Dar ouvido à sabedoria, inclinando o coração à prudência, é conselho precioso no horizonte rico e sempre luminoso do Livro dos Provérbios. Indicação que inspirou Salomão, em seu governo, a preferir receber do trono de Deus a sabedoria, ao invés das riquezas. Compreende-se, assim, que a sabedoria tem maior valor, pois tempera discernimentos, ilumina intuições que trazem soluções aos grandes problemas e faz valer a força do amor – priorizando o bem e a justiça, não os interesses egoístas. Dar ouvido à sabedoria é indicação sensata e indispensável à condução da própria vida e, particularmente, ao exercício de responsabilidades. Trata-se de meta existencial desafiadora que, se não for buscada, pode enjaular o ser humano em seus próprios estreitamentos, ameaçando ainda a liberdade do semelhante. Também as instituições podem sofrer as consequências, pois correm o risco de se enfraquecerem e não conseguir exercer bem a sua missão, de modo coerente com a sua identidade.
Cada um em seu horizonte de atuação deve considerar entendimentos e pareceres técnicos importantes, mas indispensável é o bom senso para emoldurar as próprias atitudes com as balizas da sabedoria. Sem esses parâmetros, processos sofrem atrasos, convive-se com manipulações ideológicas, propaga-se a incompetência humana para avaliar o próprio desempenho. E sempre é grande o risco de deixar-se guiar por entendimentos estreitos, que levam a inadequadas interpretações de circunstâncias e situações. Reconheça-se a importância de se cultivar a humildade necessária para dar ouvido à sabedoria. Um exercício que remete à prática existencial e estratégica de sempre buscar ouvir o semelhante.
Exercitar a capacidade para escutar outras perspectivas é sempre um desafio humano-existencial. Há de se avaliar a peculiaridade desse desafio no mundo contemporâneo, quando há muita facilidade para a circulação de opiniões. Nesse contexto de muitos dizeres, mas carência de capacidade para escutar, o que se verifica são desequilíbrios que fazem submergir discernimentos. O resultado são prejuízos graves nascidos na contramão da verdade e da justiça. Não se pode balizar o que se diz e o que se escolhe no horizonte restrito da própria individualidade. Devem ser considerados os riscos de interpretações equivocadas, que levam a juízos contaminados de parcialidade e manipulações, perversamente fazendo valer interesses de alguns, com sacrifícios de muitos outros. E com frequência, os mais prejudicados e injustiçados são os indefesos e os pobres.
Importante é retomar o conselho de dar ouvido à sabedoria. Isto significa, ao mesmo tempo, reconhecer que há posições, interpretações e juízos aos quais, definitivamente, não se pode e não se deve “dar ouvidos”. Não se deve dar atenção àqueles incapazes de sair dos próprios limites existenciais e experienciais. A expressão “dar ouvido” remete ao mais genuíno sentido de escuta: capacidade que cria as condições para a construção de entendimentos inspiradores, possibilitando mudar subjetividades e realidades. Mas, na direção oposta desta capacidade, hoje o que prevalece é a multiplicação de falas, buscando impor conceitos e compreensões. A civilização contemporânea sofre as consequências de muitos “dizeres” que não encontram um necessário fundamento: o silêncio essencial à escuta.
O silêncio essencial à escuta alicerça a qualidade de raciocínios, contribuindo para o encontro de soluções que promovem a vida e ajudam a sociedade a avançar. Por isso mesmo, o conselho sapiencial precioso de dar ouvido à sabedoria não pode se converter em uma atitude demagógica de simplesmente fingir que está escutando. Ao invés disso, deve inspirar, cotidianamente, a adoção de uma postura alicerçada no silêncio. Saber ouvir para adequadamente confrontar o coro de vozes que ecoa na própria interioridade. Assim, permanentemente avaliar as próprias atitudes e os modos de pensar. A capacidade para escutar o semelhante, emoldurada pelo “silêncio” interior e pelo “silêncio” que permite a fala do próximo, é caminho eficaz para que seja dado ouvido à sabedoria.
Os sábios da humanidade, os místicos das confissões religiosas, as grandes figuras que inauguraram novos ciclos da história são os que, antes de tudo, foram exímios na capacidade para dar ouvido à sabedoria. Dentre as lições que transmitiram à humanidade está a importância essencial da atitude de escutar, emoldurada pelo silêncio, longe de falatórios, dizeres superficiais. A atenta escuta pode proporcionar a conquista de liberdade interior, com propriedade para suportar injustiças e desmascará-las. Aqueles que verdadeiramente escutam em profundidade conseguem dizer o que é relevante, livrando-se das superficialidades, de estreitamentos existenciais. Assim, cumprem a sua missão com competência técnica e, especialmente, com a indispensável sabedoria.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
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