Exercitar-se na fé

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Viver é uma arte que pede exercícios essenciais para se encontrar o sentido da vida. Às vésperas da Semana Maior, todos chamados a participar do mistério da paixão, morte e ressurreição da pessoa mais importante, Jesus Cristo, o filho de Deus, Redentor e Salvador, brilha no horizonte da humanidade a importância insubstituível de exercitar-se na fé, cultivando-a. Ao lado da razão, a fé constitui um par de asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. É o que ensina São João Paulo II na sua Carta Encíclica Fides et Ratio, de 1998, que acrescenta: “Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio”. Chegar a essa verdade plena é reconhecer o sentido da própria existência, constituindo-se como um coração da paz, promotor da paz, porque todos são filhos e filhas do Deus da paz.

Perenemente válida é a máxima “conhece-te a ti mesmo”. Um desafio humano-existencial que precisa destas duas asas – fé e razão – para levar o espírito humano à verdade, aquela a qual Cristo se refere quando diz: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Dedicar-se à busca desse conhecimento proporciona a envergadura, constatável, de quem vive, adequadamente, a cidadania civil e a cidadania do Reino de Deus, a partir de um testemunho de fé que se expressa, sempre, no compromisso com a vida, em todas as suas etapas, na adoção de posturas e linguagens que configuram uma presença qualificada na sociedade, ajudando a transformá-la no horizonte do bem, da justiça e da paz.

Exercitar-se na fé é tarefa dos que se reconhecem filhos de Deus. Esse exercício se faz pela riqueza de experiências imprescindíveis, a exemplo da proclamação e escuta da Palavra de Deus. Deve-se também considerar o que a piedade popular traz ao coração com a experiência da fé. O tesouro da piedade popular, por suas várias formas de expressão, toca e alimenta a alma de um povo peregrino, refletindo uma sede de Deus que é própria dos pobres e dos simples.  Entre as expressões da piedade popular – festas dos padroeiros, novenas, rosários e vias-sacras – celebra-se a Semana das Dores, nos dias que antecedem a Semana Santa. Uma oferta rica de espiritualidade, enraizada na experiência da discípula exemplar, Maria, Mãe de Deus, Mãe de todos. Um percurso humano-existencial com lições fortes, com exercícios que, se forem compreendidos e praticados, levam à qualificação humana e espiritual. Assim, preparam o fiel para melhor participar da celebração do mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus.

Longe de ser simples invenção humana e ultrapassando o território do devocionismo, a reflexão e oração sobre as sete dores de Maria, exercício da Semana das Dores, fundamenta-se na forma performativa da narração bíblica. Constitui, pois, um percurso educativo que contribui para o amadurecimento na fé. As dores de Maria, retratadas a partir de mosaicos, em muitos lugares, configurando um percurso, oferecem a oportunidade de um exercício que leva a conquistas humanas e espirituais. Sempre trilhar o caminho que narra as dores de Nossa Senhora, a exemplo daquele que integra o conjunto arquitetônico e paisagístico do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade – Padroeira de Minas Gerais – possibilita novas aprendizagens, com a maestria de Maria, a discípula exemplar. Vale refletir sobre as dores de Nossa Senhora, colhendo um fruto que se torna semente a ser plantada na Semana Santa, para vivenciá-la de modo ainda mais fecundo.

Um convite: fazer este percurso com Maria, com a humildade de aprendizes, semeando na própria alma uma lição nova. O caminho das Dores de Maria se constitui por experiências vividas conforme a narrativa bíblica: A primeira dor é a profecia de Simeão – “uma espada traspassará a tua alma!”.  A lição é a paciência amorosa diante dos sofrimentos da vida. A segunda dor é a fuga para o Egito, iluminando a consciência de que o ser humano é peregrino nesta vida. A terceira dor é a perda do Menino Jesus no Templo. Lição: amor sincero que se expressa no intenso sofrimento pela perda do filho. Quarta dor, encontro com Jesus caminhando para a morte, sublinhando o amoroso compromisso de não abandonar ninguém. A quinta dor é a morte de Jesus na cruz. Lição: o consolo esperançoso de oferecer as próprias dores pela confiança na vitória da vida. Sexta dor, receber o filho morto nos braços, ensinando a permanecer forte diante da morte pela certeza da ressurreição. A sétima dor, Jesus é sepultado, remete à incondicional confiança em Deus. Inscrever-se na escola da Semana das Dores, aprendendo as suas lições, é exercitar-se na fé, qualificando-se para viver ao sabor do Evangelho de Jesus.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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