Cardeal Hummes recebe o título de Doutor Honoris Causa

A Universidade Nacional de Rosário (Argentina), concedeu nesta quinta-feira, 17 de junho, o título de Doutor Honoris Causa ao Cardeal brasileiro Claudio Hummes, presidente da Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA). “Uma vida dada aos esquecidos do mundo”.
 
A razão desta distinção reside nas suas “meritórias contribuições para a sociedade e para a defesa dos direitos humanos”, de acordo com Dario Maiorana, o patrocinador do candidato a doutorado. Nas suas palavras, o ex-reitor da universidade destacou alguns elementos presentes na vida do cardeal, tais como a defesa da casa comum, “um slogan para todos os homens e mulheres de boa vontade”. Juntamente com isto, reconheceu o seu papel notável na defesa dos trabalhadores durante a ditadura brasileira. Assim como o seu envolvimento em questões climáticas, o que o tornou um dos grandes defensores da Amazônia e dos seus povos.

O reconhecimento ao cardeal Hummes como Doutor Honoris Causa foi uma proposta do Instituto para o Diálogo Global e a Cultura do Encontro. Na Laudatio da investidura, o seu diretor, reconhecendo as muitas razões para isso, destacou no cardeal o fato de ser “um líder esperançoso que partilha a alegria do espírito num sentido fraterno”, e juntamente com isto, ser “um professor que nos ensina o caminho encorajando-nos a uma compreensão plena dos desafios que nos esperam”. Além disso, “o irmão que consola e alcança”, e “o Pastor que alegremente guia a comunidade num sentido de fraternidade, diálogo e transcendência, fora da zona de conforto, entendendo o futuro como um desafio”.

Ao fazer um breve relato da vida do homenageado, Luis Liberman sublinhou “o seu compromisso com os pobres é o horizonte da sua ação pastoral”. Insistiu também que “a sua vocação pedagógica traça a sua identidade como construtor de caminhos de esperança”, relatando diferentes fatos que atestam esta afirmação, um deles o seu envolvimento na Cátedra do Diálogo e da Cultura do Encontro, onde manifestou a sua vocação para “semear e semear, para conhecer, para partilhar”. O mesmo na necessidade de “criar uma Universidade Católica Amazónica intercultural, localizada no território, que atenda tanto à renovação na formação da Igreja como às necessidades de desenvolvimento e crescimento da comunidade”.

No novo Doutor Honoris Causa, Liberman sublinha que “o seu compromisso social e pastoral foi sempre com os mais fracos em testemunho, pregação e ação”, colaborando no que ele chama “a compreensão dos processos de mudança na Igreja latino-americana nos últimos 50 anos”. É alguém que está empenhado na sinodalidade, que Luis Liberman define como “o instrumento necessário para compreender que o nosso caminho está na periferia geográfica e existencial. Questionar a cultura do descarte e a globalização da indiferença. Criar uma pedagogia do cuidado baseada na ecologia integral que, juntamente com a boa política, nos permita projetar uma cultura de encontro”.

É uma história de vida que, nos últimos anos, tem estado ligada a novas experiências eclesiais, tais como a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), cuja criação liderou e que presidiu durante seis anos, o Sínodo para a Amazônia, do qual foi relator geral, e a Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), que “é um organismo episcopal que visa promover a sinodalidade entre as igrejas da região e continuar a tarefa de encontrar novos caminhos para a missão evangelizadora, especialmente incorporando a proposta da ecologia integral”, segundo Liberman. Ele insistiu que o homenageado “tornou-se uma figura de grande importância global pelo seu trabalho na defesa dos direitos humanos e do ambiente”.

A cerimônia contou com a presença de alguém que disse dever muito ao cardeal Hummes, o Papa Francisco, pelo “exemplo que me deu durante a sua vida”. Com uma mensagem autografada, que o homenageado disse não merecer, o Papa Francisco disse estar “feliz com esta decisão porque se trata de agradecer a Deus e à vida por nos terem dado estes companheiros de caminho, estes líderes que têm a coragem de abrir trilhas, caminhos e de provocar sonhos; a coragem de continuar sempre olhando o horizonte sobre os problemas e dificuldades do caminho”.

