O Papa Francisco, em sua mensagem dedicada ao Dia Mundial da Paz, faz importante indicação para resgatar a humanidade dos seus estreitamentos sufocantes: trata-se da sabedoria do cuidado. Se o ser humano não aprender a cuidar do próximo e da Casa Comum, continuará a conviver com as vergonhosas desigualdades sociais, com a gradativa perda do sentido da vida, aprisionando-se em correntes escravizadoras. A interpelação central da mensagem do Papa Francisco, chamando a atenção para a sabedoria do cuidado, não permite flexibilizações. Sem a sabedoria do cuidado, a humanidade continuará ameaçada por esta pandemia e por muitas outras terríveis crises de saúde, econômica, social e político-cultural. Orienta o Papa Francisco: a escolha racional para superar tantos problemas é todos se tornarem profetas e testemunhas da cultura do cuidado.
A compreensão de que a humanidade deve se unir e remar no mesmo “barco”, cujo “leme” é a dignidade de cada pessoa, deve inspirar, interpelar e desafiar o ser humano. Não tem outro caminho para se alcançar uma civilização melhor. Na contramão dessa via está a irracionalidade. Por isso mesmo, todos se reconheçam aprendizes – de governantes a cientistas renomados – da ciência do cuidado. Isto, entre outras medidas, exige combater “negacionismos” que buscam minimizar a gravidade da atual crise sanitária, social, ambiental e política. Saber cuidar, na contemporaneidade, inclui também investir na ciência e em suas pesquisas, capazes de conceber vacinas eficazes no combate à pandemia que ameaça a humanidade. Nos campos da religião, da política e da cultura, saber cuidar refere-se à capacidade de aprender novo estilo de vida, reconhecendo a dignidade de cada pessoa.
Na direção oposta do compromisso com o cuidado, multiplicam-se palavrórios, invectivas que apenas provocam curiosidades e alimentam o número de visualizações nas redes sociais, reforçando dimensões existenciais patológicas e juízos condenatórios sobre os outros. Proliferam-se discursos obscurantistas camuflados de fidelidade a um arcabouço doutrinário confessional. Para a humanidade é urgente a aprendizagem do saber cuidar, ciência da vida que inclui o zelo pela ecologia, avanços em clarividências políticas, intuição de novos caminhos civilizacionais, capazes de substituir situações de violência por mais respeito à dignidade humana – sem racismos, exclusões ou outras formas de discriminação.
Saber cuidar é o caminho novo para estabelecer adequadamente o nobre sentido da autoridade política, alicerçado na efetiva defesa de valores e princípios indispensáveis à sociedade, vencendo incoerências. Política qualificada é a que se dedica a cuidar, jamais agindo com indiferença. Nessa mesma perspectiva, uma civilização se qualifica quando todos, igualmente, são respeitados em seus direitos e reconhecem seus deveres – todos cuidando uns dos outros. Também a vivência autêntica da fé, especialmente da fé cristã, exige incondicional adesão à cultura do cuidado.
A Igreja Católica, por exemplo, desde a sua origem, investe nas chamadas obras de misericórdia, priorizando o compromisso com os pobres. Essencial, pois, é o adequado entendimento sobre o cristianismo, que tem por princípio pétreo a valorização de cada ser humano. Na perspectiva cristã, a pessoa humana jamais pode ser considerada simples instrumento, a ser avaliado por sua utilidade – toda pessoa merece e deve ser cuidada. Testemunha-se com autenticidade a fé quando se considera o outro mais importante, especialmente quando se trata dos pobres, inocentes ou vulneráveis. O cristão tem, pois, o dever de promover os Direitos Humanos, que precisam ser mais respeitados nesta sociedade marcada por uma economia que mata.
Saber cuidar é ciência existencial que, para ser aprendida, exige profunda conversão do próprio coração. O cotidiano da humanidade com as suas lógicas clama por essa ciência existencial que pede conversões, para que seja edificada a paz na solidariedade e na fraternidade, dissipando as artimanhas de poderosos que manipulam opiniões para não cumprir com seus deveres em relação aos empobrecidos do planeta. Essencial e urgente é investir na cultura do cuidado. Trata-se de um resgate do que é genuinamente humano, pois saber cuidar é habilidade que gera humanização.
A regeneração da civilização contemporânea exige disciplina no exercício do cuidado – com o outro, que é irmão, e com a Terra, a Casa Comum. Sem esse exercício, continuarão a se multiplicar calvários para a humanidade. A novidade esperada para o ano que se inicia depende da dedicação de todos à ciência capaz de resgatar a humanidade de seus abismos: a ciência do saber cuidar.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
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