Característica humana e tema complexo, a teimosia pode ser detalhada em uma poesia, gênero literário consagrado a partir de inspirados e talentosos autores. Nas culturas e na história, a poesia é um alicerce sustentador capaz de gerar o sentido necessário para a vida humana. Afinal, o que seria de nosso mundo sem a força poética? A poesia é um recurso imprescindível para pensar e agir com parâmetros que vão além do conhecimento técnico. E é nesse sentido, que a teimosia pode inspirar os poetas a novas composições capazes de transformar modos de agir a partir de diferentes sensibilidades. Mas, aqui, a reflexão sobre as teimosias se faz em prosa: um convite para que cada pessoa pense sobre o significado de ser “cabeça-dura” no contexto de instituições, famílias e no exercício da cidadania.
Ser teimoso, intransigente, remete à ignorância, à falta de formação humanística. Evidencia também desajustes na dimensão psicoafetiva – obscuridade que gera uma postura fechada ao diálogo. Essa teimosia se alimenta e também contribui com a síndrome do pensamento único, que gera muitos danos. Há também, entre os diferentes tipos de teimosias, uma que não gera prejuízos. Trata-se da esperada perseverança em continuar agindo no bem e pelo bem, mesmo que sejam enfrentadas inúmeras dificuldades.
Esse tipo de teimosia permite não desistir, avançar sempre, até o fim, cultivando o compromisso de fazer o bem. Cada pessoa é desafiada a percorrer, assim, o itinerário da própria vida, como um peregrino, perseverante no exercício da bondade. Isso requer um processo de revisão pessoal. Além de buscar uma vida saudável do ponto de vista psicológico, esse exercício exige vencer os radicalismos. É preciso, pois, debelar o crescimento assustador das intolerâncias que alimentam preconceitos e acirram as disputas. Desse modo serão enfrentados diferentes tipos de violência – desde torcedores que se matam em nome da paixão por um time de futebol a atiradores que atacam multidões.
Para avaliar criticamente se a teimosia é construtiva ou prejudicial, deve-se rastrear as dinâmicas da estrutura psicológica de cada pessoa. Nesse processo, é preciso observar se há alguma “enfermidade” que compromete a insubstituível competência moral, tão necessária para o fecundo exercício da cidadania, cultivo da honestidade, adoção de gestos marcados por fraterna solidariedade. As teimosias patológicas precisam ser combatidas por diferentes instituições – familiar, educativas, religiosas e tantas outras. Essas instituições sociais não podem ser reféns das loucuras de ditadores, das inoperâncias de quem quer apenas conquistar benefícios, sem priorizar a busca pelo bem do semelhante. É também questão prioritária de saúde pública investir no equilíbrio dos cidadãos, pois a violência, a incontrolável busca por dinheiro, o prazer mórbido pelo poder e outras situações que geram prejuízos para a sociedade podem ser loucuras que merecem tratamento.
Importante destacar ainda o dever das instituições que se dedicam aos processos de formação humana. Essas instituições precisam combater a “síndrome do pensamento único”, capaz de formar agrupamentos a partir de objetivos questionáveis, gerando campo fértil para fundamentalismos e radicalismos. Nas instituições, a “síndrome do pensamento único” ainda faz com que pessoas se encastelem nos seus próprios posicionamentos, trazendo prejuízos tanto para o indivíduo, fechado ao diálogo, quanto para o lugar de onde recebe seu sustento. Essas teimosias descompassam a sociedade.
Por isso, a humanidade precisa investir na compreensão das diferentes teimosias. O desafio é contribuir para cultivar um jeito teimoso que signifique dedicar, perseverantemente, à prática do bem, sem nunca desistir. Desse modo, os projetos e as causas que contribuam para a paz no planeta, a Casa Comum, ganharão mais apoiadores. Haverá uma teimosia crescente que se desdobra no altruísmo, capacidade humana de agir pelo bem, de não desistir dos bons projetos, ainda que demorem décadas para serem assimilados e compreendidos. Essa é a teimosia da perseverança no bem, na verdade e na luta pela justiça, que não permite radicalismo ou fundamentalismo, alicerça-se sempre na busca pelo diálogo.
Autor:Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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