A sociedade, cotidianamente, se contamina por polêmicas, que geram enorme desgaste emocional e desperdício de energias. Perde-se a oportunidade para diálogos construtivos, capazes de contribuir na solução dos muitos problemas da atualidade. A incapacidade para dialogar construtivamente revela despreparo para o exercício de responsabilidades – profissionais, missionárias e cidadãs. Observa-se que há significativo descompasso entre as possibilidades tecnológicas do mundo contemporâneo e as condições emocionais da sociedade, que estão enfraquecidas, impactando o exercício das mais diferentes atividades.
Assiste-se a uma fragilização crescente das instituições, isso porque, na ausência de equilíbrio moral e emocional, falta clareza às pessoas. Assim, prevalecem certas conveniências condenáveis, que produzem descompassos e confundem os entendimentos. Nesse contexto, a capacidade para dialogar se enfraquece, dificultando a percepção da verdade e o exercício da solidariedade. O ser humano passa a se alimentar, patologicamente, das polêmicas. Torna-se incapaz de escutar críticas que ajudam a construir dinâmicas renovadas em diferentes contextos sociais. Sem clareza a respeito do próprio papel na sociedade, as pessoas perdem o senso crítico para se autoavaliar. Carentes de humildade, muitos se julgam melhores do que realmente são.
Há uma pressa na emissão de juízos, desconsiderando as necessárias ponderações para adequadamente interpretar fatos, falas. Por isso mesmo, pareceres distanciam-se da realidade e prejudicam inúmeros processos importantes. Sintomas dessa realidade são os obscurantismos e as polarizações, sempre na contramão de princípios e valores inegociáveis. Percebe-se que os processos relacionais e institucionais não amadurecem na velocidade adequada. Acabam sendo banalizados na velocidade própria das redes sociais, sem que ocorra adequada análise dos conteúdos e de seus alcances, ou a identificação de responsabilidades. Eis a razão de assuntos polêmicos, que catalisam ampla e irrestrita atenção, caírem no esquecimento em poucos dias. O que se valoriza é o frenesi abusivo e pesado, que ameaça a saúde mental e emocional de cada indivíduo.
Entre as consequências desse cenário está a dificuldade para reconhecer o sentido que alicerça a vida, a falta de habilidade para se relacionar e a crescente violência – nas ruas e também nos lares – conforme revelam as tristes estatísticas sobre feminicídio, agressões a menores e vulneráveis. A casa deixa de ser o lugar dos primeiros e essenciais exercícios de sociabilidade, das dinâmicas dialogais, para se tornar palco de descompassos. Tudo comprova o adoecimento crescente da humanidade, agravado com outras crises de saúde, a exemplo da atual pandemia. As imunizações são urgentes, não somente para vencer a Covid-19, mas também para superar os outros adoecimentos que não raramente levam pessoas a desistir de viver.
O ser humano precisa curar seu tecido interior, para conquistar mais saúde integral – física, mental e emocional. A generalizada desorientação social é também sinal de que o tecido interior de muitos está esgarçado. E a recuperação da interioridade exige investimento na dimensão espiritual que qualifica, inclusive, competências técnicas e profissionais. Diante do generalizado adoecimento das pessoas e, consequentemente, da sociedade, é ainda mais necessário o remédio da espiritualidade. Evidentemente, não se deve abrir mão de outras medicações necessárias, mas a espiritualidade é a terapêutica que restabelece a dimensão mais essencial de cada pessoa. Oferece condições para que todos possam viver melhor, ampliando competências para o exercício de diferentes tarefas e responsabilidades do dia a dia.
A vivência da espiritualidade contribui para que o sentido da vida seja percebido. Deve-se, pois, investir diariamente na dimensão espiritual, com ajudas especiais de confissões religiosas, sem proselitismos ou interesses pecuniários, mas a partir da sincera intenção de contribuir para erguer as pessoas. Assim o ser humano é tratado de modo integral, fortalecendo-se para ajudar na construção de um tempo novo. Cada pessoa precisa convencer-se da premência de curar seu próprio tecido interior, superando loucuras, para dar conta de viver e servir, com alegria. A tradição cristã, de mais de dois mil anos, tem um tesouro rico e inesgotável para ajudar a humanidade neste processo. Uma riqueza que ultrapassa ritos e prescrições.
As confissões religiosas, particularmente as cristãs, precisam oferecer, abundantemente, técnicas, dinâmicas e vivências que ajudem a humanidade na recomposição da interioridade. Na superação dos muitos sofrimentos insuportáveis, das indiferenças desoladoras e comprometedoras da paz, das disputas cegas, fratricidas e homicidas, invista-se mais na espiritualidade, para ajudar o ser humano a curar seu tecido interior.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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