Para o Santo Padre, o cardeal Hummes é “um homem de esperança e um semeador de esperança”. Alguém que no momento em que foi eleito Papa disse-lhe duas frases que ficaram marcadas nos seus pensamentos e na história da Igreja, e que ele recordou na sua mensagem: “é assim que o Espírito Santo age”, e juntamente com isso “não se esqueçam dos pobres”.

O cardeal Pedro Barreto também participou no ato acadêmico, realizado virtualmente, e mostrou a sua profunda alegria pelo reconhecimento do cardeal Hummes, alguém que tem sido um companheiro no caminho e nos sonhos desde setembro de 2014, quando a REPAM foi criada, na qual foram presidente e vice-presidente. Nas suas palavras, o cardeal peruano insistiu no papel do cardeal Hummes como “um líder de esperança que, agora aposentado, se dedicou a servir a Amazônia”. Daí a importância dos passos dados neste tempo, com a celebração do Sínodo e a criação da Conferência Eclesial da Amazônia, que, nas palavras de Pedro Barreto, “o cardeal Hummes preside, encorajando a esperança para a Amazônia e para a Igreja”.

O reitor da universidade anfitriã definiu o evento como “o mais importante da vida académica de uma universidade”, enfatizando a “alegria de ter uma personalidade tão simples e enorme entre o corpo docente”. Franco Bartolazzi disse que foi um título atribuído por unanimidade e com força, reconhecendo no cardeal Hummes, um espelho no qual escolhem olhar para si próprios, olhando para os princípios e valores que impulsionam o seu compromisso. Por esta razão, afirmou que “neste ato estamos pondo em evidência a universidade que queremos ser”.

O Reitor da Universidade Nacional de Rosário, falando do testemunho da vida do homenageado, definiu-o como “um apelo de Deus que se torna uma vida dada aos mais fracos, aos trabalhadores, aos povos originários, àqueles que o mundo deixa de lado, marginaliza”, insistindo na necessidade de “reconhecer a sua vida dada aos esquecidos do mundo”. Bortolazzi agradeceu ao cardeal Hummes pelo seu testemunho de vida, pelo seu empenho no cuidado da nossa casa comum, pela sua mensagem de alegria e esperança, e pela sua pregação de amor, insistindo na necessidade de “construir uma visão e uma forma mais amorosa de andar no mundo, porque o amor, no fim de contas, é o que nos salva”.

Depois de saudar os presentes, o homenageado, que disse não ser merecedor da “mais alta distinção que uma Casa de Estudos Superiores pode oferecer”, começou o seu discurso recordando a sua passagem na Universidade de Rosário, onde se encontrou com os sindicalistas. O título é assumido em representação da Amazônia e dos seus povos, uma região que o cardeal Hummes vê como “decisiva para o nosso planeta” e onde “de uma forma chocante vemos os efeitos das alterações climáticas…, que degradam a vida dos mais vulneráveis, criando solidão e exílio”.

Segundo o cardeal brasileiro, “nos últimos anos, a humanidade e a Igreja despertaram” para a realidade da Amazônia, especialmente com Laudato si’, que “insiste que a crise ecológica também envolve uma dimensão social, porque tudo está interligado”. Neste caminho, salientou a importância do Sínodo para a Amazônia, como algo que alimentou as esperanças e recuperou as transformações da Igreja desde o Concílio Vaticano II.

No seu discurso, fez um relato da sua vida, desde o seu nascimento em 1934 no Rio Grande do Sul. Como descendente de imigrantes alemães, “nunca houve falta de boa comida e das coisas básicas para viver bem e feliz”. Foi aí que nasceu a sua vocação sacerdotal e franciscana, algo que ele sempre quis ser. No seu relato recordou o seu doutorado em Roma, numa época marcada pelo “início do Concílio Vaticano II, um processo cuja energia ainda ilumina o debate da Igreja e as boas transformações trazidas pelo Papa Francisco”, de quem afirma que “revitalizou o espírito do Concílio, especialmente a sua essência conceptual: uma Igreja Sinodal.

