstância, traz consequências nefastas à vida de todos. A defesa do meio ambiente não se trata de uma questão secundária ou ideológica. Diz respeito ao enfrentamento de um problema que prejudica todos os homens e mulheres, em qualquer parte do mundo. Uma situação que, se não for enfrentada, levará ao agravamento de tantos outros flagelos: a guerras, a fome, a miséria, a exaustão dos recursos naturais e de tantos outros bens escassos, a exemplo da água.
O apelo do Papa Francisco mostra que não se pode negar, esconder e dissimular os sinais de problemas graves. A humanidade já convive com fenômenos extremos – calor anormal, seca e outros “gemidos” do planeta Terra. São sinais de uma doença silenciosa que está solapando a vida no planeta, particularmente das pessoas. É preciso escutar o grito do planeta e dos pobres, pois a gradativa elevação da temperatura global faz progressivamente crescer a probabilidade de eventos catastróficos. O aumento das temperaturas no planeta somente pode ser vencido com readequações de práticas cotidianas e de legislações regulatórias. As atitudes de cada cidadão e as legislações precisam de mais assertividade – livres de manipulações do poder econômico, sob pena de toda a humanidade padecer com pesos esmagadores. Por isso, todos precisam buscar se informar, refletir e se posicionar diante de tudo que leva à degradação ambiental.
Muitas vezes, até dados científicos são usados na formatação de argumentos que relativizam a gravidade dos problemas enfrentados pelo planeta. Ridiculariza-se o aquecimento global, com gente se referindo a “frios extremos”. Há também quem atribua aos pobres a responsabilidade pela exploração predatória de recursos, argumentando que “eles têm muitos filhos”. Buscam, assim, justificar a mutilação de mulheres e outros absurdos, como o aborto. Atribuir responsabilidade aos pobres apenas acentua lógicas de exclusão e contribui para o esgotamento extrativista da natureza. Dentre as muitas outras justificativas para não se enfrentar o fenômeno do aquecimento global está o argumento de que reduzir o consumo de combustíveis fósseis trará graves consequências sociais, como a eliminação de postos de trabalho. Ignora-se que trabalhadores já estão perdendo seus empregos em razão das mudanças climáticas.
Para iluminar a consciência ecológica, todos devem buscar conhecer as causas que têm levado o planeta ao desequilíbrio. Papa Francisco, na veemência e urgência do seu apelo e advertência, mostra, em seis capítulos da Exortação Apostólica “Laudate Deum/Louvai a Deus”, as causas humanas de tudo o que está acontecendo. A Exortação Apostólica enfatiza, particularmente, a força dominadora do crescente paradigma tecnocrático, comprovando sua perversidade, as suas indiferenças relacionadas às exigências e às urgências deste momento. Todos são convidados a participar da “mesa de debate” dedicada a encontrar caminhos para trazer equilíbrio ao planeta, a reverter o progresso das mudanças climáticas. Sejam promovidos diálogos capazes de superar dogmatismos e indiferenças por um novo tempo, por um novo e urgente estilo de vida.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
Foto: Captura de vídeo
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