A última semana da Quaresma é a Semana das Dores, referência forte cultivada pela religiosidade popular às sete dores da discípula exemplar, Maria – Mãe de Jesus, o crucificado-ressuscitado. As sete dores de Maria estão narradas na Palavra de Deus e, pode-se afirmar, são também sofrimentos da humanidade. As dores de Maria apontam, assim, para as chagas da civilização contemporânea. Ao mesmo tempo, oferecem caminho para superá-las. Constituem uma espiritualidade com força de recomposição e cura. Itinerário espiritual para se buscar a força necessária à superação das tristes cenas do cotidiano, especialmente aquelas que apontam para a crescente desconsideração da vida humana. Essa desconsideração exige atitude: buscar a superação de todo tipo de mágoa, mal com força de dominação que pode levar o ser humano a sucumbir-se.
A exemplaridade de Maria está expressa no seu olhar de Mãe e Discípula, como bem retrata a arte iconográfica e escultórica: a dor do sofrimento e o mistério da fé, fazendo brotar uma luz de esperança, nascida da certeza inigualável do que é revelado pelo amor de Deus. É impossível curar as dores humanas sem a referência maior deste amor de Deus. Procurar o amor divino é uma necessidade essencial e encontrá-lo é a fonte inesgotável da força maior que sustenta o ser humano. A primeira espada de dor que aflige Maria, referida pela profecia de Simeão – o homem justo, revela a humanidade ferida pelo pecado, causa de sofrimentos e de desdobramentos que impedem a conquista da fraternidade solidária. A consequência é um mundo de disputas que presidem o viver humano, fazendo prevalecer lógicas egoístas, interesseiras e povoadas de indiferentismos.
A desolação crescente da exclusão social, com diferentes tipos de discriminações, é também evidenciada a partir das vítimas de arbitrariedade dos poderosos, que são obrigadas a deixar suas terras. Uma situação retratada na segunda dor de Maria – a fuga da Sagrada Família para o Egito. Essa dor explicita o descaso daqueles que buscam favorecer poucos, sacrificando muitos que são obrigados a renunciar, forçosamente, às próprias raízes, abandonar seus laços culturais, para defender a própria vida. A segunda dor de Maria aponta para o sofrimento dos migrantes, mas também ensina o que significa ser peregrino – aprender a viver sem apegos a bens. Um remédio para superar o egoísmo que multiplica os pobres da terra.
A perda do menino Jesus no templo, a terceira dor de Maria, possibilita encontrar um sentido maior para a própria vida – a vocação de cada um no horizonte do amor de Deus. O Filho Salvador e Redentor da humanidade revela o horizonte largo e sempre desafiador da vontade do Pai. Deus se expressa na obediência de seu Filho Jesus, que caminha para a morte. Esse caminhar de Jesus rumo ao calvário alcança o coração da Mãe, sua quarta dor, revelando a coragem da Discípula exemplar, que se fundamenta na fé, mesmo quando o suplício ultrapassa limites humanos. Maria suporta essa dor a partir de sua confiança incondicional em Deus, Pai de amor. O coração da Mãe dolorosa alcança a compreensão lúcida do sentido da morte de seu Filho, sua quinta dor, nas sombras da tristeza. Essa compreensão lúcida descortina o tempo novo do amor vitorioso sobre todo ódio. O martírio de Cristo, à luz da fé vivida por Maria, não se trata de fracasso, mas de comprovada vitória da vida sobre a morte. A Mãe que teve diante dos seus olhos a morte de seu filho, exemplarmente testemunha a justiça divina, cooperando com a salvação da humanidade.
A dolorosa acolhida do Filho morto nos seus braços de Mãe, golpeado pela maldade, sexta dor de Maria, testemunha a verdade da oferta no altar da cruz. O silêncio profundo do momento derradeiro de todo esse sofrimento se configura no sepultamento de Jesus, fecundado pela certeza da vida que supera a morte, sétima dor de Nossa Senhora. As sete dores de Maria são verdadeira escola, na exemplaridade de seus gestos que expressam a confiança incondicional no amor maior. Revelam dores da humanidade que, no seu reverso, guardam o caminho para a construção de uma sociedade redimida, marcada pela força inigualável do Evangelho, que abre as portas do Reino de Deus. As dores de Maria são também os sofrimentos da humanidade. As lições da Discípula exemplar são escola do amor e da confiança em Deus.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte(MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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