O cardeal Hummes fez uma leitura do caminho eclesial pós-conciliar na América Latina, “um território que sofreu tremendamente com as injustiças”, se perguntando sobre as suas causas. Viveu a maior parte deste caminho como bispo, sendo Santo André, em 1975, a sua primeira diocese, uma época que ele define como “anos excitantes”. Nessa altura, diz ele, “apercebi-me de quem eram os pobres e os opressores”. Numa região com 250.000 metalúrgicos, no meio da ditadura militar, a figura de Luiz Inácio Lula da Silva emergiu como um grande líder sindical.

Com alguém que tem sido uma figura determinada na história recente do Brasil, o cardeal diz que “trabalhamos juntos, porque a diocese de Santo André optou imediatamente por apoiar este novo sindicalismo que não era violento e cujas exigências considerávamos justas”. De fato, o então bispo diz que “muitas vezes acompanhou Lula em manifestações de rua”, fazendo das igrejas um ponto de encontro para os grevistas. Mais tarde, como ele relatou, foi nomeado arcebispo de Fortaleza, de São Paulo e em 2006 assumiu o encargo da Congregação do Clero no Vaticano.

No seu regresso ao Brasil em 2011, assumiu a Comissão Episcopal da Amazônia, visitando as suas dioceses e prelaturas, o que lhe permitiu conhecer a região, o seu povo e a sua igreja. Recordou também o conclave de 2013, no qual o Papa Francisco foi eleito, a quem acompanhou na sua primeira aparição pública. Este fato é considerado pelo cardeal como algo histórico, “a Igreja foi definitivamente aberta a horizontes globais”, assumindo elementos como a inculturação da fé e o “sensus fidei”. No pontificado de Francisco recordou alguns momentos, como o seu encontro com os bispos no Rio de Janeiro em 2013, onde “ele iria contar-nos coisas que ainda hoje nos abalam, especialmente sobre a Amazônia”. Nessa altura, refletiu sobre a necessidade de a Igreja de Manaus integrar a sua cultura e o seu povo.

Ao falar sobre as marcas que o Papa Francisco imprime hoje na família humana e na Igreja, salientou a necessidade de caminharmos juntos, de sermos “uma Igreja que não está lá para condenar o mundo”. No seu relatório, referiu-se à REPAM e ao seu papel no processo do Sínodo para a Amazônia, afirmando que “a REPAM cresceu a partir das raízes e estende os seus braços para ir ao encontro do invisível da terra”. Hoje a REPAM tem uma organização irmã, a CEAMA, que ele próprio preside, sublinhando que “juntas nutrem e alimentam o processo desencadeado pelo Sínodo e propõem a toda a Igreja que saia ao seu encontro”.

O cardeal brasileiro, que participou no Encontro do Clima em Paris, refletiu sobre as questões climáticas, criticando como inaceitável que “a tecnocracia esteja no centro da ideologia capitalista e signifique utilizar a tecnologia que temos sem consideração pela morte de outros e pela destruição da natureza, pondo em risco o futuro do planeta”. Por esta razão, especialmente neste tempo de pandemia, propõe “uma sociedade de vizinhos, uma sociedade de nós”, denunciando que, face ao Covid-19, as vacinas são distribuídas primeiro nos países ricos e depois, no final, nos países pobres.

Neste contexto, defende modelos de pensamento que convergem na conversão ecológica e na boa política, na pedagogia do cuidado da casa comum, “que cria consciência das minhas possibilidades no cenário da minha comunidade, do meu povo, da minha terra”, insistindo que “a minha existência pessoal só é possível com a existência do outro”. Portanto, “se aceitarmos que ninguém é salvo sozinho, que estamos todos no mesmo barco, então nada mais do que confiança, conhecimento, fé e diálogo será a condição indispensável para um novo começo”. Perante isto, concluiu pedindo que “não nos deixemos levar a nossa esperança!”

Padre Modino – CELAM e Vatican News

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