Reconstruir é um processo intrínseco a todo percurso histórico, seja na vida pessoal ou quando se considera o conjunto de uma sociedade. Historiadores e outros mestres de saberes contribuem para que a importância dos processos de reconstrução seja ainda mais reconhecida. O Brasil, em diferentes momentos de sua história, passou por esses processos. Em passado recente, o País reconstruiu a sua democracia, que lamentavelmente é foco de ataques e brutais tentativas de retrocesso. Agora, nesta terceira década do terceiro milênio, cenários interpelam a consciência cidadã sobre a urgente demanda de se reconstruir o Brasil. Os números da pandemia, em razão de incompetência governamental, por falta de um plano global estratégico para a gestão da crise, inscrevem no horizonte da cidadania consciente e humanitária a convicção de que é preciso (re)construir o Brasil. Sejam considerados os óbitos, as famílias enlutadas, os desdobramentos da pandemia com impactos na economia, particular e dolorosamente com o aumento da desigualdade social, com muita gente sem emprego e sem comida.
As análises sociopolíticas independentes e cientificamente embasadas demonstram, em muitos âmbitos da conjuntura social e política, um processo crescente e perigoso de deterioração do tecido social. As considerações técnico-científicas explicitam desmontagens que atingem a própria democracia, requerendo mais lucidez e serenas considerações de todos os cidadãos. Não se pode deixar-se iludir com os sinais positivos dados por setores da economia, pois o enriquecimento considerável de oligarquias não amenizará a gravidade das crises social e política em andamento. São necessárias providências e intervenções urgentes para evitar que se constitua, na sociedade brasileira, verdadeira “abominação da desolação” – expressão bíblica que define um momento caótico da vida do povo de Israel. A história do Brasil, com seus “altos e baixos”, com seus percalços e vicissitudes, merece respeito. É uma herança com relevante potencial humanístico para alavancar a (re)construção do País. Por isso mesmo, não pode estar em mãos equivocadas e nem refém daqueles que promovem a desconstrução, maquiados como se buscassem defender princípios e valores inegociáveis, mas distantes do que é essencialmente necessário.
A histórica crise política é a ferida diagnosticada mais preocupante. Até por isso, corre-se o risco de acreditar que a solução de fenômeno amplo esteja, simplesmente, em torno de um, dois ou três nomes para sufrágio que definirá a liderança maior. Deve preceder ao processo eleitoral, especialmente considerando o contexto político-partidário, a necessária consciência cidadã de que o Brasil vai mal e precisa mudar. Mudar e mudar muito, com urgência, para tentar recuperar oportunidades não aproveitadas, funcionamentos democráticos sucateados. O País vive retrocessos que representam o retorno a etapas superadas e, também, a carência de uma visão moderna sobre gestão capaz de oferecer respostas adequadas a este tempo. Há de se discutir e, assim, melhor perceber as degradações gravíssimas na educação, na saúde, nas lides ambientais, com escolhas equivocadas e pouco inteligentes, de indivíduos, de processos, de princípios. Antes, sempre, deve-se investir no consenso de que o Brasil, sem nenhum propósito agoureiro, vai mal, e os cidadãos todos precisam querer mudanças e um novo tempo.
É imprescindível um novo e grande movimento civilizatório na sociedade brasileira. O ponto de partida seja a crescente consciência da necessidade de mudanças, para possibilitar novos propósitos, escolhas e posturas capazes de reconfigurar a política e a economia, com incidências sociais fortes e velozes. Muitas coisas precisam entrar em pauta agora, como profícuo movimento para desatolar a sociedade brasileira. É característica do País viver antecipadamente o período eleitoral, mas sempre contaminado com vícios interesseiros, que reduzem a discussão política a dois ou três nomes. Consequentemente, permanece enjaulada a “oportunidade de ouro” para promover as mudanças necessárias e encontrar as respostas adequadas aos desafios sociais. O que se espera é uma ampla pauta dialogal e civilizatória, que inclua também redobrada atenção ao linguajar corrente, exercício facilitado pelas redes sociais e tecnologias contemporâneas.
Ora, as narrativas estão cada vez mais superficiais e desconexas, impedindo avanços e clarividências. Convive-se com falas descarrilhadas, incompatíveis com os cargos ocupados, comprometendo a seriedade das instituições. Um verdadeiro caos de narrativas, que aumentam a confusão, as polarizações, efetivando radicalizações, alimentando medos e desconfianças. Na tarefa de (re)construir o Brasil, é importante investir em discursos esclarecedores da verdade, com força para alargar a mundividência cidadã, fecundando escolhas que mudem cenários e personagens inadequados aos anseios da sociedade. Prevaleçam as narrativas que possam fazer a sociedade brasileira sonhar com mudanças, para que seja aberto novo ciclo civilizatório em que todos efetivamente busquem salvar vidas, respeitar dignidades e direitos, salvaguardar a casa comum com políticas ambientais sensatas, varrer os cenários de vergonhosas desigualdades sociais, garantir a vivência de valores e princípios inegociáveis. Isto é (re)construir o Brasil.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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